Tuesday, 16 November 2010

O pior das eleições brasileiras: teatro de absurdos em dois atos

Começo nesta quarta-feira uma participação semanal como comentarista na RadioCom 104.5 FM, na cidade de Pelotas, Brasil, no programa Navegando.

Serão comentários feitos desde Londres no contexto das relações internacionais tratando de apontar distintos ângulos de observação e perspectivas com foco em arte e política entre o local e o global.

O programa Navegando vai ao ar de Segunda a Sexta, das 16h às 18h, (hora de Brasília) e eu participarei às Quarta-feiras.

O texto neste post é o norte (nao o comentario em si...) do tema abordado nessa estréia.

A RadioCom pode ser acessada online aqui.


O país ainda vive a euforia da eleição que estabeleceu marcos na jovem, mas tentando ser forte, democracia brasileira. Para além de todas as diversidades de opinião, tanto de esquerda como de direita sobre a importância dessa continuidade, o fato e que na Presidência da República saiu um operário e entrou uma mulher. Impensável no Brasil de dez anos atrás.


No entanto, essa história que parece um sonho de democracia é também um pesadelo assustador, pois a outra marca desse processo foi a revelação dos preconceitos latentes, a quebra do mito da tolerância e o mostrar das garras do fanatismo e do poder religioso no Brasil. Para um país que almeja deixar a posição de emergente e se consolidar como potência, essa eleição também foi o espetáculo do absurdo, em dois atos.


PRIMEIRO ATO


O primeiro ato foi a hipocrisia sobre o aborto, num debate quase surreal que encheu de indignação os olhos da comunidade internacional que tem interesse e acompanha o Brasil. O fanatismo religioso dos neopentecostais e dos católicos carismáticos ou conservadores sobre a legalização ou descriminalização do aborto chegou a definir agendas da eleição. O país que agora se senta entre os grandes do mundo sabe que democracia também é o acesso aos Direitos Humanos, não apenas a disputa formal eleitoral, mas quando a coisa apertou os atores políticos preferiram jogar para a platéia.


Jose Serra e o PSDB foram oportunistas o suficiente para imprimir patéticos panfletos com sua foto e a frase “Jesus Cristo é o Senhor”, para se mostrar crente de plantão. Dilma Roussef e o PT ficaram acuados e tiveram que adaptar seu discurso histórico de posições progressistas e lançar manifestos “a favor da vida” com o compromisso de não mudar a legislação sobre o tema.


Todos nós sabemos que o aborto é uma questão de saúde pública e não de ordem moral. É um absurdo preocupar-nos com o direito reprodutivo como um tabu e não nos escandalizarmos, enquanto sociedade, com a erotização da infância e da juventude e a gravidez precoce, fruto de falta de educação sexual em todo o Brasil.


Quando relacionada com o contexto internacional uma preocupação central é o risco do Brasil estar caminhando para disputas políticas como a dos EUA, pré-determinadas por grupos fundamentalistas cristãos, Qual será o próximo passo dos fanáticos que possuem tamanha influencia poltica? Fazer campanha pelo criacionismo como a explicação obrigatória do surgimento do universo? Depois de ter conseguido impor a pauta na campanha presidencial, a política nacional se escancarou para o pior do agendamento reacionário.


SEGUNDO ATO


O segundo ato do absurdo veio na pos-campanha, depois da religião e política terem se misturado descaradamente, trazendo para a superfície o lodo que estava no fundo.


Acionado pela postagem inconseqüente nas redes sociais da internet feita por uma adolescente mimadinha da elite paulistana as declarações de ódio contra os nordestinos viraram, obviamente, caso de policia. A tal da Mayara Petruso, que virou o bode expiatório do tema (já que ela é uma entre muitas que (des)pensam assim), vai responder processo por crime de racismo.


Novamente, do ponto de vista internacional, isso é o mais surpreendente. Em sentido estrito, não há racismo nesse debate, não há outra raça em questão e em conflito. O que há é ódio de classe, que se traduz em preconceito. Logo, explicar isso para muitos europeus, por exemplo, onde a realidade da migração é parte absoluta da realidade e do dia-a-dia é uma verdadeira missão.

Porque é “fácil” para um europeu entender a xenofobia, o problema com o estranho, com o de fora, as diferenças culturais e lingüísticas cuja gestão é tão complexa e tão determinante para se conseguir êxito na integração multinacional. Mas o ódio pelo seu próprio nacional baseada na idéia elitista de que uma parte mais pobre do país “se aproveita” de outra mais rica ao se mudar para a sua área, ou de que a parte mais pobre que se mudou, DENTRO DO MESMO PAÍS, ao fazer isso se torna a responsável por trazer miséria e aumento de criminalidade, é um conceito tão burro quanto risível e nojento, ao ponto de estar sendo classificado como neofascista.


Em sentido estrito, não estamos falando de raça, nem de diferentes nacionalidades, mas sim de pessoas que compartem a mesma língua, os mesmos símbolos e inclusive estão exportas as mesmas massificações midiáticas que só tem sentido pleno para os que compartem os mesmos códigos culturais.


Mas essa mesma elitizinha quando retirada do seu aquário e colocada em mar aberto, isto é, em outro país, pode se encontrar vivendo lado a lado com os que antes desprezava. Fora do ambiente pequeno, medíocre, isolado na suposta segurança da diferença da sua classe social no seu pais de origem - que lhe dá a ilusória garantia de poder de exclusão - aquela que antes se achava superior tem que trabalhar no braço também, tem que aprender do mesmo jeito, na marra, os novos códigos e língua. E não é incomum nesse contexto os “bem educados” pedirem arrego pros “peões” sobre como se virar no terreno, hostil, que até então a vida não tinha lhes ensinado.


Os que vão viver fora simplesmente por experiência cultural ou os que migraram por razões econômicas, ou por outros motivos quaisquer, lá fora, em terreno desconhecido, estão no mesmo barco. Para o nativo nesse país estranho e, principalmente para as autoridades migratórias, quem carrega passaporte brasileiro é brasileiro. E ponto. Não interessa se veio de cortar cana nas roças de Goiás ou se estudou em faculdade privadas no centro de São Paulo.


Aqui fora todos os sotaques são só um, é o sotaque brasileiro, de norte a sul, somos todos brasileiros. Toda essa discussão sobre essas supostas diferenças que geraram tanta balburdia no Brasil aqui é ouvida com incredulidade e soa como ridícula. A diferenciação nauseante que o preconceito e o ódio de classe das elites do nosso país querem destacar só existe dentro da pequenez e da mediocridade das suas bolhas de ignorância, viajando em seus carros blindados, vendo o mundo quadrado por trás das barras das suas casas fortificadas. A mimada da Mayara e todos os demais jovens inábeis que se deixaram levar por essa onda expansiva de preconceito, fruto dessa eleição-espetáculo de baixarias, deveriam estourar essa bolha antes que o Brasil pague - como a Europa conhece bem - ainda mais caro o preço das divisões sociais.


1 comment:

Anonymous said...

Texto muito pertinente. Resume bem as duas grandes vergonhas que tivemos nesse pleito.