Friday 31 December 2010

Por mais cinco anos

“Digno de un trotamundos”, disseram-me recentemente. E entre tanta coisa que já me foi dita, essa me intrigou.
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Aos 17 anos, morando sozinho por primeira vez, em Porto Alegre, entre uma sessão de estudo de biologia e de geografia para o vestibular (e algumas bandinhas pela capital), dedicava tempo para o que julgo serem minhas primeiras reais e inocentes experiências de auto-reflexão. “Y quién soy yo a final? Un periodista, un romancista, un anarquista?” escrevia em espanhol, sob o encanto da recente visita a El Salvador, buscando sentido para a distância de casa, as horas de solidão, a imposição de disciplina, as mil facetas de um mundo que descobria.

Visualizava os poemas de Mario Quintana (tão deglutível para adolescentes iniciantes) enquanto perambulava pelo centro de Porto, depois do almoço que variava sempre entre os dois mesmos pequenos e baratos restaurantes “de balança”, entre a biblioteca, os vinis da Casa de Cultura, os skates na praça da Catedral, a loja de tatoo na Venâncio, a bagunça do Mercado Público antes de ter sido renovado.

Tudo em mim era esperança – crença na humanidade, incerteza e segurança em mim mesmo, simultaneamente; paradoxo. Misto de pragmatismo e utopia, fé honesta e ceticismo inquisidor, e música, sempre muita música. Uma eclética e sem-fim trilha sonora durante todo o caminho com cada cena encontrando seu som correspondente. E o eterno horizonte do ir, hay que irse, sair, abrir e ver, tanto para ver.

E hoje o que mais me impressiona é o realizar de que na essência tudo permanece, tudo ainda brilha, transpira, fede, reclama e se joga com o mesmo pulso de vida como quando voltava do fim de semana em Pelotas para o “auto-exilio” em Porto Alegre carregando bolachas de aveia feitas pela minha mãe junto a uma alma constantemente inquieta.

Mas é a inquietude criativa, não a perturbada. É aquela que me faz entender a obsessão por filmar a própria sombra pelo Barrio Grácia, buscar placas de aviso entre Hackney e Islington, fotografar tags nas ruas de Plaka, colar adesivos sobre rios congelados em Södermalm, desafiar a subida ao morro pós-ressaca em Sete, atirar-me de rochas ao mar de Cavo Greco, torcer para que não acabem as horas em Chaputelpec, chegar até El Mozote na traseira de um caminhão.

Como muitos humanos, correntes, nessa época, particularmente no último dia daquilo que nos acostumamos a chamar de ano, tendo a fazer o repetitivo e incansável exercício, revisório, introspectivo, planejador.

Mas esse para mim não é o final de um ano, senão de cinco.

Em Tramandai, num aleatório verão dos anos 2000, eu conversava com alguém sobre o aproximar-se da partida. Eu iria mesmo, pra algum lugar, viver realidades, não sonhos. Bem chavaozinho, falando animado sobre a aventura frente ao mar, eu sabia que seguiria indo. E sigo.

Agora eu vejo pela última vez o sorriso sincero de Ms. Gordon, tão reluzente aos seus 95 anos, vindo todas as quintas para o tratamento da sua perna, respondendo com naturalidade que seu natal foi solitário, como tem sido desde que seu marido morreu; e o passo lento de Mr. Ronald, olhando baixo, falando pouco, comentando na sua difícil-de-entender dicção em inglês, num combinado de sutil animação e tristeza, que alguém lhe havia desejado feliz ano-novo. Desejei-lhe o mesmo com o mais sincero tom voz que pude.

São exemplos de personagens aleatórios que inusitadamente permanecerão nessa memória, tão abarrotada, e que se misturam com outros indispensáveis e determinantes.

Que dádiva e maldição! Parece que realmente escolhi o caminho da permanente despedida. Que privilégio, que dolorido. A minha rota até Itaca é prolongada, é temerosa, é o sonho de Kavafis.

Tudoaomesmotempoagora foi um slogan, não aprendi com aquele senhor barrigudinho e careca no ônibus para a Bahia o conselho de uma coisa de cada vez. Mas o tenho como um objetivo. Entendi, contudo, desarmadamente, o clichê do presente, do não-futuro; confirmei que querer não é poder, mas é o primeiro passo para.

Eu agora quero descarregar. Deixar de acumular, de absorver, Os olhos estão cheios, a mente esta lotada, é tanto vermelho, tanto barulho de teco-teco, tantas folhas, tanta inundação. Eu vou para o sol, de novo, com nostalgia pela neve, e vou voltar, outra vez. Vou intercambiar, novamente, com um pé aqui, outro lá, todos os segredos, todas as imagens: eu fiz tudo o que quis fazer, e ainda não terminei.

Esse ano foram cinco, como sempre deveriam ser. Como espero que sempre sejam.

Eu não tenho sonhos, tenho esperanças. Eu me sinto compelido a agradecer, a todos, a todas, e não quero mais nada do que mudar o mundo, e eu.

3 comments:

Nayana said...

Lindo texto, Aleks.

Conclusão inspiradora.

Um beijo e feliz ano novo!

Naya xox

Ediane Oliveira said...

Não há sol a sós..

di.

ptecampesine said...

flujos internos que se mueven de la risa a la lagrima, dejando como huela siempre la reflexión..