Tuesday 13 March 2012

No Recife somos todos de esquerda


Eu não sei quem é César Melo, suposto autor do texto abaixo, e uma rápida busca no Google não me mostrou tampouco. Mas este é o melhor texto sobre Recife que já li. Curto, quase pragmático, visceral, real e apaixonante. Recife completou 475 anos ontem, e eu, há um ano aqui, aprendendo.


Recife. Quando Manuel Bandeira era menino viu uma moça bonita tomar banho "nuinha" no Rio Capibaribe, lá na altura da Caxangá. O menino João Cabral se assustou ao perceber que havia um morto boiando no mesmo Rio. Eu via moça nua só no carnaval da Globo e a Caxangá pra mim é um corredor de ônibus infindável. Já não via mais o rio, nos meus tempos de criança. Eu ia pra Boa Viagem, onde, antes dos tubarões aparecerem, tomava-se muito banho por lá. Também por lá, a gente via os gringos com as moreninhas de peito de pitomba, andando de mãos dadas na orla marítima.


Recife e seus bairros de nomes filosóficos. Para alcançar as Graças, é preciso que nós, Aflitos, morramos Afogados nas incertezas de nossa Encruzilhada existencial. Se Camus e Kafka fossem recifenses, morariam nos Aflitos. Se as putas arrependidas fossem ricas morariam na Madalena. Se os intelectuais fossem coerentes, viveriam na Torre (de Marfim).


Recife tem morenas de todas as cores. Das morenas cor de leite às morenas jambo, há morenidade para todo gosto na terrinha de Gilberto Freyre. Há também as branquinhas, descendentes dos flamengos, que no entanto, torcem pelo "ixxport" e são de "ixxquerda". No Recife, somos todos de esquerda, inclusive os usineiros, como Bruno Maranhão. Recife é uma cidade de revolucionários. Fazemos uma revolução tão permanente que, mui dialeticamente, até os raças entraram na onda. Ah, Recife!


Recife. Conde da Boa Vista. Capital mais africana do Brasil. Som alto. Locutores de lojas - no Recife tem muito disso - anunciando promoções da calcinha e sutiã. Recife: Rua da moeda - Mangue-beat e cheiro de maconha. Minha boemia esmagada pelo calvinismo tropical que pulsa nesse sangue instável. No meu Recife já não há mais puteiro como antigamente. Há os decadentes, na Visconde de Suassuna. As putas agora são on line. E dizem as boas línguas, elas até beijam. Ah, Resífilis.


Recife, Universidade Federal de Pernambuco. Laguinho da Universidade. O jardim da perdição, localizado entre o CFCH e o CAC, é o centro nevrálgico do lirismo universitário. Lá as arquitetas, artistas plásticas e jornalistas, com aquele charme de hippie de butique, atiçam as imaginações dos sociólogos revolucionários. O CFCH e suas discussões pseudo-filosóficas. Grandes amizades. Marx e Weber discutidos com tapioca e cafézinho na cantina do CFCH. Depois de muita prosa e tapioca, resolvemos os problemas do mundo. Mas não entendemos porque os meninos pedem dinheiro no estacionamento da faculdade.


Recife na parada de ônibus. Ceasa-Casa Amarela era o ônibus da utopia. Alguns diziam que essa linha nem sequer existia. Eu acreditava muito e ela às vezes aparecia pra mim. Recifense que é recifense tem muita fé e, como bom brasileiro, não desiste nunca. O Rio Doce-CDU era um ônibus patrocinado pelo Museu do Homem do Nordeste, pois simulava com todo rigor historiográfico o sofrimento dos escravos na travessia do navio negreiro. Cada viagem era um aprendizado. Recife também é cultura.


Recife. Cada parada num sinal é um suspense. Um medo. Um calafrio. O pedinte se aproxima. O vidro elétrico sobe. Quanta miséria, meu deus! Pra onde estamos indo? A luz verde acende. Primeira marcha. O estacionamento do shopping é logo ali. Preciso comprar o que mesmo? Recife e seus orgulhos cheios de relevância: temos o maior shopping da América Latina. E, claro, também temos a maior avenida em linha reta do mundo: A gloriosa Caxangá. Recife capital da megalomania: o Capibaribe e o Beberibe se encontram pra formar o oceano atlântico. Ah, e claro, Nova Iorque não passa de uma filial do bairro de Santo Antônio.


O mundo começa pelo Recife, é verdade. Mas também termina nele. No Recife temos nosso apocalipse caótico e carnavalesco, alegre e violento, cheio de beleza e aberração.

BY CESAR MELO.


1 comment:

Anonymous said...

would love to see it some day up close and personal
filakia
e