Friday, 17 August 2007

Esse vai só em português (porque dá uma vergonha...)


Dai, depois de ouvir esse nome esquisito, Richarlyson, eu fui tentar saber o que uma criatura - além de ter sido batizada/estigmatizada com tal graça – poderia ter feito para receber tamanha repercussão. Pois sim. Já não bastasse andar por ai apresentando-se de tal modo, sem pudor ou receio, como R-i-c-h-a-r-l-y-s-o-n, o jogador fez o Brasil todo tentar pronunciar seu bendito nome. Imagino o debate nos grupos GggLllBbbTtt. E as bibas: “Sim, e o caso do Richard... Richardils...Richarardil...”
E de fato, além de ter pais com péssimo gosto para nomes, o camarada (vou tentar evitar repetir o nome dele) sentiu-se ofendido quando uma figurinha da direção do Palmeiras insinou num programa de TV, em junho deste ano, que o jogador do São Paulo era homossexual. O senhor jogador YY(não consegui achar o sobrenome dele na internet então vou usar o simbolo de cromossomo de macho!) apresentou uma queixa-crime contra o palmeirense na 9a Vara Criminal do estado de São Paulo, mas o juiz, Manoel Maximiano Junqueira Filho, decidiu arquivar o assunto. E ponto final. E mata a cobra e mostra o pau, senhor juiz! Lendo a sentença, quase dá pra ver o sorriso (na verdade eu nunca o vi mais gordo, nem mais magro...) malicioso, satisfatório, achando graça de si mesmo, do senhor Junqueira Filho. Eu acredito, só pode, que ele fez uma piada e a pobre escrevente, que nunca consegue discernir o humor do seu chefe, pra não correr nenhum risco resolveu anotar tudo, tim-tim-por-tim-tim. Ou é isso, ou tirem-se os tubos, como dizia um antigo colega de jornal. Vejamos o que diz o texto:
A SENTENÇA (?!)
Processo n° 936/07
Conclusão
Em 5 de julho de 2007, Faço estes autos conclusões ao dr. Manuel maximiano Criminal da Câmara da Capital.
Eu, Ana Maria R.Goto, Escrevente, digitei e subscrevi.

A presente queixa-crime não reúne condições de prosseguir.

Vou evitar um exame perfunctório, mesmo porque é vedado constitucionalmente, na esteira do artigo 93, inciso (IX), da carta Magna.

1. Não vejo nenhum ataque do querelado ao querelante.

2. Em nenhum momento o querelado apontou o querelante como homossexual.

3. Se o tivesse rotulado de homossexual, o querelante poderia optar pelos seguintes caminhos:

3.A — não sendo homossexual, a imputação não atingiria e bastaria que, também ele, o querelante, comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser homossexual e ponto final;

3.B — se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados...

Quem é, ou foi, BOLEIRO, sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num “TÈTE-À-TÈTE”

Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro.

Em Juízo haverá audiência de retratação, exceção da verdade, interrogatório, prova oral, para se saber se o querelado disse mesmo...e para se aquilatar se o querelante é, ou não...

4. O querelante trouxe em arrimo documental, suposta manifestação do “GRUPO GAY”, DA BAHIA (FOLHA 10) em conforto a posição do jogador. E também suposto pronunciamento publicado na Folha de S.Paulo, de autoria do colunista Juca Kfouri (folha 7), batendo-se pela abertura, nas
canchas de atletas com opção sexual não de todo aceita.

5. Já que foi colocado como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram essa condição: “OLHOS ONDE SURGE O AMNHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”. [trecho do hino do Sport Clube Internacional, de Porto Alegre (RS)]

6. Está situação incomum do mundo moderno, precisa ser rebatida...

7. Quem se recorda da “COPA DO MUNDO DE 1970”, quem viu o escrete de ouro do jogador (Félix, Carlos Alberto, Brito, Everaldo e Piaza; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino), jamais conceberia um ídolo seu como homossexual.

8. Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas: Sejas, Clodoaldo, Pelé e Edu no Peixe; Manga, Figueroa, Falcão e Caçapava, no Colorado; Carlos, Oscar, Vanderlei, Marco Aurélio e Dica, na Macaca; dentre inúmeros craques,não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol.

9. Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas, forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si.

10. O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns colunistas (se é que realmente se pronunciaram neste sentido) teimem em projetar para os gramados, atletas homossexuais.

11. Ora, bolas, se a moda pega,logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o acesso de tantos por agremiação...

12. E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro e, homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.

13. Mas o negro desvelou-se (e em vária atividades) importantíssimo para a história do Brasil: o mais completo atacante, jamais visto, chama-se Edson Arantes do Nascimento e é negro.

14. O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal...

15. Para não se falar no desconforto do torcedor,que pretende ir ao estádio, por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análise dos comportamento deste, ou aquele atleta, com evidente problema de personalidade, ou existencial; desconforto também dos colegas de equipe, do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.

16. Precisa, a propósito, estrofe popular que consagra:

“CADA UM NA SUA ÁREA, CADA MACACO EM SEU GALHO, CADA GALO EM SEU TERREIRO, CADA REI EM SEU BARALHO”.
17. É assim que eu penso...e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!

18. Rejeito a presente queixa-crime. Arquivam-se os autos. Na hipótese de eventual recurso em sentido estrito, dê-se ciência ao Ministério Público e intime-se o querelado para contra-razões.

São Paulo, 5 de julho de 2007.

Manoel Maximiano Junqueira Filho
juiz de direito titular

TIREM OS TUBOS
Eu juro que não sabia que juizes eram tão brincalhões e nem que o podiam ser. E nem que era permitido brincar com o Direito, com o serviço público, com o sistema judiciário. IMPRESSIONANTE! Além da discussão de mérito do conteúdo homofóbico, que foi o que na verdade causou um rebuliço nas entidades de direitos humanos e de livre expressão sexual e o choque em qualquer pessoa de bom senso, o que impressiona é a capacidade de fazer gracinhas do juiz Filho da, quer dizer, Filho.
Vocês viram que ele chega a citar ditados populares?! E o trecho do hino do Colorado? E os nomes da Copa de 1970? Eu duvidei que esse texto fosse mesmo a sentença. Vasculhei vários sites confiáveis até poder acreditar que de fato isso ai em cima foi tratado como sentença oficial.
Num exercício de sublimação, se a gente tentar deixar a indignação contra o preconceito do juiz de lado e se concentrar no aspecto redacional da sentença, o choque é maior ainda. E se um cidadão comum que pensa, e porque pensa assim, mas não na condição de Magistrado (tópico 17) decide enviar um documento qualquer a Justiça valendo-se de tal linguagem? O Filho da (...) não podia estar sendo sério.
Mas a brincadeira não teve graça nenhuma e é, na verdade, muito séria. Prestem atenção no tópico seis. “Está situação incomum do mundo moderno, precisa ser rebatida...” Ele está chamando as homossexualidades de anormais?

E o que dizer do topico 11? “Ora, bolas, se a moda pega,logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o acesso de tantos por agremiação...” Ele está dizendo que anos de debate e conquistas sobre políticas compensatórias são uma moda que incomoda?
O juiz Filho da (...) até começou bem a, hum, ... essa coisa que chamaram de sentença.
1. Não vejo nenhum ataque do querelado ao querelante.
De fato, não deveria haver sido. Não deveria ser considerado um ataque. Mas é. O Richarylson (tive que falar o nome agora) sentiu-se ofendido porque é fruto de um intrincado debate sobre preconceito que perpassa a mentalidade nacional,como lembra o professor Juremir Machado. Trata-se de uma complexa rede de valores e de conceitos de ética, de moral. É uma apaixonante discussão sobre nossa estreiteza, ignorância e mesquinhez. Enquanto isso, o intocável sistema judiciário produz aberrações como o juiz Filho da (...) e, embora o caso tenha repercutido e sua conduta seja investigada, ainda assim já teve alguns desembargadores seus colegas que não vêem motivo para que ele seja afastado do cargo.

Agora, convenhamos, o nome do jogador...

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