Friday 31 December 2010

Por mais cinco anos

“Digno de un trotamundos”, disseram-me recentemente. E entre tanta coisa que já me foi dita, essa me intrigou.
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Aos 17 anos, morando sozinho por primeira vez, em Porto Alegre, entre uma sessão de estudo de biologia e de geografia para o vestibular (e algumas bandinhas pela capital), dedicava tempo para o que julgo serem minhas primeiras reais e inocentes experiências de auto-reflexão. “Y quién soy yo a final? Un periodista, un romancista, un anarquista?” escrevia em espanhol, sob o encanto da recente visita a El Salvador, buscando sentido para a distância de casa, as horas de solidão, a imposição de disciplina, as mil facetas de um mundo que descobria.

Visualizava os poemas de Mario Quintana (tão deglutível para adolescentes iniciantes) enquanto perambulava pelo centro de Porto, depois do almoço que variava sempre entre os dois mesmos pequenos e baratos restaurantes “de balança”, entre a biblioteca, os vinis da Casa de Cultura, os skates na praça da Catedral, a loja de tatoo na Venâncio, a bagunça do Mercado Público antes de ter sido renovado.

Tudo em mim era esperança – crença na humanidade, incerteza e segurança em mim mesmo, simultaneamente; paradoxo. Misto de pragmatismo e utopia, fé honesta e ceticismo inquisidor, e música, sempre muita música. Uma eclética e sem-fim trilha sonora durante todo o caminho com cada cena encontrando seu som correspondente. E o eterno horizonte do ir, hay que irse, sair, abrir e ver, tanto para ver.

E hoje o que mais me impressiona é o realizar de que na essência tudo permanece, tudo ainda brilha, transpira, fede, reclama e se joga com o mesmo pulso de vida como quando voltava do fim de semana em Pelotas para o “auto-exilio” em Porto Alegre carregando bolachas de aveia feitas pela minha mãe junto a uma alma constantemente inquieta.

Mas é a inquietude criativa, não a perturbada. É aquela que me faz entender a obsessão por filmar a própria sombra pelo Barrio Grácia, buscar placas de aviso entre Hackney e Islington, fotografar tags nas ruas de Plaka, colar adesivos sobre rios congelados em Södermalm, desafiar a subida ao morro pós-ressaca em Sete, atirar-me de rochas ao mar de Cavo Greco, torcer para que não acabem as horas em Chaputelpec, chegar até El Mozote na traseira de um caminhão.

Como muitos humanos, correntes, nessa época, particularmente no último dia daquilo que nos acostumamos a chamar de ano, tendo a fazer o repetitivo e incansável exercício, revisório, introspectivo, planejador.

Mas esse para mim não é o final de um ano, senão de cinco.

Em Tramandai, num aleatório verão dos anos 2000, eu conversava com alguém sobre o aproximar-se da partida. Eu iria mesmo, pra algum lugar, viver realidades, não sonhos. Bem chavaozinho, falando animado sobre a aventura frente ao mar, eu sabia que seguiria indo. E sigo.

Agora eu vejo pela última vez o sorriso sincero de Ms. Gordon, tão reluzente aos seus 95 anos, vindo todas as quintas para o tratamento da sua perna, respondendo com naturalidade que seu natal foi solitário, como tem sido desde que seu marido morreu; e o passo lento de Mr. Ronald, olhando baixo, falando pouco, comentando na sua difícil-de-entender dicção em inglês, num combinado de sutil animação e tristeza, que alguém lhe havia desejado feliz ano-novo. Desejei-lhe o mesmo com o mais sincero tom voz que pude.

São exemplos de personagens aleatórios que inusitadamente permanecerão nessa memória, tão abarrotada, e que se misturam com outros indispensáveis e determinantes.

Que dádiva e maldição! Parece que realmente escolhi o caminho da permanente despedida. Que privilégio, que dolorido. A minha rota até Itaca é prolongada, é temerosa, é o sonho de Kavafis.

Tudoaomesmotempoagora foi um slogan, não aprendi com aquele senhor barrigudinho e careca no ônibus para a Bahia o conselho de uma coisa de cada vez. Mas o tenho como um objetivo. Entendi, contudo, desarmadamente, o clichê do presente, do não-futuro; confirmei que querer não é poder, mas é o primeiro passo para.

Eu agora quero descarregar. Deixar de acumular, de absorver, Os olhos estão cheios, a mente esta lotada, é tanto vermelho, tanto barulho de teco-teco, tantas folhas, tanta inundação. Eu vou para o sol, de novo, com nostalgia pela neve, e vou voltar, outra vez. Vou intercambiar, novamente, com um pé aqui, outro lá, todos os segredos, todas as imagens: eu fiz tudo o que quis fazer, e ainda não terminei.

Esse ano foram cinco, como sempre deveriam ser. Como espero que sempre sejam.

Eu não tenho sonhos, tenho esperanças. Eu me sinto compelido a agradecer, a todos, a todas, e não quero mais nada do que mudar o mundo, e eu.

Tuesday 28 December 2010

Funes irá a cambio de mando en Brasil

*Articulo disponible en la revista salvadoreña ContraPunto


"SAN SALVADOR - El presidente de El Salvador, Mauricio Funes, confirmó hoy que viajará a Brasil para estar el próximo sábado (01/01/2011) en el traspaso de mando de Luis Inácio Lula Da Silva, hacia la presidenta electa de Brasil, Dilma Rousseff.


Funes asistirá a la ceremonia de investidura de Rousseff junto a su esposa y Secretaria de Inclusión Social, Vanda Pignato, nacida en Brasil y quien ha sido dirigente del Partido de los Trabajadores (PT) y amiga del presidente Lula, dice el comunicado oficial del gobierno salvadoreño.


El mandatario salvadoreños dijo que Lula, "a quien conoció cuando ejercía el periodismo, no sólo ha sido su amigo personal sino un gran aliado en el campo de las políticas sociales para luchar contra la pobreza en que viven amplios sectores de nuestros pueblos".


A finales de febrero de este año Lula realizó una visita oficial a El Salvador, durante la cual fue condecorado por el presidente Funes; visitó la tumba de monseñor óscar Arnulfo Romero, en la catedral metropolitana; se reunió con un grupo importante de medianos y grandes empresarios, y conversó ampliamente con el mandatario salvadoreño, a quien felicitó y aconsejó públicamente durante una rueda de prensa, indica el documento de Casa Presidencial.


Meses antes, Funes le visitó en el palacio de Planalto, en Brasilia, también durante una visita oficial. En total, ambos mandatarios ya se han reunido cuatro veces, tanto en Brasil como en El Salvador, además de encuentros bilaterales en foros como la Cumbre Iberoamericana de Portugal, el año pasado, aparte de conversar por teléfono con cierta frecuencia, agregó el texto.


Desde la llegada de Funes al gobierno, el 1 de junio de 2009, las relaciones de cooperación entre El Salvador y Brasil se incrementaron considerablemente, al suscribirse diversos convenios en materia de desarrollo social, salud, agricultura, transporte y seguridad ciudadana.


Al mismo tiempo, empresarios salvadoreños han sido invitados a conocer la experiencia brasileña, con el propósito de incrementar las relaciones comerciales entre El Salvador y Brasil, finaliza el comunicado oficial dl gobierno salvadoreño."

Thursday 23 December 2010

Presente de natal para a memória histórica brasileira

A condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na Organização dos Estados Americanos (OEA) – como responsável pelo “desaparecimento forçado” de 62 pessoas entre 1972-1974 durante a Guerrilha do Araguaia nos anos de chumbo da ditadura militar – é uma vitória dos que lutam pelos Direitos Humanos no país e pela real consolidação democrática brasileira.


É um merecido e esperado tapa na cara da arrogância dos militares e do Judiciário do Brasil que, ententanto, insistem em manter, ridicula mas preocupantemente, o narizinho empinado diante da retumbante derrota.


Essa condenação se anunciava desde maio deste ano, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) se negou a rever a Lei de Anisitia (6.683/79) e considerou incluidos na Lei todos os que cometeram “crimes políticos ou conexos” durante a ditadura, inclusive os de tortura. O caso que tramitava na OEA era a principal esperança de que, internacionalmente, o Brasil acabasse em posição difícil em matéria de Direitos Humanos.
UM CONSTRANGIMENTO NECESSARIO
para revelar que o país que joga ás vezes de potência regional, tentando sentar-se como potência global, buscando inclusive atuar como mediador de conflitos e força estabilizadora, nao é capaz de lidar com o seu proprio recente e vergonhoso passado, principalmente depois de ter recebido aval da sua maior instância judicial para tolerar a prática de tortura.

Por isso a condenação do governo brasileiro com base na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) é uma vitória paradoxal pois é péssimo para a imagem do Brasil em nivel internacional. Revela um país não respeitador dos direitos e que em função disso pode inclusive sofrer consequências penais e econômicas decorrentes da decisão do Supremo.
Nossa principal Corte de Justiça toma uma decisão dentro de sua autonomia, mas sem compatibilizar com os tratados e as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, sobretudo o Pacto de San Jose da Costa Rica.


Tal situação reforça a conhecida e deprimente fragilidade do Direito Internacional e revela a arrebatadora, quase repugnante, contradição em que o nosso Judiciario se embrenhou. O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, afirmou que a sentença da OEA “não revoga, não anula, nem cassa a decisão do Supremo”, já que “sua eficácia é apenas no campo da convencionalidade”.

Isto é, com toda a cara dura que deus lhe deu, o presidente do nosso Supremo Tribunal explicita que, quando a coisa aperta, o que vale mesmo é a realpolitik, danem-se os tratados internacionais! Deve ser bonito assinar convenções e tratados internacionais, e aparecer na lista da ONU como um Estado de valores democráticos e comprometidos com os Direitos Humanos, mas quando a porca torce o rabo, ela grita! Afinal, tratados internacionais são apenas convencionalidades…


E no rebolar para tentar legitimar uma tese, vale até dedo no olho, ou apelar para o patriotisimo. Outro ministro do STF, Ricardo Lewandowski, sentenciou que decisão da OEA “não obriga o Supremo a recuar”, porque “prevalece a decisão do STF como órgão supremo do Judiciário e parte da soberania do país”.


A TESE DEFENDIDA PELA OAB
junto ao Supremo Tribunal Federal – na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153 – sustenta que a Lei da Anistia não se aplicaria aos torturadores, pois os crimes de tortura não seriam “crimes políticos e conexos”, mas sim crimes comuns. A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA concorda e sentenciou que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana.


Mas nosso Supremo Tribunal age como a criança dona da bola: jogo onde quiser, se não levo a pelota embora. Ou, em outras palavras, a princial Corte de Justiça do continente diz que o Brasil está errado, mas nossos ministros dizem que nas questões da transição politica dos anos 80 ninguém mais pode se meter; é competencia “soberana” dos juizes brasileiros.


A Lei da Anistia sempre foi entendida como um tema determinante para a consolidação do regime democrático, mas as vontades politicas de escamotear o passado para garantir a velhice confortável e obscura de militares que atuaram criminalmente, mesmo que ao preço de tolerância para com a tortura impetrada por agentes do Estado, se mantêm firmes e agem para assegurar que as tiranias permaneçam sob o tapete.

E é assim que o Brasil segue reforçando seus estereótipos de pais do oba-oba, de sol e festa, onde tudo pode, onde para tudo se tem um jeitinho, onde as instituições não são sérias, onde é facil cometer barbaridades e sair ileso, o paraiso, tropical, da impunidade.

Logo, o ministro de Defesa, Nelson Jobim, reforça-se como um dos maiores mistérios do governo petista. Quais serão as manobras e interesses das forças partidárias, e/ou “ocultas” do poder no nosso país para que se mantenha esse senhor no Primeiro Escalão governamental?

Jobim, com sua subserviência os Estados Unidos agora desmascarda pelo Wikileaks, foi um dos primeiros a gritar contra o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) no ano passado e segue investindo seu expediente em proteger torturadores do regime militar se opondo ferronhamente a qualquer iniciativa em favor da memória e da verdade.
Para essa voz pró-impunidade que é, absurdamente, o nosso ministro de Defesa -
mais uma vez - a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de condenar o Brasil é “meramente política”. Jobim acredita que a sentenca da OEA não tem efeitos jurídicos no Brasil e afirma que não há possibilidade de punição para os militares que praticaram tortura no país.


Contudo, a decisão da OEA é um marco histórico porque pode se firmar como determinante na questão do respeito aos Direitos Humanos no Brasil. O pais não tem o direito de seguir se omitindo – e fugindo – da busca da verdade sobre os reais acontecimentos durante a ditadura militar.


O Poder Executivo e a sociedade civil tem agora um estimulo internacional e não podem esmorecer. No Ministério da Justiça funcionam as comissões da Anistia e a de Mortos e Desaparecidos Politicos. E, por mais perseguição que tenha sofrido, segue em discussão a criação da Comissão da Verdade do Brasil para finalmente estabelecer um divisor de águas na história do país.


Segundo o sociólogo Gilson Caroni Filho “o entulho autoritário, no Brasil, apenas cresceu durante a longa noite dos generais”. A revisão da Lei da Anistia, o enfrentamento do vergonhoso passado brasileiro é uma questão para além das diferenças ideológicas: é uma necessidade cultural.
Os torturadores devem se sentar no banco dos réus para evitar que novos crimes dessa natureza voltem a ser cometidos: a inviolabilidade dos Direitos Humanos no Brasil deve ser um pilar do projeto de nação de um Estado que finalmente começa a deixar de ser o país do futuro para construir o presente. Um presente de natal e tanto para a democracia brasileira.

Wednesday 22 December 2010

Una de las naciones latinoamericanas con más problemas tiene a su presidente más popular

La prestigiosísima revista The Economist publicó el pasado domingo un breve articulo sobre el “misterio” en El Salvador: ¿como es posible que uno de los países latinoamericanos que mas tienen problemas socio-económicos en todo el continente tenga a la vez el presidente mas popular?


La Casa Presidencial salvadoreña tradujo el texto al español, que reprodujo abajo, y el original en ingles en el website de la revista pode ser accedido aquí.
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"El lío a enfrentar por Mauricio Funes, cuando fue elegido presidente de El Salvador el año pasado sugirió que estaba en un paseo lleno de baches. La violencia rampante de las bandas produjo la mayor tasa mundial de asesinatos en 2009. En medio de la crisis financiera global, la economía se contrajo un 3.6%, una de las mayores caídas en la región. El Salvador no es un lugar fácil de gobernar. Sin embargo 18 meses después el 79% votó al Sr. Funes, volviéndolo el líder más popular de América Latina.


Su apoyo no viene de ningún éxito de ningún gran éxito sobre la delincuencia o la economía. La tasa de homicidios se sumergió después que el Sr. Funes desplegara al ejército en las calles y prohibiera las asociaciones a pandillas, pero desde entonces se ha recuperado. Y en el último año, 5% de los salvadoreños sufrieron intento de extorsión, a menudo orquestadas desde un teléfono móvil desde las cárceles. Mientras tanto, la economía apenas ha cojeado de vuelta al crecimiento. No se espera que alcance los niveles anteriores a la recesión hasta 2012, debido a la dependencia del país a los Estados Unidos, cuya recuperación ha sido débil.


Pero el enfoque centrista del Sr. Funes ha ganado sobre los votantes que estaban cansados de la política polarizada de El Salvador. Como parte del acuerdo de 1992 que puso fin a la espantosa guerra civil del país, la guerrilla del Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), se volvió un partido político pacífico. Sin embargo, mantuvieron sus puntos de vista de extrema izquierda, alejando a los votantes y permitiendo a sus rivales conservadores, el partido ARENA, mantener su control en el poder por 20 años. Sólo después de nombrar al Sr. Funes, el FMLN logró ganar la presidencia. Pero la derecha temía que el partido imitaría a sus viejos aliados en Nicaragua bajo la sombra del régimen sandinista.


El presidente ha cumplido con las esperanzas del FMLN sobre la política social. La educación básica es ahora gratis y los niños pobres reciben uniformes escolares y zaparos. Estas reformas han resultado en un adicional de 22,000 niños matriculados en la escuela este año, según el gobierno. Ha extendido aún más las arcas del Estado para cubrir programas de salud: vallas en la capital para promover las jornadas de vacunación para los niños. Y como ex periodista de televisión, ha demostrado un don para hablar y para grandes gestos, como pedir disculpas por las atrocidades cometidas por el gobierno durante la guerra.


Pero el Sr. Funes ha resistido las demandas del FMLN de una agenda más radical. La mayoría de hombres de negocios (empresarios) están satisfechos de que su visita a Cuba en octubre, que puso fin a casi 50 de años de frialdad, tenía por objeto la importación de medicamentos baratos, no la revolución. Esto ha dificultado la relación con la línea dura del FMLN. Cables filtrados de la embajada estadounidense muestran que los asistentes del Sr. Funes sospechaban el año pasado, que los teléfonos de Casa Presidencial estaban siendo intervenidos por el FMLN, al cual se le había dado el control de los servicios de inteligencia.


El pragmatismo del presidente ha lanzado a ARENA, que se había unido durante años por temor al FMLN, al caos. El partido se dividió luego de perder las elecciones y sus desertores formaron una alianza con el FMLN, dándole al Sr. Funes una mayoría legislativa. ARENA está ahora corto tanto de dinero como de posibles candidatos presidenciales.


Las elecciones en 2012 pondrán a prueba si la popularidad del Sr. Funes se puede traducir a un mayor éxito para el FMLN. Las encuestas sugieren que ARENA está unos pocos puntos atrás. Eventualmente, el Sr. Funes tendrá que hacer más contra el crimen y la economía para justificar la fe de los salvadoreños en él."

Tuesday 21 December 2010

Nuevo articulo en Panorámica Social - Fuerzas Armadas y seguridad pública en Brasil y El Salvador

En julio de este año, miembros del gabinete de Seguridad salvadoreño se reunieron con el secretario de Estado de Seguridad de Rio de Janeiro, en Brasil, con el objetivo de intercambiar experiencias en es campo y ver cuáles pudieran aplicarse en el contexto de El Salvador.


Sin embargo, parece que fue Brasil quien aprendió lecciones, aunque nos las mejores: el gobierno brasileño decidió en noviembre de este ano – como lo hiciera anteriormente El Salvador – aplicar el uso de las fuerzas armadas en la seguridad pública.

Lea el texto completo aquí.

Sunday 19 December 2010

Carta aberta ao governo sueco

Michael Moore é o respeitado, polêmico, vencedor do Oscar, cineasta estadounidense que fez, além de outros, os ótimos e conhecidos filmes Sicko e Bowling for Columbine.


Michael Moore é uma das personalidades notórias que apóia o Wikileaks, inclusive se ofereceu a pagar a fiança de Julian Assange.


Na sua webpage, Moore publicou uma “carta aberta ao governo sueco” que esclarece, no seu estilo irônico, como as acusações contra Assange na Suécia são no mínimo suspeitas e não resistem a uma análise dos fatos.


A versao original em inglês está aqui. Traduzi ao português e estou fazendo-a se espalhar. Faça o mesmo.



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Prezado governo sueco,


"Olá! Ou como vocês dizem, Hallå! Como vocês sabem, aqui nos Estados Unidos nos adoramos o seu país. Seus Volvos, suas almôndegas, seus moveis difíceis de montar – nunca nos cansamos de tudo isso.


Apenas uma coisa me chateia: por que a Anistia Internacional, num relatório especial, declarou que a Suécia se recusa a lidar com a real tragédia sobre estupro? Na verdade, a organização diz que em toda a Escandinávia, incluindo o seu país, estupradores “desfrutam de impunidade”. E as Nações Unidas, a União Européia, e os grupos suecos de Direitos Humanos chegaram a mesma conclusão: A Suécia não trata crimes sexuais com seriedade. De que outra maneira você poderia explicar essas estatísticas (publicadas no The Guardian) de Katrin Axelsson, da organização Mulheres Contra o Estupro:


- A Suécia tem o mais alto número de denúncias per capita de estupro da Europa

- O número de estupros quadriplicou nos últimos 20 anos

- O número de condenações? Decresceram intensamente.



Segundo Axelsson: “No dia 23 de abril deste ano, Carina Hägg e Nalin Pekgul, respectivamente membro do Congresso Nacional e líder das Mulheres sócio-democratas na Suécia, escreveram no Göteborgs (jornal sueco) que até 90% de todos os casos denunciados de estupros no país nunca são julgados”.


Deixe-me dizer isso novamente: nove entre dez casos de mulheres que denunciaram ter sido vitimas de estupro vocês nunca se incomodaram nem em começar os procedimentos legais de investigação. Nao é de se admirar que, de acordo com o Conselho Nacional Sueco de Prevençao Contra o Crime, hoje em dia é estatisticamente mais fácil alguém sofrer abuso sexual na Suécia do que ser roubado.


Qual é a mensagem para os estupradores? A Suécia os adora!


Então imaginem a nossa surpresa quando de repente vocês decidiram ir atrás de um tal de Julian Assange com base nas denuncias de crime sexual. Bem, mais ou menos isso: primeiro vocês o acusaram. E então, depois de investigar, vocês retiraram as acusações mais graves e o pedido de prisão.


No entanto, um deputado conservador colocou pressão em você e eis que um giro de 180 graus ocorreu. Você reabriu a investigação contra o Assange. Mas dessa vez você não o acusa de qualquer coisa, apenas o quer para “questioná-lo”.


Logo, você – quem ficou de braços cruzados anteriormente deixando milhares de mulheres suecas serem estupradas enquanto seus abusadores estão livres – decidiu que agora era tempo para falar grosso com um homem, o mesmo homem que o governo norte-americano quer preso, encarcerado ou, dependendo de qual político ou erudito você escuta, executado.


Mas que notável cavalheiro das Cruzadas você se tornou, governo sueco! As mulheres suecas devem agora se sentir mais seguras?


Bem, na verdade não. Em fato, muitas vêem através de você. Elas sabem o que na verdade são essas “acusações-que-não-são-acusações”. E Elas sabem que você, cínica e asquerosamente, usa de uma real e diária ameaça que existe contra as mulheres em todo o lugar do mundo para ajudar o interesse do governo norte-americano em silenciar o trabalho do Wikileaks.


Eu não pretendo saber o que aconteceu entre o senhor Assange e as duas mulheres que fizeram as denúncias (tudo o que eu sei é o que eu ouvi na imprensa, assim que eu estou tão confuso como qualquer outra pessoa). E lamento se eu saltei desnecessariamente a tirar conclusões apressadas no meu esforço de destacar um essencial valor norte-americano: Todas as pessoas são absolutamente inocentes até que se prove o contrário depois de superada qualquer dúvida numa corte de justiça.


Eu acredito com convicção que toda acusação de crime sexual dever ser investigada vigorosamente. Não há nada errado em a sua policia querer interrogar o senhor Assange sobre essas alegações. E, ainda que eu entenda o porquê ele se escondeu (é o que as pessoas geralmente fazem quando são ameaçadas de assassinato) ele deveria responder as perguntas da policia.


Ele também deveria se submeter ao exame de doenças sexualmente transmissíveis que as supostas vitimas solicitaram. Eu entendo que a Suécia e o Reino Unido possuem um acordo e os meios para que você envie seus investigadores a Londres para que eles possam interrogar o senhor Assange onde ele esta, em prisão domiciliar sob fiança.


Mas assumo que isso dificilmente ocorreria. Você não faria todo o caminho ate outro país para perseguir um suspeito de crime sexual quando vemos que não consegue nem mesmo ir até suas próprias ruas para ir atrás dos casos denunciados de estupro no seu país. Isso, Suécia, você raramente escolheu fazer no passado e esse é o porquê toda essa coisa agora cheira mal de uma ponta a outra.


E não vamos nos esquecer de uma observação final feita por Axelsson:


“Ha uma longa tradição no uso de alegações de estupro e de crimes sexuais em favor de agendas políticas que não tem nada a ver com a segurança das mulheres. No sul dos Estados Unidos, o linchamento de homens negros era freqüentemente justificado com base nas acusações de estupro ou mesmo de que eles tinha apenas olhado para uma mulher branca. As mulheres não vêem com bons olhos que as nossas exigências por segurança sejam usadas maliciosamente enquanto o estupro segue sendo, no melhor dos casos, negligenciado ou, no pior, ate protegido”.


A tática de usar uma acusação de estupro para perseguir minorias ou agitadores, culpados ou inocentes, (enquanto fazem vista grossa para limpar os crimes no resto do tempo) é o que eu receio que esteja acontecendo aqui. Eu gostaria de me assegurar que as pessoas de bem não permaneçam em silêncio e que você, Suécia, não tenha êxito se de fato você esta mancomunado com governos corruptos como o nosso.


Na semana passada, Naomi Klein escreveu: “Estupro esta sendo usado no processo contra Assange da mesma forma que a “liberdade das mulheres” foi usada para invadir o Afeganistão. Acordem!”.


Eu estou de acordo.


Ao menos que você tenha evidência (e acredito que se tivesse já teria expedido um mandato de prisão a essas alturas), desista da tentativa de extradição e comece a trabalhar naquilo que até aqui você tem se recusado a fazer: proteger as mulheres da Suécia.


Atenciosamente,

Michael Moore"

Thursday 16 December 2010

"Para mim, o Aleksander fez inclusive uma apologia ao estupro de suecas"

Como minha mãe costuma dizer, “tem cada uma que são duas”.
Na continuidade do debate das repercussões do meu texto sobre o evento Wikileaks e o fenomeno Assange, num dos websites de noticias da minha cidade natal, a opinião de um leitor – anonimo, claro –me provocou, no minimo, bastante risada. Mas vamos seguir a cronologia dos fatos primeiro.


Um dos colunistas desse site, Roberto Soares, escreveu um post como resposta ao meu texto e eu deixei um novo comentario-resposta. Essa repercussão eu descrevi anteriormente no post logo abaixo.


Mas ele então fez um novo comentario, rebatendo minha resposta. Eu, no espirito do bom debate, tentei deixar uma outra resposta no website em questão, mas o administrador o bloqueou para novos comentarios.


A história seguiu assim:


Roberto Soares disse...

Caro Aleksander,

Confesso que nunca tinha lido nada seu. Eis uma diferença das várias diferenças entre nós, que consigo captar mesmo sem termos tido oportunidade de nos conhecermos: Sou mais criterioso que tu com relação as minhas leituras.

O sujeito que "lê tudo" já sai mentindo, pois ninguém lê tudo. E quem "lê de tudo", acaba lendo muita porcaria, como Paulo Coelho, ou o Mein Kempf de Hitler, verbi gratia.

De qualquer forma, esperemos a íntegra dos documentos vir à tona.

Só aconselho a tomarem cuidado ao tratar Assange como uma espécie de "santo secular". Antes de confeccionar camisetas com o rosto do australiano e coisas do gênero, creio que as intenções dele devem ser alvo de profundos questionamentos.

Para começar, é possível descartar por completo as acusações de crime sexual que pesam contra Assange? Você descartaria se a vítima fosse sua irmã, coloquemos assim?

E quanto à insinuação de que a Suécia seria um "membro secreto" da OTAN... Trata-se de uma suspeita previsível vinda de alguém que se intitula "marxista", condizente com aquilo que sustenta o partido comunista sueco.

Quanto ao apodo de "fina flor do Lácio", acho que estás lendo demais o blog do chapa-branca do Paulo Henrique Amorim. Sugiro uma diversificação de leituras. Quem sabe lendo menos dessas fontes duvidosas, não sobre mais tempo ao atribulado cupanhêro "marxista"?

E se o intocável Lula é tão favorável à liberdade de expressão, (apesar de professar o contrário, mesmo acidentalmente, como no vídeo acima), seu discurso não resiste a uma análise dos fatos: porque o governo atuou nos bastidores para blindar o Arquivo Nacional, a fim de evitar que a imprensa (e qualquer cidadão) tivesse acesso à ficha da presidente eleita?

Wikileaks nos documentos secretos dos outros é caipirinha.

Muitas perguntas sem resposta.

Bom, continue lendo meus escritos, e comentando, ok Aleksander?
Saudações.

15 Dezembro, 2010 01:24



Como disse, o administrador do “Amigos” bloqueou novos comentários no post em questão. Dessa forma, para que se registre, publico aqui o que tentei deixar lá:

Minha resposta...

“Caro Roberto, vou tentar ser objetivo para tentar evitar que essa discussão não vá ad infinitum, embora imagine que renderia alguns cafes.


Nesse debate, concordo contigo em alguns pontos. Por exemplo, quem lê de tudo acaba mesmo lendo muita porcaria, como eu de fato já li e, como podes ver, sigo lendo… Mas sou jornalista, “such is the way of business”. Imagino que tu também tenhas tido que ler, criterioso como afirmas que és, antes de opinar sobre o que é porcaria ou não, incluindo os autores que mencionastes.


Também concordamos em que há muito mais telegramas (reveladores ou confirmadores) por vir, mas isso não significa que o que vivemos já não seja impressionante e histórico. Agora é oficial, o mundo está mudando.


Mesmo sobre a própria figura do Julian temos convergências. Eu acredito que é preciso saber mais sobre de onde saiu e para onde quer ir o senhor Assange. Mas independentemente do que queremos, ele ja é um mito, já é bandido e herói ao mesmo tempo, em todo o planeta, e já há camisetas com o seu rosto sendo vendidas aqui e ali.


E sendo tu alguém que parece ser perspicaz e atento a análise de fatos, vale o próprio conselho: Não deixe tuas posições ideológicas jogarem contra o razoável. Já sabemos qual é a tipificação, peculiarissima, de crime sexual na Suécia. Logo, mesmo que ele seja culpado por transar sem camisinha, e mesmo que fosse condenado por estupro strictu sensu, e mesmo que os suecos sejam estrictos e pragmáticos, (e mesmo que um por ai ache que eu tenha feito “apologia ao estupro de suecas”, oh Lord…!) é razoável pensar que o homem por isso estaria sendo caçado internacionalmente dessa forma? Não me faça desenhar.

Quanto tua sugestão de diversificação de leituras, já confirmastes que, mesmo sendo eu de fato alguem com formação marxista, estou longe de ler apenas Marx e derivados. Entretanto, não leio o Amorim, não. “Fina flor do Lácio” foi uma referencia ao Olavo Bilac, mesmo; poeta que provavelmente não classificarias de porcaria e que se estivesse vivo provavelmente também criticaria o presidente Lula.”


Agora, o mais curioso foi ver a opinião de outros leitores que acompanhavam o debate, alguns a favor, outros em contra – aliás, sempre comentando como anonimos.


Dai vieram as intervencoes que merecem destaque:


Anônimo disse...

Aleksander, excelente. Obrigado por fazer um contra ponto elegante e apropriado. Sobre os manifestraçoes preconceituosas contra o Lula, já tem mais um post no Blog, onde se ridiculariza um lapso no discurso do presidente,no apoio a organização wikileaks, perdendo a oportunidade de comentar o conteudo. Um pena, muita gente bem educada e preparada intelectualmente , acaba limitando seus talentos simplesmente devido ao preconceito de classe.

14 Dezembro, 2010 22:45


E entao, em resposta a isso, alguém escreveu a perola:


Anônimo disse...

Preconceito de classe?

Contraponto elegante?

Releiam o comentário de Aleksander e o post do Roberto. O Roberto em nenhum momento atacou o Aleksander. Já o Aleksander veio cheio da ironia esquerdista, pavonenado, como o Marroni fazia em seus debates.

Para mim, o Aleksander fez inclusive uma apologia ao estupro de suecas.

Coisas da esquerda.

É fácil ser comuna num país livre.

Difícil é ser liberal numa república de bananas.

E a vida segue...

15 Dezembro, 2010 01:28


Marroni, só para dar contexto pra quem não conhece Greenvile, digo, Pelotas, é deputado federal pelo PT, e foi prefeito de Pelotas em 2000. Concorreu a prefeitura novamente nas utimas eleições municipais, mas não levou.

E, o mais fantástico, sim, ladies and gentleman, “apologia ao estupro de suecas”…

Vocês leram bem. Pelotas é mesmo um lugar impressionante. E eu, fazer o que, me diverto.

Tuesday 14 December 2010

Repercussões do meu texto sobre o Wikileaks – uma resposta

Meu texto sobre o evento Wikileaks e o fenômeno Assange (post abaixo), elaborado sobre o eixo da provocativa analogia desses com Revolução/Che Guevara, foi produzido para a RadioCom 104.5 FM, mas também publicado pelo site “Amigos de Pelotas”.


Um dos colunistas desse website, Roberto Soares, com cujas idéias dificilmente me imagino me pondo de acordo, inspirou-se no meu texto e escreveu um comentário-resposta no post para logo em seguida ser publicado como um novo post nesse blog do jornalista Rubens Filho, lá em minha cidade natal.


O post de Roberto pode ser acessado aqui e apesar de me alegrar que a minha provocação tenha gerado reações, não pude deixar de fazer a tréplica, e deixei um comentário no tal post.


Para registrar o caso, reproduzo aqui o que foi a minha resposta para o senhor Roberto Soares. Estamos sempre prontos ao bom debate.


"Caro Roberto, não te conheço, mas já li alguns dos teus textos como colunista aqui no “Amigos” que permitem ter uma breve idéia dos tipos de posicionamentos que tens e, se tivesse mais tempo, talvez tivesse deixado um comentário no espírito do bom debate, dado que certamente muito das tuas opiniões não se aproximam das minhas.


No entanto, dado que este teu post é na verdade a tua resposta deixada como comentário num texto meu produzido originalmente para RadioCom aqui de Pelotas, e que foi publicado pelo Rubens em três posts abaixo, me dou o tempo de comentar que me alegra que a minha provocação metaforizada na relação Wikileaks-revolucao/Julian Assange-Che Guevara tenha te inspirado a novas reflexões.


Logo, como teu esporádico leitor (há que se ler de tudo nessa vida) não me impressiona que, segundo bem me lembro em um texto prévio teu também publicado sobre o evento Wikileaks, tenhas feito coro àqueles analistas que pretendiam diminuir a importância dos documentos ao afirmar que os telegramas vazados careciam de novidades.


O que impressiona mesmo é ver a tua tentativa de forçar a barra geral e ingenuamente (quero crer que é por ingenuidade), ao reproduzir de forma vacuna que Assange foi preso apenas pelas acusações de crimes sexuais na Suécia, sem motivação política ou ligações com o caso dos documentos... Olha, estive na Suécia faz pouco tempo, e realmente há mulheres por lá pelas quais um mais afobado correria o risco de transar sem camisinha, mas nem com mil delas todo esse aparato da Interpol seria mobilizado, por mais a serio que o estado sueco leve crimes sexuais (nem vamos discutir se transar sem camisinha deveria ser considerado crime ou não), se o caso fosse apenas esse. Será que no mínimo não deveríamos considerar que os telegramas diplomáticos vazados revelaram que a Suécia é (ou era) um membro secreto da OTAN?


Sobre tuas repetidas e rancorosas manifestações de preconceito contra o Lula, caro representante da fina flor do Lácio, nem vale a pena comentar.


Podes mais do que isso, Roberto, estou quase certo. Continue tentando.

Saludos - Aleksander Aguilar"

Monday 13 December 2010

Se o Wikileaks é a revolução do século XXI, Julian Assange é o Che Guevara?

Finalmente terminei meu texto sobre o evento Wikileaks e o fenômeno Julian Assange. Faço o registro já porque, na era digital, é melhor publicar o quanto antes; antes que vaze...


Segue abaixo:



Para aqueles que se dedicam ou se interessam por relações internacionais, especialmente aqueles que têm formação na área da Comunicação Social, o momento midiático-diplomático que se vive (chamemos assim) é decisivamente um divisor de águas. Trata-se da oportunidade diária de atender a uma verdadeira aula de alto perfil de jornalismo e política.


Os milhares de “cables”, ou documentos sigilosos, vazados das embaixadas estadunidenses no mundo pelo site Wikileaks evidenciam a relação mídia-poder de forma impressionante e histórica. Vivemos um verdadeiro script cinematográfico sobre o poder no século XXI. O futuro chegou com a internet e a revolução é digital e os governos não sabem o que fazer com ela.


E essa é uma situação poderosíssima, pois é conhecimento novo, potencialmente revolucionário, e o novo sempre assusta, além de trazer dúvidas. Uma dessas dúvidas é crucial neste momento em que Julian Assange, o fundador do Wikileaks, conseguiu fazer com que o mundo inteiro se posicionasse sobre ele, desde estudantes até Chefes de Estado. A pauta mundial hoje gira a favor ou contra o Wikileaks e o seu idealizador. Assange parece estar conseguindo polarizar o mundo em opiniões ao seu respeito. E é dai mesmo que cabe a metáfora: Se o Wikileaks é a revolução do século XXI, Julian Assange é o Che Guevara?


A revolução?


Até aqui parece que as lições do Wikileaks e o website em si podem favorecer as forças democráticas e anticapitalistas, sobretudo quando se dá crédito ao que o Wikileaks afirma ser sua motivação: transparência e democracia radical da informação.


Ora, os documentos publicados confirmam tudo que só os outrora chamado paranóicos acreditavam e tentavam dizer ao mundo sobre os planos e as ações dos EUA no mundo. Até aqui, sem evidência material, essas posições eram tidas como teorias conspiratórias e algumas se sustentavam somente depois de muita análise histórica. Embora ainda falte muito para vir à tona já se tem mais do que suficiente informação que confirma que os Estados Unidos são, como ressalta o sociólogo Emir Sader, a única potência global, aquela que tem interesses em qualquer parte do mundo e, se não os tem, os cria. Os documentos vazados são a evidencia cabal de que o “imperialismo yankee” não é vocabulário retrogrado dos anos 60, mas está vivo e chutando, montado em um gigantesco aparelho de contra-inteligencia apoiado por um monstruoso aparelho militar.


A situação é tão significativa, política e jornalisticamente, que poderíamos até fazer o jogo dos que querem reduzir o impacto dos documentos e abrir mão da palavra “revelação” em favor de apenas “confirmação” - de todo modo já se justificaria todo o barulho.


O sentido revolucionário do Wikileaks está justamente no fato de que, como define Boaventura Santos, um único website conseguiu dramatizar os efeitos do potencial das tecnologias de informação e obriga a repensar a natureza dos poderes globais. “O Fórum Social Mundial foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década”, afirma Santos.


Mas as opiniões sobre as intenções do website e o valor dos documentos continuam polarizando-se, através de duas vias: uma é a via crítica, a outra a via da conveniência.


Na via da conveniência, o famoso colunista da Folha de São Paulo, Clovis Rossi, por exemplo, pergunta no seu blog: “Alguém aí tinha alguma dúvida de que é assim que funcionam as embaixadas dos Estados Unidos?” Curiosamente, até duas semanas atrás, os que insistiam em denunciar o imperialismo yankee eram tidos pelos “sensatos e realistas” como os paranóicos, viúvas dos soviéticos, mas agora, depois do Wikileaks, todo mundo sempre soube que era assim que a máquina andava…


Na via critica, outros questionamentos mais de fundo são intrigantes. Qual foi o critério para o tratamento exclusivo dos cinco grandes jornais escolhidos por Julian Assange, o criador do Wikileaks, para difundir os 250 mil arquivos filtrados? Para o banquete de transparência que o Wikileaks quer oferecer parece estar faltando tempero no próprio prato do website, que não é absolutamente transparente sobre si mesmo.


Há uma razoabilidade na desconfiança com que é visto o pacto confidencial do Wikileaks com o “consórcio dos cinco”, como está sendo chamado os grandes jornais que tiveram acesso prioritário aos papéis: The New York Times, El País, Le Monde, Der Spiegel e o The Guardian, aqui de Londres. Durante meses apenas esses cinco jornais acumularam o acervo de segredos e antes de tornar as informações públicas advertiram ao Departamento de Estado dos Estados Unidos que o fariam dentro de certas normas “éticas” acordadas.


Então a pergunta que nos faz questionar o caráter revolucionário do Wikileaks é: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado e por quê? Um exemplo já conhecido: por que os conteúdos sobre Israel, um dos países que mais preocupações deveria ter com o vazamento dos telegramas diplomáticos em função das barbaridades que cometem contra os palestinos, ainda não foi citado?


De todo modo, o vazamento do Wikileaks sobre como a diplomacia realmente funciona é um experimento vivo de combinação de tecnologias de novos meios com a mídia tradicional. Ou seja, falamos de novos meios e novas práticas jornalísticas, mas o Wikileaks ainda precisou, ou optou deliberadamente (talvez por razões obscuras), pelas velhas plataformas em formato papel e financiamento de grandes agências para apresentar a informação de forma inteligível e impactante.


O Che Guevara?


Agora, embora essas críticas apresentem fundamento para a desconfiança sobre a “nobreza” do projeto Wikileaks e do seu fundador, Julian Assange, é justo lembrar que a articulação para a publicação dos conteúdos dos documentos se estendeu para formas além da grande mídia, envolvendo jornalistas independentes e plataformas não-convencionais.


Parece que Assange quis furar o cerco de imprensa internacional e da maneira como ela acabada dominando a interpretação que o público vai dar aos documentos. Por isso, além dos cinco grandes jornais estrangeiros, somou-se ao projeto um grupo de jornalistas independentes. No Brasil, a jornalista convidada para organizar esse processo foi a Natália Viana, que está mantendo um blog em parceria entre o Wikileaks e revista brasileira Carta Capital.


Eu tive a oportunidade de trabalhar brevemente com a Natália aqui em Londres, na revista JungleDrums. Na época ela fazia mestrado aqui e era correspondente da Caros Amigos. Agora, ela é a responsável por coordenar a produção de conteúdos em português do Wikileaks, num processo que ela chama de “democracia radical no jornalismo”.


Natália também afirma que Julian Assange “é um homem impressionante”, pois seria fiel ao que acredita até o fim. Ela defende que o Wikileaks se move por um princípio no qual Assange se baseia: que a internet possibilita lutar contra injustiça de uma maneira sem precedentes. “Injustiça em qualquer lugar é injustiça em todo lugar”, teria dito Assange.


Numa impressionante, ou não, coincidência, uma das mais conhecidas frases proferidas pelo Che foi: “Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.” Logo, somos levados a imaginar um Assange vestindo uma camiseta estampada com a foto do Che Guevara, com um pôster do Che na parede do quarto na época de estudante, algo meio nerd-high-tech se preparando para a revolução.


O Wikileaks não é Assange, mas até aqui o “espírito da revolução” está sendo encarnado na sua figura, na sua história que ganha ares realmente digna de filme. De um nobre desconhecido, da noite pra manhã, Assange conseguiu incorporar a vibrante organicidade e diversidade de opiniões que a internet proporciona. Virou inimigo público número um de vários governos do planeta, com acusações de espionagem, ordem de prisão da Interpol, e acabou sendo confinado ilegalmente aqui em Londres; ao mesmo tempo, se tornou o ícone mundial da defesa da liberdade de expressão.


Da Austrália ao Peru, passando pelo Brasil, protestos contra sua prisão e a favor do fim da perseguição ao Wikileaks tem sido organizados e conquistando cada vez mais adeptos que acreditam que defender Assange significa colocar-se ao lado da justiça e da liberdade. As autoridades russas chegaram a sugerir que seu nome seja indicado para o Prêmio Nobel da Paz! Tudo soa como um exagero em torno da figura enigmática do Assange, esse matemático e hacker que entrou na briga no campo da informação e agora é um mártir- vivo. E até que se prove o contrário, ele é de fato o novo herói do século XXI.


Os vazamentos não são o problema, senão o sintoma. O grande mérito do Wikileaks é conseguir ter se tornado o fronte de batalha de um clamor global, organizado por anônimos através de computadores, por transparência e participação. Talvez o Wikileaks em si não seja a revolução, mas sem dúvida há uma guerra em curso, e ela é digital. Assange talvez não seja um Che Guevara, mas é um fenômeno que ainda vai dar muito o que falar e cujo rosto estará estampando camisetas e papel de parede de laptops.

Sunday 12 December 2010

Cinema pra qualquer dia da semana

Vi no BFI e quis deixar a dica. A produção turca-alemã "The Edge of Heaven" de Fatih Akin é realmente um formidável script - que ganhou o Cannes em 2007 - sobre multiculturalismo. Pra sair do cinema reflexivo. Em qualquer dia da semana


The prostitute, her ageing admirer, the radical student, her lesbian lover and a scandalised mother... The second offering from Fatih Akin knits three stories into one elegant, complex drama”.


Full review at The Independent.


Friday 10 December 2010

Yesterday in London

Otimo video mostrando as cenas das verdadeiramente incriveis batalhas no centro de Londres ontem a tarde, em funcao das manifestacoes estudantis. Nao da pra fazer o “embedded” direto do video, mas nao deixa de acessar-lo clicando aqui.


Como estamos falando de Londres em 2010, continuam me impressionando os protestos de rua contra o aumento das taxas nas universidades inglesas, planejado pelo atual governo dos Tory (em coalisao com os Lib-Dem, diga-se de passagem) e levado a votacao no Parlamento.


A votacao passou, apertada, e o valor dos cursos vao triplicar; passar de tres mil para nove mil libras, mas parece que como consequencia a capital britanica testemunha os maiores protestos de rua, mais de 30 mil pessoas, principalmente estudantes e professores, no pais desde 1990. Ver o centro de Londres, por todos os cartoes postais, como palco de batalha, com manifestantes quebrando a Oxford Street e pixando o Whitehall, eh realmente surpreendente.


O principe Charles e a sua esposa Camila tiveram o azar de estar indo para um “evento real” bem na hora dos protestos, passando diretamente por Central London. O carro deles foi atacado e a foto que registra o susto dos dois merece ser reproduzida:

Thursday 9 December 2010

Wikileaks: um conto para Jorge Luis Borges

Tô me coçando, claro, para comentar sobre o impressionante caso dos “cablegates”. Para aqueles que se dedicam ou se interessam por Relações Internacionais, especialmente aqueles que tem formação na área da Comunicação Social, o momento midiatico-diplomático que se vive (chamemos assim) é sem duvida um divisor de aguas. Trata-se da oportunidade diária de atender, e se envolver, a uma verdadeira aula de alto perfil de jornalismo e politica.

Estou preparando meu proximo comentário de toda a quarta-feira na RadioCom 104.5FM sobre o tema. Enquanto isso deixo os links para o excelente artigo sobre o tema no jornal Asia Times, original em inglês, e a tradução em português publicada no blog do jornalista, conhecido ativista pro-Palestina, George Bourdoukan.

Selecionei um trecho, com a respectiva tradução, que merece destaque:

"Assange wants to fight the power of the system, treating it as a computer choking in the desert sands. Were he alive, it would be smashing to see the great Argentine writer Jorge Luis Borges penning a short story about this.

On top of writing his own "Book of Sand", Assange is also counter-attacking the Pentagon's counter-insurgency doctrine. He's not in "tracking-the-Taliban-and taking-them-out" mode. This is just a detail. If the conspiracy is an electronic network - let's say, the (foreign policy) Matrix - what he wants is to strike at its cognitive ability by debasing the quality of the information.

Here intervenes another crucial element. The ability of the conspiracy to deceive everyone through massive propaganda is equivalent to the conspiracy's penchant for deceiving itself through its own propaganda.

That's how we get to the Assange strategy of deploying a tsunami of leaks as a key actor/vector in the informational landscape. And that takes us to another crucial point: it doesn't matter whether these leaks are new, gossip or wishful thinking (as long as they are authentic). The - very ambitious - mother idea is to undermine the system of information and thus "force the computer to crash", making the conspiracy turn against itself in self-defense. WikiLeaks believes we can only destroy a conspiracy by rendering it hallucinatory and paranoid in relation to itself." Read full text here.


"Assange quer combater o poder do sistema, tratando-o como se fosse um computador sufocado nas areias do deserto. Se estivesse vivo, que grande conto o argentino Jorge Luis Borges escreveria sobre isso. Além de escrever seu próprio “Livro de Areia”, Assange também está contra-atacando a doutrina de contraguerrilha do Pentágono. Não trabalha no modo “rastrear-os-Talibã-e-desentocá-los”. Isso é detalhe. Se a conspiração está na rede eletrônica – digamos a Matrix (da política exterior) –, o que Assange quer é feri-la na capacidade cognitiva; para isso, detona a qualidade da informação.

Nesse ponto, há outro elemento crucial. A capacidade da conspiração, que engana todos todo o tempo mediante quantidades massivas de propaganda, é equivalente à tendência de a conspiração ser enganada também, ela mesma, pela própria propaganda. Assim chegamos à estratégia de Assange, de deixar vazar quantidades tsunâmicas de informações, como fator-vetor-chave da paisagem informacional.
Daí se chega a outro ponto crucial: não importa que os vazamentos sejam informação nova, pura fofoca ou opinião desejante (desde que sejam autenticados pela fonte). A ideia-mãe – muito ambiciosa – é minar todo o sistema de informação e, assim, “levar os computadores à pane”, quando a conspiração for obrigada a voltar-se contra ela mesma, em movimento de autodefesa. Para WikiLeaks, a única via pela qual se pode destruir uma conspiração é obrigando-a a entrar em modo paranoico-alucinatório focado sobre ela mesma." Leia o texto completo aqui.

Tuesday 7 December 2010

A Questão Chipre e a "linha verde" na UFPel


Nesta quarta-feira, a minha quarta participação como comentarista na RádioCom 104.5 FM, na cidade de Pelotas, Brasil, no programa Navegando.

Os comentários semanais são feitos por telefone desde aqui da ilha gélida e tratam, no contexto das relações internacionais, de apontar distintos ângulos de observação e perspectivas sobre arte e política entre o local e o global.

O programa Navegando vai ao ar de Segunda a Sexta, das 16h às 18h, (hora de Brasília) e eu estou ali toda quarta-feira as 16h30.

O texto neste post é o norte do tema abordado.

A RádioCom pode ser acessada online aqui.






“Uma Linha Verde” é o nome da primeira exibição individual da artista plástica Evanthia Tselika (foto) no Brasil. Organizado pelo Instituto de Artes e Design (IAD/UFPel), através do professor Mario Maia, e com colaboração da artista plástica Francisca Silva, a mostra traz a Pelotas uma série de imagens fotográficas do Chipre realizadas pela artista grego-cipriota Evanthia Tselika. A pesquisa visual apresenta a capital do país, a cidade dividida de Nicosia, com representações do cotidiano concreto do lugar segregado, além de imagens históricas cedidas pelo governo e museus cipriotas. O trabalho ficará exposto entre os dias 8 e 15 de dezembro no hall do IAD, 2º andar, rua Alberto Rosa,62.


CRUZANDO O MURO


Em agosto do ano passado, Evanthia cruzou pela primeira vez o muro que divide Nicosia, Lefkosia, ou Lefkosha (a cidade tem três nomes), capital do Chipre, entre norte e sul. “Cruzei para tirar fotos no lado norte. E aí percebi que é o ato de cruzar que realmente me afeta, o caminhar ató o ponto de check-in, o mostrar o passaporte. Senti-me estranha por um tempo, mas logo me acostumei”, relata a artista.


Evanthia é parte da geração dos filhos de refugiados que enfrenta, ou reconstrói, a chamada “Questão Chipre”. A pequena ilha encravada no mar Egeu, de milenar existência e influência cultural predominantemente helenística, é presente nos debates da política internacional devido a um antigo conflito étnico entre cristãos ortodoxos (gregos) e muçulmanos (turcos) que remonta à queda do império Otomano. Uma história que perpassa as origens de toda a civilização ocidental, um lugar que se caracteriza como eterno ponto de encontro de culturas, desde os Fenícios da Antiguidade até os contemporâneos britânicos.


O Brasil pouco sabe sobre o Chipre – essa diminuta ilha, que na mitologia clássica grega é o lugar de nascimento da deusa Afrodite – mas desde 1974 esse território, que ao longo dos séculos foi espaço de disputa de civilizações, entrou para a lista das grandes dores de cabeça da ONU e tornou-se um exemplo da capacidade de segregação humana.


Em pleno século 21, quando se celebram 20 anos da queda do muro de Berlim, quando a União Europeia – da qual o Chipre faz parte – aumenta cada vez mais suas políticas de integração, o Chipre permanece como o país com a única capital dividida da Europa. A chamada “Green Line” (linha verde) tem 180 quilômetros e é como se conhece a Buffer Zone das Nações Unidas no país. Formada por barricadas, muros e arame farpado, corta o país de uma ponta a outra dividindo as duas comunidades, grega e turca, e é a representação física de intolerância e de muita dor e perda dos dois lados.


ABERRAÇÃO POLÍTICA


Os pais de Evanthia são refugiados. Moravam na parte norte do Chipre quando houve a invasão turca em 1974 e, como outros milhares, foram expulsos apenas com a roupa do corpo, das suas casas, terras, trabalhos, famílias. Viraram refugiados dentro da sua própria nação dentro das operações de limpeza étnica que segregou o país, e depois de um período como imigrantes na Grécia e na Inglaterra, instalaram-se na parte sul de Nicosia. Milhares de famílias perderam tudo, centenas morreram ou desapareceram e hoje a parte norte do país é chamada “República Turca do Chipre do Norte”, sendo reconhecido apenas pela Turquia e rechaçado diversas vezes pela ONU que considera a situação uma aberração política.


A questão permanece. Até 2003 a população do país não tinha permissão de cruzar para o outro lado, mas nesse ano se abriu um ponto de controle que permite a passagem, desde que se mostre o passaporte. Há quem pense que a situação é irreversível e o país está condenado à divisão. Outros ainda defendem uma solução integradora e buscam unificar o estado. Nicosia (em alfabeto latino), Lefkosia (em grego) ou Lefkosha (em turco) é a cidade vendida para turistas como “a única capital dividida da União Europeia”. A propaganda política, o impacto visual de uma cidade dividida física e concretamente, os rancores, as memórias de humilhações, são elementos cotidianos de um contexto difícil de imaginar para percepções ocidentais, e tropicais. São também aspectos de altíssima influencia ou enraizados na produção artística local, que cada vez mais dialoga com o resto do mundo.


Serviço:

“Uma Linha Verde” - Exposição fotográfica sobre o Chipre, por Evanthia Tselika.


A artista plástica grego-cipriota Evanthia Tselika tem 27 anos e é doutoranda em Arte Social e Multiculturalismo em contextos pós-conflitos na Birbeck College (University of London). Trabalhou e participou de mostras de arte individuais e coletivas em galerias e museus na Inglaterra, El Salvador, Grécia, Chipre e Brasil.


Local: Hall do IAD, 2ª andar, Rua Alberto Rosa,62, Pelotas-Rio Grande do Sul

Periodo: De 8 a 15/12/2010