Saturday 13 October 2007

O prisioneiro argelino

Ótimo! Ônibus praticamente vazio. Banco da frente no andar de cima junto à janela desocupado. Logo, a viagem de relativos 25 minutos de Holborn até Caledonian Road, ainda que houvesse algum trafego à frente, seria razoavelmente fácil, quase agradável. Sentar nesse especifico banco dos famosos ônibus vermelhos double deck é uma das melhores formas de observar as ruas de Londres – do alto, em movimento e, de prefêrencia, em silêncio.

Mas Mohammed (nome fictício e ilustrativamente escolhido por ser um dos nomes mais populares na Grã-Bretanha) queria falar. Libertado naquela manhã após cumprir dois anos de pena na prisão de Canterbury, o argelino de bigode largo e escuro, de mais de 32 anos de idade mas com olhos tão cheios de energia que passaria por menos de 28, estava comemorando. “Desculpe se estou incomodando, mas eu to muito animado”, explicou-se ao perceber minha falta de reciprocidade a sua curiosa animação. Ele havia dedicido sentar no banco vazio ao lado do meu e um típico comentário sobre o miserável clima inglês, especialmente pessimo no ultimo verão, foi a estratégia de Mohammed para tentar iniciar uma conversa. Observações triviais com estranhos em ônibus não são muito comuns por aqui e, diante da minha aborrecida resposta com um movimento de cabeça, a vontade de papear de Mohammed acabaria frustrada. De início não acreditei que ele era um recém-libertado, mas quando percebi os olhos de fato entusiasmados e vibrantes do meu interlocutor interagi verbalmente.

A prisão inglesa é terrivel, segundo o que ele me contou. “Já estive preso na França e na Espanha também, mas aqui é a pior de todas”. Mas Mohammed não deu detalhes. Apenas suspirou e olhou aliviado pela janela o movimento da cidade. Roubo e fraude foram os crimes do experiente ex-prisioneiro que naquele momento se dirigia a casa de um amigo para buscar o gato de estimação que havia deixado lá. Documentos como carteira de motorista e número de seguro social eram as suas especialidades. “E você vai seguir nesse negócio?”, pergunto sorridente. “É claro! Neste pais você tem que ser rápido, ou eles te devoram”, responde convicto.
Não tive tempo de perguntar mais nada. Duas paradas antes da Blundell Street, ele apertou minha mão, perguntou meu nome e desceu correndo as escadas com uma animação juvenil.

PAVILHÃO 9
A população carcerária na Inglaterra, segundo os dados estatísticos de outubro deste ano do Ministério da Justiça, é de 81. 245. Há também brasileiros nas prisões inglesas, e bastante, de acordo com Mohammed. No Brasil, estima-se que o número de prisioneiros, apertados nas mais de 500 penintenciarios do país, é de 400 mil.
No dia 2 de outubro, o massacre do Carandiru completou 15 anos. O filme sobre a tragédia pode ser encontrado em algumas lojas e locadoras de Londres e a realidade caótica do sistema penitenciário brasileiro também segue sendo vista diariamente no pais. A proposito, o ultimo dia 10 de setembro foi o primeiro aniversario do assassinato, até agora inexplicado, do Coronel Ubiratan Guimarães, aquele que comandou a invasão do pavilhão 9 do Carandiru cujo resultado foram 111 execuções.
O prédio foi implodido, mas ao que parece, a incompêtencia e a impunidade mantem-se em pé sobre os escombros. Espero que Mohammed, antes de seguir “na correria” um dia também assista Carandiru.

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