Sunday 24 April 2011

CrimethInc: ex-trabalhador é pra quem pode


Porque acredito que a livre circulação de idéias é essencial para um projeto de transformação social emancipatório, comparto as curiosas e polêmicas posições da CrimethInc, grande representação dos coletivos anarquistas contemporâneos (pós-moderno?), numa entrevista que me chegou via email muito bem recomendada por uma fonte plenamente idônea (!) sobre o mais recente livro do grupo: Work.


Esta é a tradução em português de uma entrevista concedida ao periódico sueco Brand e que está disponível no site do coletivo brasileiro Você tem que desistir.


A CrimeethInc está em São Paulo em atividades referentes ao lançamento da publicação até o dia 8 de maio.


O tema da entrevista: trabalho (ou não...) o desafio de combater o capitalismo fora de sua economia e a polêmicas em torno do termo ”Ex-trabalhadores”.


O que é o trabalho para vocês e por que deixaram isso para trás?


Não é bem isso de que todo mundo envolvido na CrimethInc abandonou para sempre o trabalho. Na verdade tentamos focar no que conseguimos fazer para além do nosso papel como trabalhadoras numa economia capitalista.


Nos identificarmos como ex-trabalhadores é um modo de enfatizar que queremos que nossas vidas girem em torno do que fazemos livremente fora de um trabalho assalariado e da competição capitalista.


No reino da ideologia capitalista, há quem se identifica com seu papel como trabalhador ou trabalhadora – e medem seu valor de acordo com o que produzem e com o que lucram, assim com a economia faz. Hoje, provavelmente, há mais trabalhadores que não se identificam com seus empregos do que o contrário. Para essas pessoas é óbvio que elas estão trabalhando porque são forçadas a juntar dinheiro pra pagar suas contas. Suas “vidas reais” estão em outro lugar – no lazer e no consumo por exemplo. Então, se identificar com aspectos anti-trabalho da vida não necessariamente faz deles revolucionários. Nos denominar ex-trabalhadores é também um desafio para nós e para outras ao realizar o máximo de nosso potencial fora da economia monetária agora mesmo, no sentido de combater essa economia. (…) Talvez você possa dizer que “ex-trabalhadores” estão tentando atingir uma greve permanente, para conquistar seus meios de produção na forma de nosso próprio tempo e energia, como um passo em direção a uma greve generalizada.


Se seguirmos isso que você disse, parece que seu entendimento de trabalho é fortemente ligado o sistema de trabalho assalariado. Obviamente, muitas pessoas são dependentes desse sistema, do contrário não teriam como se sustentar, pagar suas contas, não alimentariam suas famílias. O que vocês pensam que essas pessoas deviam fazer em tal situação?


Espero que esteja claro que vemos a renúncia ao trabalho como uma abordagem estratégica para aqueles que conseguem lançar mão dela e não com prova de fogo pra ver quem é realmente radical. O ponto é simplesmente que na medida que as pessoas conseguem buscar seu potencial fora da economia monetária, isso pode ser um ponto de partida para uma resistência anti-capitalista. Não é o único ponto de partida e não está disponível para todo mundo – não da mesma forma ou no mesmo nível.


Vocês estão familiarizados com a crítica de que a postura da CrimethInc de ex ou não trabalhadoras pode ser funcional apenas para jovens e saudáveis indivíduos com poucas responsabilidades, talvez especificamente garotas e garotos brancos de classe média que tem seus privilégios pela cor e pela classe de desistir e voltar pra casa. O que pensam sobre isso?


Renunciar ao trabalho é uma estratégia que toma diferentes formas táticas em diferentes situações. Claro que táticas específicas são mais adequadas a pessoas em umas situações do que em outras. Não estamos dizendo que mães solteiras que se escravizam lavando chão para alimentar seu filho devam largar seu emprego e viver na rua, mas dizemos que anarquistas que conseguem alguma renda razoável em algum emprego deveriam considerar diminuir sua carga horária de trabalho e participar de programas de assistência a crianças de graça.


Não estamos dizendo que um americano afrodescendente que nos EUA está sempre vigiado por seguranças e policiais racistas deva roubar (apesar de muitos já terem que fazer isso para comer), mas estamos dizendo que aqueles jovens brancos que conseguem roubar facilmente em um supermercado podem fazer isso como uma fonte de recursos para projetos coletivos ajudariam várias pessoas a comer.


Não estamos dizendo que “liberdade” significa punks de classe média saindo da escola pra pegar carona pelo mundo pra em alguns anos depois arranjar um um emprego bem pago numa ONG. Estamos dizendo que ninguém é realmente livre até que todas possamos tomar decisões baseadas em desejos e não em necessidades econômicas. E o primeiro passo em direção à verdadeira liberdade é para nós se comprometer com uma resistência vitalícia… venha ou não ela acompanhada de um salário.


Anarquistas trabalhadores ou da classe média nos EUA ou na Suécia deveriam ser honestos a respeito de seus privilégios: temos acesso a recursos e oportunidades que outros no globo não tem e devemos, em respeito a eles e a nós mesmas, usar esse privilégios para o benefício de todas. Isso significa perder menos tempo trabalhando para juntar dinheiro para nosso próprios benefício e mais tempo lutando contra o capitalismo com unhas e dentes. A maior parte dos que participam em tempo integral dos projetos da CrimethInc outras atividades anti-capitalistas não tem conta em banco, seguro, aposentadoria, roupas da moda e às vezes tem de roubar e confabular para comer a cada refeição. Muitos dos nossos críticos são muito mais bem sucedidos – financeiramente falando.


E sobre a ética ex-trabalhadora no contexto de comunidades onde o desemprego é crescente: muitas comunidades negras nos EUA, regiões inteiras do Leste Europeu e vastas áreas do “Terceiro Mundo”? Normalmente, a falta de emprego é vista como um problema sério nessas comunidades. Alguns ativistas acusam a CrimethInc. de “cinismo” com relação a essa situação (…).


Intelectuais a serviço do livre mercado defendem a exploração coorporativa do “terceiro mundo” e dos guetos americanos dizendo que esses exploradores estão “criando empregos” que são desesperadamente necessários. Mas é claro que, uma vez, há muito tempo atrás, bem antes da colonização européia, os acestrais desses “empregados” em potencial tinham acesso aos recursos que os cercam sem ter que negociar suas vidas pela escravidão assalariada.


Pessoas nos campos do México ou do Brasil não precisam tanto de emprego numa corporação quanto precisam de reforma agrária. Falta de trabalho assalariado só é um problema quando associada à dominação capitalista. Lutar por empregos para todas ao invés de lutar pela abolição do capitalismo é o maior cinismo de todos.


Vocês poderiam terminar dando-nos alguns exemplos do que “ex-trbalhadores” fazem além de publicar livros e organizar protestos e convergências?


Na comunidade em que vivemos, uma cidade com menos de 15 mil pessoas, mantemos uma série de programas voltados para essa comunidade, que não conseguiríamos manter se tivéssemos um emprego de tempo integral. Operamos uma mercearia de distribuição gratuita em dois bairros de baixa renda e às vezes fazemos um programa para fornecer café da manhã a trabalhadores imigrantes também. Pegamos a comida para isso tudo de reaproveitamentos e também de trabalhadores que nos apóiam – outro motivo para cultivar conexões entre trabalhadores e ex-trabalhadores e popularizar o roubo anti-corporativo. Todo mês ajudamos no Really Really Free Market (Mercado Realmente Livre), onde centenas de pessoas da região se juntam para dar e ganhar coisas e recursos sem qualquer troca monetária. Mantemos um programa de enviar livros a prisioneiros, já que as condições das prisões americanas são péssimas e os internos não tem acesso a literatura. Rodamos uma distribuição gratuita de zines com cerca de 6000 cópias que produzimos através de roubos e outras trapaças para distribuir em eventos públicos. Há também redes para prover cuidados médicos a pessoas que não podem pagar, especialmente mulheres. E claro, temos jardins, bandas, grupos de estudos, internvenções, grafiti e grandes festas.


Esse são alguns exemplos do que nos focamos em nosso tempo livre que conseguimos fora da economia de mercado. Nos EUA, diferentemente da Suécia, não há nenhum fundo do governo ou programas para projetos sociais ou culturais. Então temos que fazer essas coisas por nós mesmas. Talvez seja mais saudável, porque significa que nunca nos seduzirão a fazer coisas por nos pagarão mais. Às vezes alguns de nós são presos por roubar, mas nós nos apoiamos e isso não é tão grave como as longas sentenças que algumas camaradas cumprem por ações diretas.


Se alguém tiver mais questões, escreva para hello@crimethinc.com.

2 comments:

Anonymous said...

Big up the DIY culture, the freedom and the good will for a better world!

Viva o 'pensamento criminoso'! :)

Beijos xxx

Aleksander Aguilar said...

E a Transformaçao de Conflitos para a realidade emancipatória!

xxx