Meu primeiro voto, no exterior. Nesta eleição votei pela primeira vez em eleições gerais democráticas brasileiras aqui em Londres. Votei no Plínio no primeiro turno, que aqui na capital da ilha teve apenas 33 votos. Agora, no segundo turno, vou votar na Dilma.
Em 2006 consegui evitar esse dilema. Não estava na Inglaterra na época das eleições e, paradoxalmente, estando no próprio Brasil, não pude votar. Isso não foi um problema, senão uma espécie de alivio, pois não estava interessado na época, ainda sob a ressaca pós-implosao do PT – acostumado que era a militância partidária ideológica – em votar nem no PT nem no PSOL e nem anular. Mas dessa vez não apenas queria votar, como também abro meu voto.
Claro que minhas opções rondavam esse espectro. Sim, sou de esquerda ou/e socialista. E, sim, ainda usamos esses termos. Ainda tentamos traçar a linha que divide a esquerda e a direita, ideologias, projetos.
Hoje a retórica da suposta esquerda crítica, tão dividida, diz: “Derrotar a direita é o consenso”. Mas não por acaso tantos de nós nos perguntamos quem é a direita. É verdade, e qualquer brasileiro de senso crítico percebe, que essa linha, quando colocada na relação PT/PSDB, está cada vez mais tênue.
Não é segredo afirmar, nem mesmo as vésperas da eleição, que o PT se desfigurou a tal ponto que passou a ser confundido com o próprio PSDB. É obviamente legitima a critica da esquerda de que o PT, enquanto partido e logo depois como governo, optou por uma mudança de estratégia e aproximou-se da social-democracia; conceito da ciência política que, paradoxalmente, é o nome ao próprio PSDB.
Do outro lado, porem, o PSDB, quando recém-nascido do PMDB propondo o reformismo tradicional, acabou por perder o seu próprio programa político originario e encarnou-se com a ultra-direita brasileira: dos neoliberais aos fascistas.
E hoje o PT e seus milhares de intelectuais e analistas políticos e/ou seguidores insistem em colocar o partido no espectro da esquerda. Contudo, perguntas basicas inevitáveis (e apenas as relacionadas ao contexto eleitoral...) : E a troca de afagos e elogios a José Sarney? (quais são os limites do absurdo?!) E a alegria saltitante de Collor de Mello indo votar com adesivo do PT?(meu deus , que vergonha!)
Em resumo, para muito da nossa modernidade intelectual, eis a prova da nossa maturidade política e consolidação da democracia: as louvações ao pragmatismo. Sim, é a prova Matrix, a pílula azul ou a vermelha. Não há saída. Corra coelho de Alice! porque mesmo que a morte seja certa é melhor morrer tentando do que esperar resignada e assustadamente o famigerado resultado. Ou não? Ou é melhor jogar-se com luxuria aos intensos últimos momentos?
NÃO É SONHO MAS É MELHOR QUE PESADELO
É aí que a outra retórica eleitoral da esquerda faz sentido: “A Dilma não é o governo dos nossos sonhos, mas Serra é o governo dos nossos pesadelos”.
Sim, acredito nisso. Serra representa um assustador retrocesso, e Dilma não representa o que esperamos de compromissos sociais e construção socialista. Mas não pela diferença “óbvia” e imaculada entre um e o outro. Por mais malabarismos que a intelectualidade da “esquerda” brasileira tente fazer para estabelecer o bem e o mal (leia-se, respectivamente, PT e PSDB) o PT, há muito tempo, entrou definitivamente, em termos de política partidária, para a vala dos comuns: fisiologismos, corrupções, maniqueísmos. Ou, em outra palavra atualmente mais digerível, o tal do pragmatismo – a única maneira de se fazer política séria na visão desses obcecados com a governabilidade (palavra, aliás, tão na moda quando o PT decidiu radicalizar em direção a centro-direita e aliou-se com o PL na eleição de 2002).
Eis o dilema: partidariamente, o PT está morto. Como governo - impulsando um projeto de nação e de estado - o PT ressuscitou o Brasil.
E agora eis a pergunta, a velha de sempre, o que é que queremos? O Brasil foi ressuscitado como? Com consolidação democrática? Mas de que democracia estamos falando?
Com crescimento econômico? Mas qual é nossa idéia e/ou desejo de desenvolvimento?
Com redução da pobreza? Mas só o que queremos é um lugar ao sol no pátio do capitalismo ou queremos reinventar a vida?
A oportunidade de um futuro coletivo? Mas qual é nosso projeto para ele? O “direito” dos pobres a seguir a classe média e mofar horas enjaulados em seus automóveis, todos os dias? Casas para todos, mesmo que em regiões remotas das metrópoles, onde a natureza foi agredida e a mobilidade é quase nula?
Por enquanto é isso realmente. Quero, como todo brasileiro de bom-senso, que a pobreza siga caindo em quase 40%, e que isso permita a ascensão social de mais de 30 milhões de pessoas; que isso, por conseqüência, ative o mercado interno e que esse ciclo permita aumentar o orçamento da educação em mais de 120% para criar 15 novas universidades federais e expandir 42, além de mais de 200 escolas técnicas.
Esse mérito, como governo capitalista, o PT tem: permite acesso a educação que faz com que milhões de cidadãos, outrora excluídos da vida civil plena, se vejam como detentores de direitos e passem a exigir do Estado, em lugar de aceitar clientelismos.
O Brasil hoje, e morando fora percebemos muito bem isso, é um país que orgulha seus nacionais, porque além do trinômio estereótipo samba-praia-futebol há também um Estado sério em construção, que é ator principal nos principais tabuleiros internacionais, que vagarosa mas firmemente se impõe como Estado soberano e não apenas peça geopolítica manipulada pelas tradicionais potências do Norte ao bel prazer de interesses estratégicos estrangeiros. O Brasil hoje tem a sua própria estratégia.
Nesse sentido, uma teoria do Tarso Genro (hoje governador eleito do RS no primeiro turno) muito criticada pela suposta esquerda petista, no final dos anos 90, faz sentido : “inserção soberana no mundo globalizado”. É fato. O Brasil se insere e é ouvido. Mas não queremos apenas jogar, queremos também decidir as regras.
Ciclos de criação de direitos sociais como demonstra o retrocesso brutal que a Europa atravessa, podem ser interrompidos e não se mantém sem a mobilização social que garanta sua expansão.
Por isso que hoje é tempo de um posicionamento. A vitória do PT é determinante para que o debate alcance outra natureza: reivindicar, exigir, construir. Não será num melancólico PSDB e com uma frustrada turba de elites recalcadas no poder que se poderá ter esse nível de fazer política.
Dilma, a primeira presidenta do Brasil, deverá sinalizar à esquerda qual o propósito do PT no governo, pois dessa vez estará sob pena de romper de vez com qualquer laço de solidariedade com a esquerda e tornar-se um partido não apenas meramente institucional como execrável. Por outro lado, a própria esquerda precisará realizar uma severa autocrítica e, definitivamente, deixar de lado os sectarismos de toda ordem para poder pautar contraponto ao reformismo petista e aos limites da democracia formal burguesa.
E que nas próximas eleições, eu vote em casa, ainda mais orgulhoso por haver voltado ao lar.