Monday, 13 December 2010

Se o Wikileaks é a revolução do século XXI, Julian Assange é o Che Guevara?

Finalmente terminei meu texto sobre o evento Wikileaks e o fenômeno Julian Assange. Faço o registro já porque, na era digital, é melhor publicar o quanto antes; antes que vaze...


Segue abaixo:



Para aqueles que se dedicam ou se interessam por relações internacionais, especialmente aqueles que têm formação na área da Comunicação Social, o momento midiático-diplomático que se vive (chamemos assim) é decisivamente um divisor de águas. Trata-se da oportunidade diária de atender a uma verdadeira aula de alto perfil de jornalismo e política.


Os milhares de “cables”, ou documentos sigilosos, vazados das embaixadas estadunidenses no mundo pelo site Wikileaks evidenciam a relação mídia-poder de forma impressionante e histórica. Vivemos um verdadeiro script cinematográfico sobre o poder no século XXI. O futuro chegou com a internet e a revolução é digital e os governos não sabem o que fazer com ela.


E essa é uma situação poderosíssima, pois é conhecimento novo, potencialmente revolucionário, e o novo sempre assusta, além de trazer dúvidas. Uma dessas dúvidas é crucial neste momento em que Julian Assange, o fundador do Wikileaks, conseguiu fazer com que o mundo inteiro se posicionasse sobre ele, desde estudantes até Chefes de Estado. A pauta mundial hoje gira a favor ou contra o Wikileaks e o seu idealizador. Assange parece estar conseguindo polarizar o mundo em opiniões ao seu respeito. E é dai mesmo que cabe a metáfora: Se o Wikileaks é a revolução do século XXI, Julian Assange é o Che Guevara?


A revolução?


Até aqui parece que as lições do Wikileaks e o website em si podem favorecer as forças democráticas e anticapitalistas, sobretudo quando se dá crédito ao que o Wikileaks afirma ser sua motivação: transparência e democracia radical da informação.


Ora, os documentos publicados confirmam tudo que só os outrora chamado paranóicos acreditavam e tentavam dizer ao mundo sobre os planos e as ações dos EUA no mundo. Até aqui, sem evidência material, essas posições eram tidas como teorias conspiratórias e algumas se sustentavam somente depois de muita análise histórica. Embora ainda falte muito para vir à tona já se tem mais do que suficiente informação que confirma que os Estados Unidos são, como ressalta o sociólogo Emir Sader, a única potência global, aquela que tem interesses em qualquer parte do mundo e, se não os tem, os cria. Os documentos vazados são a evidencia cabal de que o “imperialismo yankee” não é vocabulário retrogrado dos anos 60, mas está vivo e chutando, montado em um gigantesco aparelho de contra-inteligencia apoiado por um monstruoso aparelho militar.


A situação é tão significativa, política e jornalisticamente, que poderíamos até fazer o jogo dos que querem reduzir o impacto dos documentos e abrir mão da palavra “revelação” em favor de apenas “confirmação” - de todo modo já se justificaria todo o barulho.


O sentido revolucionário do Wikileaks está justamente no fato de que, como define Boaventura Santos, um único website conseguiu dramatizar os efeitos do potencial das tecnologias de informação e obriga a repensar a natureza dos poderes globais. “O Fórum Social Mundial foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década”, afirma Santos.


Mas as opiniões sobre as intenções do website e o valor dos documentos continuam polarizando-se, através de duas vias: uma é a via crítica, a outra a via da conveniência.


Na via da conveniência, o famoso colunista da Folha de São Paulo, Clovis Rossi, por exemplo, pergunta no seu blog: “Alguém aí tinha alguma dúvida de que é assim que funcionam as embaixadas dos Estados Unidos?” Curiosamente, até duas semanas atrás, os que insistiam em denunciar o imperialismo yankee eram tidos pelos “sensatos e realistas” como os paranóicos, viúvas dos soviéticos, mas agora, depois do Wikileaks, todo mundo sempre soube que era assim que a máquina andava…


Na via critica, outros questionamentos mais de fundo são intrigantes. Qual foi o critério para o tratamento exclusivo dos cinco grandes jornais escolhidos por Julian Assange, o criador do Wikileaks, para difundir os 250 mil arquivos filtrados? Para o banquete de transparência que o Wikileaks quer oferecer parece estar faltando tempero no próprio prato do website, que não é absolutamente transparente sobre si mesmo.


Há uma razoabilidade na desconfiança com que é visto o pacto confidencial do Wikileaks com o “consórcio dos cinco”, como está sendo chamado os grandes jornais que tiveram acesso prioritário aos papéis: The New York Times, El País, Le Monde, Der Spiegel e o The Guardian, aqui de Londres. Durante meses apenas esses cinco jornais acumularam o acervo de segredos e antes de tornar as informações públicas advertiram ao Departamento de Estado dos Estados Unidos que o fariam dentro de certas normas “éticas” acordadas.


Então a pergunta que nos faz questionar o caráter revolucionário do Wikileaks é: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado e por quê? Um exemplo já conhecido: por que os conteúdos sobre Israel, um dos países que mais preocupações deveria ter com o vazamento dos telegramas diplomáticos em função das barbaridades que cometem contra os palestinos, ainda não foi citado?


De todo modo, o vazamento do Wikileaks sobre como a diplomacia realmente funciona é um experimento vivo de combinação de tecnologias de novos meios com a mídia tradicional. Ou seja, falamos de novos meios e novas práticas jornalísticas, mas o Wikileaks ainda precisou, ou optou deliberadamente (talvez por razões obscuras), pelas velhas plataformas em formato papel e financiamento de grandes agências para apresentar a informação de forma inteligível e impactante.


O Che Guevara?


Agora, embora essas críticas apresentem fundamento para a desconfiança sobre a “nobreza” do projeto Wikileaks e do seu fundador, Julian Assange, é justo lembrar que a articulação para a publicação dos conteúdos dos documentos se estendeu para formas além da grande mídia, envolvendo jornalistas independentes e plataformas não-convencionais.


Parece que Assange quis furar o cerco de imprensa internacional e da maneira como ela acabada dominando a interpretação que o público vai dar aos documentos. Por isso, além dos cinco grandes jornais estrangeiros, somou-se ao projeto um grupo de jornalistas independentes. No Brasil, a jornalista convidada para organizar esse processo foi a Natália Viana, que está mantendo um blog em parceria entre o Wikileaks e revista brasileira Carta Capital.


Eu tive a oportunidade de trabalhar brevemente com a Natália aqui em Londres, na revista JungleDrums. Na época ela fazia mestrado aqui e era correspondente da Caros Amigos. Agora, ela é a responsável por coordenar a produção de conteúdos em português do Wikileaks, num processo que ela chama de “democracia radical no jornalismo”.


Natália também afirma que Julian Assange “é um homem impressionante”, pois seria fiel ao que acredita até o fim. Ela defende que o Wikileaks se move por um princípio no qual Assange se baseia: que a internet possibilita lutar contra injustiça de uma maneira sem precedentes. “Injustiça em qualquer lugar é injustiça em todo lugar”, teria dito Assange.


Numa impressionante, ou não, coincidência, uma das mais conhecidas frases proferidas pelo Che foi: “Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.” Logo, somos levados a imaginar um Assange vestindo uma camiseta estampada com a foto do Che Guevara, com um pôster do Che na parede do quarto na época de estudante, algo meio nerd-high-tech se preparando para a revolução.


O Wikileaks não é Assange, mas até aqui o “espírito da revolução” está sendo encarnado na sua figura, na sua história que ganha ares realmente digna de filme. De um nobre desconhecido, da noite pra manhã, Assange conseguiu incorporar a vibrante organicidade e diversidade de opiniões que a internet proporciona. Virou inimigo público número um de vários governos do planeta, com acusações de espionagem, ordem de prisão da Interpol, e acabou sendo confinado ilegalmente aqui em Londres; ao mesmo tempo, se tornou o ícone mundial da defesa da liberdade de expressão.


Da Austrália ao Peru, passando pelo Brasil, protestos contra sua prisão e a favor do fim da perseguição ao Wikileaks tem sido organizados e conquistando cada vez mais adeptos que acreditam que defender Assange significa colocar-se ao lado da justiça e da liberdade. As autoridades russas chegaram a sugerir que seu nome seja indicado para o Prêmio Nobel da Paz! Tudo soa como um exagero em torno da figura enigmática do Assange, esse matemático e hacker que entrou na briga no campo da informação e agora é um mártir- vivo. E até que se prove o contrário, ele é de fato o novo herói do século XXI.


Os vazamentos não são o problema, senão o sintoma. O grande mérito do Wikileaks é conseguir ter se tornado o fronte de batalha de um clamor global, organizado por anônimos através de computadores, por transparência e participação. Talvez o Wikileaks em si não seja a revolução, mas sem dúvida há uma guerra em curso, e ela é digital. Assange talvez não seja um Che Guevara, mas é um fenômeno que ainda vai dar muito o que falar e cujo rosto estará estampando camisetas e papel de parede de laptops.

3 comments:

Anonymous said...

A guerra é um fato. Para alguns ela é marca uma crise, para outras é uma oportunidade. Antes se costumava a ter líderes governamentais controlando cidadãos através do controle de informação. Agora é mais difícil do que nunca para os poderosos controlar o que as pessoas lêem, vêem e ouvem. Wikileaks é só o começo.

Anonymous said...

Muito bom o texto. Onde há uma revolução, tem que haver um Che.

Carlos said...

E ai, Aleks, massa o texto. Visse que no “Amigos de Pelotas” ele motivou outro post respondendo o debate?