O trailer do filme pode ser visto website oficial da producao www.tangledfilm.com e logo tambem publicarei o PDF com a pagina do jornal aqui neste post.
Segue a materia na integra:
Lançado este ano no Oriente Médio e na Europa, Tangled up in Blue (ainda sem titulo em português) aborda temas tão latentes quanto globalizados com uma peculiaridade que começa pela sua própria nacionalidade: o filme é a primeira co-produção cinematográfica Ocidente–Oriente Médio, entre Itália e Iraque, mas inteiramente rodada em Londres.
O primeiro longa-metragem do jovem diretor iraquiano-italiano Haider Rashid, 25 anos, está em fase final de negociações para ser exibido nos cinemas brasileiros no ano que vem após haver ganhado o prêmio de melhor filme nos prestigiosos festivais internacionais de médio porte Gulf Film Festival (Dubai, Emirados Árabes), I´ve seen Film Festival (Milão, Itália) e Cinema Digital Seul Film Festival (Seul, Coréia do Sul). O filme, cujo script também foi escrito por Rashid, estará disponível a partir de fevereiro na internet e no website da produtora www.tangledfilm.com e seu rápido reconhecimento se explica em parte pela sutil profundidade com que explora, através da singular ótica de um artista de dupla nacionalidade (filho de pai iraquiano e de mãe italiana), alguns dos mais relevantes assuntos da atualidade: imigração forçada, conflitos e diferenças culturais entre Ocidente e o Oriente Médio, vida em metrópoles cosmopolitas, e exílio. Tangled Up in Blue vem se tornando um símbolo para os iraquianos exilados.
Não há paz para um país perdido
Em entrevista exclusiva para o jornal Brasil de Fato, Rashid explica que Tangled Up in Blue, porém, não é simplesmente outro trabalho sobre os exilados e/ou refugiados iraquianos e a crise humanitária – resultado das várias décadas de emaranhados conflitos militares e étnico-religiosos no conturbado mundo árabe que permeia de forma quase mítica e infestada de ignorância o imaginário ocidental. “É um filme que fala sobre a paz que não existe, nem no Iraque nem dentro dos indivíduos que foram forçados a deixar o país; sobre aqueles que nunca deixaram o Iraque por inteiro e acabaram por passar esse sentimento de “permanente busca pela pátria-mãe perdida” para seus filhos, a segunda geração de exilados”, analisa.
Tangled Up in Blue, cujo título é uma referência direta a uma conhecida canção de Bob Dylan, passa numa Londres austera e ao mesmo tempo caótica onde o filho de um mundialmente famoso escritor iraquiano tenta lidar com as repercussões do seu assassinato, lutando com a sua consciência ao planejar publicar um livro que explora a fama do seu pai e duelando com o amor não-correspondido pela sua melhor amiga.
“Cresci num ambiente confortável, mas fruto dessa bizarra combinação iraquiana-italiana que desde criança me despertou o interesse por integração e mistura de culturas em que o tema exílio sempre esteve presente. Um país que se perde para os pais é um sonho para os seus filhos. Enquanto fazíamos o filme percebi que ele apresenta uma forte afirmação sócio-política: ser forçado a deixar o seu próprio país é uma das piores coisas que podem acontecer com alguém”, descreve Haider.
O Iraque é o segundo maior país de origem de refugiados no mundo. Segundo as Nações Unidas, aproximadamente dois milhões e 200 mil iraquianos deixaram o país desde a invasão dos Estados Unidos, em 2003, mas o número de refugiados é ainda maior quando se leva em conta as conseqüências da guerra contra o Irã (1980-1988), e a Guerra do Golfo (1990-1991). No Brasil, porém, dos atualmente 4.294 refugiados registrados, apenas 199 são iraquianos, conforme as estatísticas do Comitê Nacional para Refugiados, órgão vinculado ao Ministério da Justiça (Conare), divulgadas no dia 15 de junho deste ano. Ainda assim, o Brasil é lar para o maior numero de descendentes de árabes – particularmente palestinos e libaneses – fora do mundo árabe, num numero estimado em aproximadamente 10 milhões de pessoas de segunda e terceira gerações.
Nesse sentido, Tangled Up in Blue é conscientemente inserido no seu tempo e simultaneamente busca decifrá-lo e apresentá-lo. É uma leitura honesta, sóbria e original sobre dilemas sociológicos – e as esperadas conseqüências psicológicas individuais – tão contemporâneos que ainda mal são percebidos no complexo processo de conformar e/ou conceituar uma sociedade internacional. “É um filme sobre o desconforto do deslocamento que se utiliza de um estilo original para abordar o tema. Eu nunca quis gravar no Iraque, mesmo que muitos insistissem que eu deveria. Eu preferi que a guerra fosse sentida, não vivida”, descreve Rashid que não nega – ao contrário, quase faz questão em destacar – que o filme tem muito da sua história pessoal.
Muçulmano não, comunista!
Haider Rashid nasceu em Florença, na Itália, onde seu pai, Erfan Rashid, um destacado jornalista e ativista político iraquiano, instalou-se depois de haver sido forçado a sair do país nos anos 80, durante a guerra contra o Irã no regime de Saddam Hussein.
Graduado em teatro na Academia de Artes de Bagdá, hoje Erfan, aos 58 anos, é consultor em diversos festivais e eventos culturais na Itália e no mundo árabe e já trabalhou para diversas mídias internacionais como France 24 e Deutche Welle. Atualmente é também o correspondente na Itália para o jornal libanês Al Hayat – o maior e mais lido jornal árabe no mundo ocidental.
“Quando as pessoas perguntam para o meu pai se ele é muçulmano, ele responde: sou comunista”, conta Haider. Erfan foi ainda um conhecido critico do regime de Saddam que hoje denuncia o risco do Iraque se tornar uma cópia do Ira fundamentalista. Em entrevista à revista eletrônica italiana ResetDoc, Erfan alerta para a influência nociva do Ira no Iraque que tem sido ampliada desde a invasão estadounidense em 2003. Na sua opinião, caso o Iraque siga controlado pelas milícias ou partidos xiitas haveria uma “fundamentalizaçao” do país, forçando premissas religiosas em lugar de programas políticos. Erfan nunca voltou ao Iraque desde seu exílio, há 30 anos, e pensa em fazê-lo por primeira vez no ano que vem. “Nossa preocupação com a segurança é séria, principalmente com a possibilidade de seqüestros”, alarma-se o filho Haider.
Sem aprofundar-se na avaliação da retirada das tropas dos Estados Unidos do país – embora afirmando que a saída gradual é melhor que uma abrupta – o diretor (“não sou um analista político”), assim como seu pai, defende que o futuro do Iraque se relaciona com a extirpação do fator religioso das relações de poder do país. “O governo iraniano está financiando xiitas e fazendo uso de um oportunismo sinistro desse caos. O país não é unido e todo o petróleo que possa ter não será suficiente para arrumar o Estado enquanto os iraquianos matarem a si mesmos por conta da religião”, opina.
O Iraque é um tema cada vez mais presente na agenda do cinema internacional e há duas tendências principais quando se retrata a questão. A primeira são os filmes feitos por profissionais não-iraquianos, que geralmente abordam a volatilidade política do país, mas tratando do tema filmando em outros lugares. Essas produções têm permitido uma maior atenção para os dilemas de diferentes ordens causados pelas incessantes guerras no país, mas costumam estar permeada de estereótipos, onde o mais recente exemplo é o filme “Guerra ao Terror” (rodado na Jordânia) vencedor da última edição do prêmio Oscar.
A segunda são as produções de cineastas iraquianos residentes no país que, no entanto, por não possuir uma indústria cinematográfica local enfrentam escassez de recursos e de estrutura. Ainda assim, a perspectiva árabe do tema é essencial e única e há uma forte presença de novos profissionais. O trabalho de Haider Rashid situa-se exatamente na fronteira dessas tendências. Ele se considera uma espécie de imigrante na Itália apesar de nunca haver estado no Iraque e tem recebido grande atenção e critica da mídia iraquiana. “Creio que recebemos uma resposta positiva em função da maneira como abordamos a questão. No mundo árabe, essa maneira de falar da guerra, a partir da visão dos filhos dos exilados, é totalmente inesperada. No Iraque eu sou considerado um iraquiano mesmo sem nunca ter estado lá, porque sou filho de um”.
“Bagdá é inferno”
O filme é dedicado a um amigo da sua família. O jornalista Kamel Shiaa Abdallah. Kamel era um notório intelectual, assassinado em 2008, em Bagdá, logo de ter regressado ao país depois de décadas de exílio. Kamel havia sido designado conselheiro no Ministério de Cultura do Iraque, como coordenador do Comitê de Proteção do Patrimônio Cultural do país na Unesco.
Rashid denuncia os constantes ataques à intelectualidade acadêmica e artística do país. “Há inúmeros casos de pessoas da cultura e da ciência que foram assassinadas por conta de suas idéias”, aponta. Essa situação é a responsável para que o filme, paradoxalmente, ainda não tenha tido exibição no Iraque. “De fato nos preocupamos com o fator segurança. Mas ao que tudo indica poderemos exibir-lo proximamente em Bagdá”, revela Rashid. Em março do ano que vem o diretor viajará pela primeira vez ao Iraque, junto ao seu pai.
Bagdá, explica Rashid, é uma cidade mítica para o mundo árabe. “Meu pai e seus amigos viviam falando da cidade, de quão linda era Bagdá. Mas a realidade é que aquela cidade agora só existe na imaginação deles. Passaram 30 anos sonhando com isso e de repente tudo o que você conheceu antes não existe mais. Como o próprio personagem do filme afirma: Bagdá é inferno”.
Aquela Bagdá já não existe. Agora resta o sonho do país perdido, vivido pelos filhos dos exilados, a segunda geração; que luta para deixar a memória presente na eterna busca pela pátria-mãe através da arte.
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