Friday 16 July 2010

Quase entrevistei Arnaldo Antunes

Em arranjos e tratativas há umas três ou quatro semanas, ao aproximar-se a data da sua performance em Londres tudo parecia que se confirmaria. Uma exclusiva com Arnaldo (desculpem a intimidade) durante uma ampla e prestigiosa programação sobre o Brasil num dos principais centros culturais da capital britânica.

A perspectiva de entrevistar um personagem de quem se é fã desde a adolescência é empolgante e arriscada. Demanda, como mínimo, uma razoável pesquisa sobre seus últimos trabalhos, seus atuais projetos, uma revisita à própria dissertação que escrevi como trabalho final da Faculdade de Letras sobre a sua obra, a construção de um roteiro decente de perguntas que tenham em vista qual Arnaldo Antunes se quer abordar.

Se você é parte, ainda, do eufemisticamente triste grupo de pessoas que identifica Arnaldo apenas com os Titãs e com os Tribalistas, explico: Arnaldo Antunes é um dos maiores poetas, artistas visuais e – também – músicos vivos do Brasil. Deixou os Titãs no início dos anos 90 justo em tempo de fazer valer, com toda a legitimidade, toda essa reputação conquistada. Consolidou uma carreira merecida como artista que transcende estereótipos e classificações ao valer-se de diferentes plataformas de arte, fundindo mídias e linguagens. E experimentando, sempre experimentando. Arnaldo, segundo, o professor da USP, Paulo César Carvalho, “é muitas televisões ligadas simultaneamente em canais inteligentes”.

A arte de Arnaldo Antunes é articulada de maneira multimidiática e intersemiótica, o que promove a incorporação orgânica de diversidade estética e tem como orientação geral a condensação de sentidos no intuito de gerar plurissignificaçao (este trecho é da minha monografia sobre ele...).

Arnaldo é um descendente da polêmica tradição concretista de Haroldo e Augusto de Campos e Decio Pignatari nos anos 50; esses foram intelectuais brasileiros que colecionavam inimigos na época chocados com a audácia de mesclar, strictu sensu, letras e arte. Dessa linhagem, que tem como referências Mallarmé e E.E Cummings, vem o Arnaldo Antunes contemporâneo, extrapolando tudo o que nosso século de “pos-ismos” pode oferecer, tecnológica e culturalmente.

Mas a entrevista não rolou. Mudanças de último minuto, assim como cancelamentos de última hora. Arnaldo deveria se apresentar duas vezes no Festival Brazil; uma, a que ocorreu, numa performance poética, a outra mais musical com o excelente grupo Porcas Borboletas. Esta última foi cancelada, razão a saber. Mas o Porcas Borboletas toca no Lovebox Festival este fim de semana, no Victoria Park. Alias, não estaria mal tentar dar uma chegada...

Creio que pelo menos uns vinte emails foram trocados entre a assessoria de prensa do Southbank Centre, o agente do Arnaldo, eu, e outra pessoa da assessoria que estava lidando mais diretamente com a vinda dele a Londres. Aqui alguns exemplos da “negociação” que não acabou como esperada, na ordem:

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Hi Kate and Aleksander,

Arnaldo rang me yesterday to ask if the press conference was on. He was told by his agent, Julio Quattrucci, that there was a press conference today. Kate, are there any other interviews scheduled for Arnaldo Antunes today? I said that Julio (who arrives today in London), was dealing with that.

I believe Arnaldo is free today. Please let me know if I can help.

Regards, Sarah

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Fantastic. Aleksander – when can you meet with Arnaldo? Hopefully this afternoon.

Christina – please check if this afternoon is a good time to meet with Aleksander.

Aleksander- please can we have your mobile number so Christina can call you and confirm the interview.

Christina – can you check with the hotel whether there is a room they can do the interview in? Or perhaps there is a cafe? near by which will work.

Kind regards, Kate

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Hi Aleksander,

We’re getting there. It’s likely we’ll be able to arrange an interview after 4pm at the Southbank Centre. I’ll have more details shortly – just waiting on all parties to confirm schedule.

Kind regards, Kate

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Dear Aleksander

I’m sorry to say that Arnaldo Antunes is not able to undertake your interview request. I am sorry to disappoint, especially as this answer has taken a long while to reach. His agent Julio Quattrucci, will be at the event tonight if you want to ask him any questions about Antunes’ work and performances.

If there are any other Festival Brazil events I can help assist with please let me know.

Best, Sarah

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Com isso, acabei apenas assistindo a sua performance na pequena sala do Queen Elizabeth Hall, sem tentar falar com ele no final do evento, nem ficar tietando esperando a saída. Não foi um concerto, senão uma performance mesmo, ao estilo vanguardista dos anos 70, declamando seus poemas de maneira “arnaldiana”: com gritos, sussurros, gagueiras, explorando timbres, graves, usando fotografias, projeções, sintetizadores, posters, rádios, tinta florescente. Tudo isso acompanhado de Marcelo Jeneci que fazia por vezes o acordeom, por vezes os teclados. Eu, por minha vez, acompanhado por tres não-falantes de português, que se impressionavam com a energia de Arnaldo e o aspecto cativante da performance, mas obviamente perdiam muito da mensagem e do sentido geral da coisa.

Foi distribuído um programa com os textos lidos, que vinham junto com uma tradução em inglês. No entanto, traduzir poemas, que é sempre uma dura missão por excelência, tem a dificuldade multiplicada no caso de Arnaldo Antunes. Ainda que alguns poemas talvez funcionem, outros se perdem quase que totalmente em versão anglo saxônica. O jogo de palavras, subversão sintática, exploração da própria forma da letra no papel, o condensar sentidos através da quebra sintática para gerar novos significados, muitas vezes apoiado apenas na sonoridade, não encontra correspondente em várias traduções.

Por exemplo, o poema:

não há sol a sós.

Brilhante jogo de sentido e construção de ambigüidade valendo-se do jogo de sonoridade. Pois bem, onde está a poesia disso na tradução:

there´s no sun alone/there are suns

O desafio está lançado, e nao creio que serei eu que o solucione. Mas essa seria uma das perguntas que eu pautaria, se me tivessem dado a chance de falar com ele...

Uma lição de jornalismo tiro dessa historia: se você é repórter free lance e se pauta para esse tipo de matéria, melhor tentar bater diretamente na porta, não tente agendar previamente. Em outras ocasiões entrevistei Seu Jorge e Lenine, também em Londres, forçando a barra no backstage depois do show, sem horário marcado. Ao seguir o protocolo, sem a carteirinha de um veiculo que o agente do artista goste, ou pense que valha a pena, suas chances de conseguir a exclusiva são bem reduzidas. Real life, real measures.

Ainda assim, sem dúvida valeu a pena, sobretudo porque consegui, como “consolação”, ingressos grátis para Os Mutantes e Gilberto Gil na próxima semana.

Não entrevistei um artista, dos poucos, que chamo de ídolo, mas o vi ao vivo e aprendi lições praticas. Também reafirmei que Arnaldo Antunes é aquele que, “na nebulosa de alteração de sentido que perseguiu o pensamento de vários períodos literários, nesse poeta brasileiro encontra uma referência; uma representação de incessantes descaminhos e dribles de linguagem que provoca mobilização diante da palavra por meio das ruínas dos signos, sejam eles verbais ou icônicos e tendo como norte a simultaneidade” (essa também é da minha dissertação...).

3 comments:

K said...

E, só por curiosidade: o que perguntaria a ele?

Anonymous said...

¡Lindo post!
las referencias/marcas son claves dentro el duro proceso de definición del sentido y evaluación de los objetivos de cada uno,
Lo más importante (aunque sea una gran lastima que no pudiste entrevistarlo) es que lo conociste y que el supo abrir numerosas puertas dentro de tí porque como el, eres multidisciplinario.
Interesante análisis de traducción.
nb: tienes que contarme esto que pasaste las barreras backstage!!! vaya rebelde este Aleks!! ;)

Ediane Oliveira said...

Absolutamente digno. Tive o prazer de conhecer um pouco mais de Arnaldo quando fiz Letras, através de uma professora muito admiradora de sua obra.

Confesso que fiquei bem envolvida com sua indescritível arte. Ele confunde, alimenta, pressiona, desavisa, apaga, firma... é linear e totalmente surreal ao mesmo tempo. É, sem dúvidas um artista que consegue se diferenciar dentre tantos.

Destaco "Frases do Tomé aos três anos" em que Arnaldo teve a forte sensibilidade em ilustrar 'pérolas ingênuas e sábias' de seu filho; "Antologia" que possui um material muito rico e o excitante "2 ou mais corpos no mesmo espaço" que ainda carrega o 'som' junto de sua literatura intensa. Dispensa tentativas de explicação.

Pena que não rolou a tua entrevista. Mas um dia vai...