Nesta quarta-feira, segunda participação como comentarista na RádioCom 104.5 FM, na cidade de Pelotas, Brasil, no programa Navegando.
Os comentários semanais são feitos por telefone desde aqui da ilha gélida e tratam, no contexto das relações internacionais, de apontar distintos ângulos de observação e perspectivas com foco em arte e política entre o local e o global.
O programa Navegando vai ao ar de Segunda a Sexta, das 16h às 18h, (hora de Brasília) e eu estou ali toda quarta-feira.
O texto neste post é o norte do tema abordado
A RádioCom pode ser acessada online aqui.
A contínua e insistente existência da instituição monárquica no Reino Unido é ao mesmo tempo um mistério, um mito que move o imaginário de muita gente em todo o planeta e um sintoma de algumas peculiares características sócio-comportamentais gerais deste país; daquilo que o genialmente irônico jornalista brasileiro Ivan Lessa definiu como “britanicidades”.
Isso chega ao ponto da famosa BBC, a empresa estatal de Comunicação Social britânica, possuir uma “Editoria real”, isto é, uma equipe jornalística dentro da empresa apenas para tratar dos temas relacionados à família real e à Coroa.
Esses temas sobre a royal family, na minha humilde opinião, não costumam ser exatamente algo de extrema importância a não ser que se julgue, e muita gente julga, que o bom funcionamento da família real, ou seja, o fazer valer as tradições britânicas, as noticias dos detentores de títulos de nobreza engajados em atividades de caridade, o saber representar a pompa e a circunstância de uma instituição milenar como a monarquia britânica seja algo importante para a sociedade desta ilha.
Talvez seja mesmo, afinal, que outra justificativa se teria para manter, com rios de dinheiro público, umas centenas de pessoas vivendo em palácios e tendo o titulo da própria encarnação do Estado? A manutenção da monarquia na Inglaterra é um tema polêmico, acalorado, que encontra oposição de muita gente aqui que, assim como os estrangeiros, não entendem o porquê se insiste em manter essa tradição.
CONTO DO VIGÁRIO (OPS...) DE FADAS
De todo modo, essa editoria real da BBC terá mais trabalho do que o normal a partir daqui e pelo menos durante todo o ano que vem. Um casamento real foi anunciado e toda a mídia, especialmente os também famosos tablóides britânicos, estão em polvorosa com a notícia. O filho mais velho do Príncipe Charles, o William, vai se casar com a Kate Middleton. Assim como seu pai se casou com a “plebéia” da Diana, William também se casa com uma mulher que não é de sangue-azul. Como William será o futuro rei da Grã-Bretanha, esse casamento já esta virando uma febre, uma nova mania, da mesma forma que, no inicio dos anos 80, foi também o casamento de Charles e Diana.
Vários casais ingleses estão marcando a data do seu casamento também para 29 de abril, dia em que a família real anunciou que ocorrerá a cerimônia na Abadia de Westeminster. O governo britânico também já anunciou que esse dia será feriado nacional em função do matrimônio.
ON DIVERSION
Tudo isso que parece bastante fútil, todo esse frisson sobre o “casamento do futuro rei da Inglaterra”, apresenta na verdade um importante ponto de analise: quão útil esse “grande evento” será para distrair a nação, e até mesmo o mundo, dos problemas domésticos do Reino Unido.
Se pudesse me arriscar em fazer uma critica bem geral da mídia anglo-saxônica, poderia dizer que quando analisa os problemas internacionais, ela é rápida em apontar o dedo para as “estratégias populistas dos países terceiro-mundistas” em querer desviar o foco da atenção dos seus problemas internos. Por exemplo, na famigerada guerra das Malvinas, em 1982, entre Inglaterra e Argentina, os ingleses não paravam de dizer que o atrevimento dos generais argentinos de "la Junta", particularmente Jorge Anaya, em questionar a “britancidade” das ilhas “Falklands” era apenas para apelar para o nacionalismo-patriótico dos argentinos e distrair a nação da crise do regime que naquele momento dava sinais de que ia se desmantelar.
Muito mais contemporaneamente, na recente e ainda sem solução disputa territorial entre Nicarágua e Costa Rica, prestigiosas revistas de política internacional, como The Economist, afirmam que todo o problema entre os dois países vizinhos foi gerado pela tentativa de Daniel Ortega de conquistar o povo nicaragüense através também do nacionalismo-patriótico para que ninguém grite muito e deixe passar batidas as possíveis alterações na Constituição que estão em debate no pais centro-americano para tentar garantir o terceiro mandato do sandinista.
Mas pouco ou quase nada é falado sobre como o evento real entre Charles e Diana em 1981, foi vendido para o mundo como o conto de fadas perfeito para distrair a atenção dos cidadãos da alta taxa de desemprego que a Inglaterra vivia na época e de uma serie de problemas sociais que causavam diversas manifestações violentas.
E agora, com o novo casamento real, tampouco se ouve falar de quão conveniente esse período de “grande celebração nacional”, como definiu o primeiro-ministro David Cameron, será para criar outros focos de atenção que não sejam a crise européia e a desaceleração da economia inglesa.
CORTES E REAÇOES DE NOVO NAS RUAS
Na semana passada Londres vivenciou uma manifestação violenta, coisa que não se via ha alguns anos. A comunidade universitária, furiosa com o aumento nas taxas na educação, fez uma demonstração de cem mil pessoas em frente à sede do Partido Conservador que, além de centenas de presos, resultou em vários feridos, inclusive policiais.
As medidas de “austeridade fiscal”, uma das expressões mais usadas no jargão econômico europeu atualmente, afeta violentamente e com mais visibilidade a Grécia e, agora a Irlanda, porque esses países pediram socorro para União Européia, mas toda a Europa tem cortado direitos dos trabalhadores, aumentado o tempo de contribuição previdenciária, diminuído investimentos sociais. A grande bola da vez na Inglaterra é o NHS, o sistema universal de saúde britânico, grande conquista e orgulho do país no pós-guerra que tem sido tema de enormes escândalos e alvo de drásticas reduções orçamentárias, comprometendo todo o sistema em si e, inclusive, sob o risco de ter seus serviços definitivamente comprometidos.
Mas todos os desafios sócio-políticos ingleses do momento serão decantados, convenientemente, por conta do novo conto de fadas do matrimonio do futuro rei. E, como se trata da realeza da Inglaterra e não dos comuns da Nicarágua ou Costa Rica, o evento agora não é estratégia de distração política, mas o grandioso – ou ridículo – coroar da tradição britânica.
1 comment:
Gostei do comentário! E concordo, o casamento é uma válvula de escape, também para o fato de que (pelo menos eu tenho esta impressão, corrija-me se estiver errada) a própria Realeza está desacreditada depois de tantos baques sofridos nos últimos anos.
Beijão
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