Friday 30 July 2010

Perdas e danos no Reino (des)Unido


*Texto de minha autoria publicado com atualizacoes e edicoes na versao impressa do jornal Brasil de Fato, no dia 30 de agosto.

Este ano pude acompanhar minha segunda eleição geral britânica vivendo na Inglaterra, ou melhor dito, em Londres (algum dia conseguirei explicar porque viver em Londres não é necessariamente a mesma coisa que viver na Inglaterra...). Em 2005, porém, quando foi reeleito Tony Blair, eu, com meu parco domínio de inglês na época e toooodas as peculiaridades contextuais de um imigrante recém-chegado, mal pude entender, e nem tinha vontade, o que se passava.


Mas neste ano estive atento às eleições gerais britânicas do último dia 6 de maio; consideradas as mais animadas e imprevisíveis em toda uma geração. O ânimo, é verdade, foi a um estilo inglês bastante blasé, especialmente e para a surpresa de quem está acostumado à ruidosa atmosfera eleitoral brasileira. Ainda assim, ao final essa foi uma eleição que realmente se revelou cheia de suspenses, emoções e “primeiras vezes“.


Foi a primeira vez que os líderes dos principais partido na disputa ao parlamento tiveram debates públicos na TV, a primeira vez que uma mulher muçulmana foi eleita para a Câmara dos Comuns e foi o primeiro Parlamento eleito sem maioria em mais de 30 anos. Sobretudo, essa eleição também pode ter sido a primeira vez em que todos perderam, inclusive, e principalmente, os imigrantes e o sistema eleitoral britânico.


AS PERDAS

Grosso modo, a curiosa e badalada expressão do jargão político inglês, “hung parliament” significa que as eleições resultaram em um Parlamento onde nenhum partido conseguiu a maioria absoluta. Tal situação representou um golpe de peso nos 13 anos da era trabalhista. O Labour Party perdeu quase cem deputados e muita popularidade. Os Conservadores, pese os prognósticos otimistas e o fato de terem obtido a maioria das cadeiras, tampouco conseguiram obter a maioria necessária para automaticamente obter o direito de compor o governo e indicar o primeiro-ministro. E o azarão nesta acirrada corrida de cavalos, conforme cunhado pela própria imprensa inglesa, os Liberais-Democratas, não conseguiram emplacar como esperavam.


Foram justamente os inéditos debates na TV – onde Nick Clegg teve uma performance muito bem acolhida pelos eleitores ingleses – que permitiram ao líder dos “Lib-Dems” encher-se de confiança e efetivamente pautar sua possível chegada a Downing Street, número 10, ao ponto de afirmar, inadvertidamente, que esta era uma eleição entre os Conservadores e os Liberais. De fato, a expectativa de um êxito eleitoral dos Liberais era maior do que nunca e muitos ingleses jovens, inclusive os que costumavam votar nos Trabalhistas, desta vez foram com os Lib-Dems porque consideraram que o Labour se moveu demasiadamente para a direita; um raciocínio inspirado em grande parte pelo fiasco da decisão Trabalhista de participar da guerra no Iraque, que é rejeitada pela maioria da opinião pública britânica. Os Liberais seguirão, no entanto, com praticamente o mesmo número de pouco menos de 60 cadeiras que possuíam em 2005. Mas Nick Clegg, que chegou a House of Commons apenas na eleição anterior, da noite para o dia transformou-se no homem com o poder de decidir quem seria o primeiro-ministro do Reino Unido.


Diante do impasse eleitoral, durante o período das complexas negociações para decidir o futuro do governo britânico com o objetivo de compor uma coalizão, Gordon Brown e David Cameron, o líder dos Conservadores, cortejaram a Clegg, cada um oferecendo-lhe um melhor pacote de aliança que o outro, pois no seu apoio estava a chave da porta do governo. E essa chave tem nome: reforma eleitoral; um ponto inegociável para os Liberais. Quem cedeu nesse jogo foram os dois partidos tradicionais, tentando acomodar-se as exigências dos Liberais por um outro sistema de votação.


CONSERVADORES, ANOS DEPOIS DE MARGARET TATCHER, DE NOVO NO PODER

Os Conservadores negociaram melhor. Clegg fechou com eles, recebendo o cargo de vice-premiê, e Cameron, aos 43 anos, tornou-se neste ano o mais jovem primeiro-ministro da Grã-Bretanha desde 1812. Contudo, a solidez dessa coalizão formal está sob o risco de revelar-se em um simples arranjo ad hoc – o que poderia levar a novas eleições dentro de um ano, como ocorreu no ultimo caso de hung parliament em 1974 – dependendo da gestão de diferenças chaves entre os dois grupos políticos, como a reforma eleitoral.


Se o pacto for mantido, o Reino Unido realizará um inédito referendum sobre seu sistema eleitoral. O que também se perdeu nesse qüiproquó britânico foi o prestigio do sistema eleitoral do Reino Unido, inclusive ao deixar milhares de eleitores sem poder exercer seu direito ao voto por inúmeras confusões nas mesas de votação. As imagens dos eleitores em longas filas por mais de uma hora para ao final terem negado o direto ao voto foi algo sem precedentes e causaram indignação e disputas legais. Aliás, a bagunça chegou a situações inimagináveis em eleições brasileiras: tenho amigos ingleses que conseguiram votar sem documento de identificação (não existe carteira de identidade no Reino Unido, mas para votar espera-se que se leve pelo menos a carteira de motorista). Apenas chegaram até a mesa, disseram que eram quem eram e se lhes permitiu o voto, sem mais nem menos. Incrível!


IMIGRANTES: AGORA QUASE PERSONAS NON GRATAS

Mas há outro tema que estava amplamente presente na agenda dos três grandes partidos como uma das questões centrais da política nacional: a necessidade de conter os fluxos de imigração. Ainda assim, foram os Liberais que surpreendentemente tiveram um discurso menos pesado contra a imigração e com propostas que incluem medidas internas mais razoáveis como a legalização dos imigrantes ilegais que estão no Reino Unido por mais de dez anos sem registros criminais.


Há um euro-ceticismo e um sentimento anti-migração corrente e crescente no Reino Unido. Como parte da União Européia e sujeito ao Direito Comunitário, o país permite a livre movimentação de cidadãos e trabalhadores dos países membros. Porém ser parte do “clube europeu” nunca foi um tema pacifico e de fácil digestão para muita gente no Reino Unido, pese o fato de que há também centenas de milhares de britânicos em outros países da Europa.


O tema Europa e identidade cultural européia é extremamente complexo e a Grã-Bretanha é um dos países onde tal debate é bastante presente e, não raramente, incendiado. Desde o a gestão Tony Blair iniciada em 1997, a nação recebeu um fluxo de dois milhões de imigrantes, a maior de sua história, num momento em que a Libra Esterlina estava muito bem valorizada ante outras moedas. Mas com o estouro da crise financeira em 2008 passou a ser visível aquilo que postula Eric Hobsbawm em sua obra “On History” quando afirma que “as pessoas sempre procuram por alguém onde botar a culpa de suas falhas e inseguranças e essa é uma perigosa situação, pois pode gerar movimentos inspirados pelo xenofobismo, nacionalismo e intolerância. É sempre mais fácil culpar aos estranhos.” (tradução livre). Igual a outras partes do continente, em especial na Espanha, a um número cada vez maior de pessoas que acreditam que a imigração é uma das principais razoes para os maiores níveis de desemprego e para gerar sobrepeso nos serviços públicos.


O discurso de “governo forte e estável”, repetido com tanta insistência pelos dois partidos agora aliados no governo, ainda não colou. O tradicional sistema eleitoral inglês e sua democracia foram marcados como demasiadamente complexo e ao mesmo tempo insuficientes. Uma reforma desse sistema pode ser a verdadeira mudança política do país decorrente dessa estranha eleição que deixou um legado de fragmentação política. De resto, o país segue essencialmente igual levando à cabo políticas de corte de gastos públicos, particularmente direcionadas ao sempre polêmico sistema universal de saúde do país; intentos de limpeza da imagem da instituição Parlamento, afetado no ano passado por escândalos de corrupção nunca vistos antes, e apregoando um equilíbrio fiscal que permita um Estado mais eficiente tratando desesperadamente de manter com sua posição de superpotência nas Relações Internacionais.

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