Em 2002 e 2003 um grupo de estudantes do último ano do curso de Comunicaçao Social da Universidade Católica de Pelotas planejava dominar o mundo até 2012.
Naquela época, a maioria das pessoas nem sabia o que era um blog. O YouTube, Orkut e Facebook ainda não existiam.
Neste contexto, nós, que éramos amigos de corredores da faculdade, contemporâneos de curso, e bem antenados, tivemos um insight: “gurizadinha desse curso que gosta de cultura e sabe escrever bem, uni-vos”.
Depois de uma primeira reuniao, em lugar super formal, como a foto oficial acima indica, ali na Sorvesucos na frente do Campus II (existe ainda?) nasceu o Projeto Casulo. Um website de jornalismo cultural, totalmente independente, desbravando o espaço editorial de internet (especialmente na região de Pelotas) numa época em que muita gente não tinha email. Sim, pessoas com menos de 25 anos, esse tempo existiu!
Nós éramos todos estudantes e fazíamos tudo: definição de pautas, edição, entrevistas, fotografia, arquitetura da informação do site, tudo.
Havia os mais ligados, desde sempre, em tecnologia e internet, os mais nerds, que controlavam a questão “servidor” e arquivamento das matérias. E eram realmente muito bons!
Com isso, por pouco mais de um ano, ganhamos certa notoriedade e credibilidade, pois o site era bastante profissional, e algo único na época, na região de Pelotas. Entrevistamos gente como Gilberto Gil, quando era ministro da cultura, Tom Bloch, e o homenageado desta sessão remember, Yamandu Costa.
Yamandu tinha apenas 23 anos quando tocou em Pelotas naquele ano. Nós também andávamos por ali. Guilherme Curi e eu fomos sedentos e famintos por uma entrevista com ele. Conseguimos o papo durante um almoço, ir ao impressionante show no Sete de Abril e, de quebra, uma madrugada trovando com ele nos bons tempos do Joao Gilberto, quando aquilo ainda era um bar.
Ando escutando Yamandu ultimamente, e mexendo dali e daqui nos arquivos digitais, encontrei a entrevista que fizemos com ele. Fico curioso para saber como seria sua postura ao dar uma entrevista hoje. Naquela época, talento recém descoberto, ele era extremamente espontâneo e aparentemente despreocupado com as críticas. Sua música, no entanto, certamente está igual ou melhor.
Erico Assis, Gisele Honscha, Leonardo Tissot, Bruno Maestrini, Alex Cabistani, Tati Guimaraes, Guiga Curi, Ana Paula Penkala e demais membros do Projeto Casulo que porventura não lembro, parabéns, vocês conquistaram o mundo, e antes de 2012!
Reproduzo entao, ai abaixo, a entrevista de Yamandú Costa para a Projeto Casulo, em Pelotas, em 2003. Memória histórica...
“O que tenho não é técnica, é liberdade de expressão”
*Aleksander Aguilar e Guilherme Curi
Há um paradoxo sobre o fenômeno Yamandú Costa. E isto incide, logo de inicio, sobre a própria palavra fenômeno. Apesar do "boom" do seu reconhecimento ter ocorrido há dois anos, com o prêmio do Festival Visa de MPB e o convite para o Free Jazz Festival, para alguns ele ainda é um fenômeno porque com apenas 23 anos (completados em janeiro) faz parcerias e é respeitado por nomes como João Bosco, Lúcio Yanel, Guinga e Paulo Moura. Para outros, fenômeno explica-se porque Baden Powell acertou em sua previsão quando conheceu Yamandú quando este tinha apenas 16 anos: "Você vai ser grande, você vai ser importante, sua música tem muito a fazer pela música brasileira."
A Projeto Casulo fez uma entrevista exclusiva com a profecia acertada de Powell e foi conhecer o dono da técnica "d´Yamandú" para violão. Num rápido encontro depois do almoço no Restaurante Trem Bão, em Pelotas, com jeito despojado e bem gaúcho de ser, ele falou a nossa equipe sobre harmonia, críticas, Mariana, atitude e Rio Grande do Sul.
“Técnica d`Yamandú”. Alguns músicos de formação erudita definem assim o teu estilo. Se alunos de conservatório tentassem fazer o que tu fazes com o instrumento certamente seriam reprimidos pelos professores. Então, nos parece que no ato da execução de uma obra a tua consciência musical fica em detrimento do teu sentimento e virtuosismo que expressas. Que avaliação tu fazes disso?
Tu já falou tudo aí. É isso mesmo. É uma maneira completamente liberta. Meu pai era um cara muito estudioso, gostava de violão clássico e tal. Ele me ensinou as primeiras técnicas, as primeiras coisas de violão, aquelas coisas mais convencionais. Eu quase não usei isso. Minha formação é meio "baileira", meio da noite. Eu toquei música brega, toquei vanerão, toquei rock n`roll, fiz baile, fiz carnaval, de paleta mesmo. Então isso aí veio a chegar nessa história que eu faço hoje. Essa mistura de influências que tenho não é técnica, é liberdade de expressão. Tocar da maneira que pode, procurando o melhor. É claro que no meio do caminho o cara resbala.
Apesar desse reconhecimento no meio erudito e popular, existe a crítica ao teu trabalho desse próprio virtuosismo. Tu achas que isso é ranço de quem possui formação de conservatório ou procede mesmo?
Procede (enfático). É muito chato chegar em casa tocando violão e às vezes debochando das coisas, no bom sentido. Então é uma coisa que mexe com os caras. Eles ficam meio assim e tal. E têm razão. Quer dizer, sou um cara muito novo, tô cagando e andando pra essas conversas. Toco do jeito que eu quiser, sou um guri, posso fazer cagadas.
Então tu achas que isso então não tem muita relevância?
Eu fico muito feliz e leio todas as críticas. Acho que tá certo. Eu sei dos defeitos que tenho na parte musical. Não são eles que vão descobrir isso. Agora, de repente tem defeitos que eu gosto. É mais ou menos por aí a história.
Como a boemia influencia teu trabalho?
Total. Desde o improviso do cantor "borracho" que te pede para acompanhar. Tudo. Toda a relação da noite mesmo, a improvisação.
Como no bar Semente, nos Arcos da Lapa. Em relação a isso nós vimos uma entrevista do Nicolá, músico francês, contando da vez em que ele falava sobre o encanto com a musicalidade do local e o respeito que todos lá têm por você. Existe um grande respeito, não?
Muito, graças à Deus. E de minha parte com eles todos também. Mas nesse caso não é nem tão boêmio. Ali é um palco. A Lapa, como a maioria dos movimentos cariocas da música é muito Zona Sul. Tem toda uma gurizada que tem grana e tal e se apaixonou pela música e estuda a música por paixão e que já virou profissão. Agora, a boemia a que eu tava me referindo antes é aquela nega véia mesmo, aquela das antigas.
Para ajudar a derrubar o muro entre a música popular e a erudita nos parece que tu, por vezes, recusas uma maior complexidade harmônica como uma forma de atrair ouvintes leigos. Isso é verdade?
Não, não é verdade (enfático novamente). Não tenho intenção de derrubar. Esse muro nunca vai se quebrar. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A música erudita a gente tem que respeitar. Nunca me meti a tocar violão erudito, eu não tenho nada a ver com isso. Quem me dera tocar como Julian Bream, John Williams. Mas eu não tenho essa veia. Eu toco músicas de concertos às vezes, como Radavés Gnatalli . De vez em quando eu meto um Vila Lobos lá no meio. Mas o meu trabalho não é direcionado, em matéria da intenção. É uma coisa que flui. Se não flui me deixa preso.
Essa tua postura performática revela algum outro tipo de influência além das já evidentes?
Tu escutas rock?
O reconhecimento da música do Rio Grande do Sul no resto do Brasil é, de certo modo, polêmico. Isso suscita vários tipos de expressão musical no Estado que não necessariamente, na posição de alguns, só essa do gaúcho tradicional. Qual é a tua avaliação com relação a isso?
Tragueando com Yamandú
Sexta-feira estava sendo um bom dia. Entrevista - suada - mas realizada. Uma brecha à tarde para estudar. Show à noite e, pra terminar, churrasco da turma de formandos em Jornalismo com carne bem assada, conversa frouxa e cerva bem gelada.
Será que ainda pode melhorar? E não é que sim? A boemia se encarregou de traçar a devida rota. Coincidência, é verdade, mas não importa. Yamandú Costa já havia feito valer sua fama de boêmio na noite de quinta-feira quando chegou a Pelotas. Depois do seu show na sexta os chorões da cidade se encontraram com ele e puderam ouvir Yamandú e Avendano Júnior juntos.
Depois foi a vez dos mortais. Em outro bar, já pelas 4h da madrugada, encontramos o próprio mostrando suas habilidades agora não com o violão, mas com um(ns) copo(s) de cerveja. "Borrachera" geral do repórter e do entrevistado, mas como nenhum dos dois iria dirigir depois...
Na mesa do bar tem espaço para todas as pautas. Daí, desde o quão fdp pode ser um jornalista sensacionalista que se aproveita de falsas polêmicas até filosofias etílicas como "o bairrismo é o comunismo que deu certo". Era o nativismo e a cultura do Rio Grande em discussão. As criticas aos milongueiros de última hora permaneceram, mas na franqueza se esclareceram supostas grosserias. Tudo bem regado por descontração, risadas e, é claro, copos cheios.
Que baita tragueada! Que grande oportunidade de escavocar e dissecar vários assuntos polêmicos sobre criticas, causos e contos... Não! Nada disso! Confiança, ética e uma boa conversa informal valem mais. Além disso, cumprir a função de fã (com autógrafo e tudo) e ter a história de um trago com Yamandú vão ficar para além de uma matéria.
4 comments:
rica memória!!!
muito bom recupera-la!
beijo,
Liza Gutierrez
Grande Alex, hoje por linhas do acaso li esse post. E a nostalgia bateu. Lembrei do texto que escrevi sobre o concerto do Yamandú no 7 de Abril,da entrevista, lembrei dos tempos de faculdade, das nossa indas e vindas pelo mundo. Vida longa a nossa amizade. é isso.
Delícia reler isso! Abç!
cabistaniiiiiiiiiiiiiii! abs
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