Thursday 30 January 2014

Bruno Maranhão, presente!


Novo texto meu no NOTA DE RODAPÉ, onde publicamos uma homenagem ao lutador social Bruno Maranhão, que faleceu no dia 25 de janeiro deste ano.
Pode também ser acessado aqui

 
Teimoso, polêmico, dedicado, afetuoso, louco, aberração. De todos os muitos adjetivos usados para descrever Bruno Maranhão esse último, que pode ser visto como o mais curioso e pesado, é paradoxalmente o que dá o melhor sentido para justificar a celebração da sua vida, pela qual lutou, como fez em toda sua trajetória política, até o dia 25 de janeiro deste ano.

Bruno, filho de usineiros de açúcar por parte de mãe e de pai, um herdeiro típico da alta burguesia tradicional pernambucana, legada diretamente da relação Casa Grande/Senzala, fez-se aberração suficiente para deixar o chicote opressor e lutar pelas emancipações dos oprimidos ao lado dos mais destacados comunistas da época das revoluções guerrilheiras no Brasil, e seguir lutando ao longo de toda sua existência. De sucessor da estrutura de dominação social pela terra, passou a vida em militância por reforma agrária.

 “Origem de classe não tem a ver com consciência de classe”, me disse em uma das inúmeras reuniões que tivemos no seu escritório no bairro Casa Amarela, em Recife. Bruno fez muitos amigos e amigas em sua história política, de tão longa data como da clandestinidade na ditadura e do exilio no exterior. Eu, porém, tive apenas a oportunidade de conviver com ele durante os últimos seis meses do vigor da sua militância, em 2011, quando nos reuníamos quase que diariamente, em Pernambuco e outros estados, para organizar a “Marcha da Reforma Agrária do Século XXI”, do Movimento de Libertação do Sem Terra (MLST), do qual ele foi um dos principais coordenadores.

Bruno tinha uma inquietude otimista motivadora, e gostava muitas vezes de desafiar as “condições objetivas”, acreditava que só lançando-se aos projetos poderia faze-los realidade.

- Vai ser muito difícil conseguir a condição ideal pra caminhar 250 km com quase 1000 militantes, Bruno, em tão pouco tempo, argumentava-se.

-  Nem sempre há tempo para conseguir o ideal, companheiro, mas ao fazermos já vencemos, respondia.

Levamos 20 dias naquele ano, de agosto até o 7 de setembro, para caminhar da capital do Estado de Goiás, até Brasília. “Aperte a mão de quem o alimenta!” foi o lema, e a Marcha promoveu pelas cidades onde passou seminários para evidenciar a importância e a necessidade da reforma agrária para a superação da pobreza no Brasil. Essa atividade idealizada pelo Bruno foi sua última grande articulação de movimentos populares. Ele infelizmente não pode conclui-la, pois justamente ali se iniciou a manifestação da doença que levou o lutador. As fotos que fiz durante a Marcha (http://picasaweb.google.com/107212933358361519768) são suas últimas imagens em plena militância, no ato de lançamento da jornada, em que o vimos pela em punho levantado e de microfone à mão, como o foi na sua história de lutas por emancipação.

Em plena ditadura militar brasileira, aos 20 e poucos anos ingressou no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e integrou o Comitê Central ao lado de lendas como Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Mário Alves. Foi exilado político, e no retorno ao país ajudou a fundar o PT, tendo sido membro da Executiva nacional, e já com mais de 50 anos fui fundador do MLST, onde militou até a sua morte, aos 74 anos de idade.

Sua capacidade de liderança era inegável e era tão destacada quanto o seu carisma. Bruno ensinou gerações de militantes, do campo e da cidade, de movimentos sociais e de partido, aquelas particularidades do comportamento político, do trato com o adversário, da hora de ser firme, de negociar, de flexibilizar, que só a experiência forjada em muitos anos de prática podem dar.  Desde a roda de camponeses em um galpão de pouca cobertura no interior do Nordeste até o gabinete do governador do Estado, pelos assentamentos e acampamentos sem-terra à reuniões ministeriais no Distrito Federal, via-se aquela postura e leitura sociopolítica inabalável da realidade. Era o que lhe motivava a apostar e entregar-se a necessidade de transformações estruturais no país que, vista como uma grande excentricidade por parte de muitos, foi justamente o que lhe garantiu o respeito e um lugar certeiro na história da esquerda brasileira; uma coerência e chama sempre acesa por justiça social que fez de Bruno um militante revolucionário na juventude, na idade adulta e mesmo na terceira idade.

Bruno Maranhão foi um brasileiro que teve uma história particular. Na dedicatória do livro Os Colares e as Contas (2012), a síntese poética de uma experiência política, segundo seu próprio autor, o jornalista Marcelo Mario de Melo, que também foi militante do PCBR, aparece a homenagem a Bruno entre aqueles “que se mantém socialistas e de esquerda depois dos 60 anos”. E Bruno ainda depois dessa idade não apenas manteve suas ideias como as expressou constantemente desde caixotes improvisados em assembleias e reuniões camponesas nos campos desse Brasil.  Só se pode respeitar uma trajetória assim. O sonho e a luta por reforma agrária permanecem vivos na memória de Bruno Maranhão.

 

*Aleksander Aguilar é jornalista, doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais, candidato a escritor, e viajante à Ítaca, especial para o Nota de Rodapé