Wednesday, 30 December 2015

Ven, seremos! O ISTMO

Criamos, em 2013, O Istmo, uma Rede de centro-americanistas espalhad@s entre Brasil, Argentina, , Estados Unidos, China, Alemanha, e obviamente toda a America Central.
Alguns de nós nem nos conhecemos pessoalmente, fazemos uso da tecnologia para nos comunicar e coordenar ações. Nossa última reunião, por exemplo, estávamos no Brasil, Costa Rica, Alemanha e China ao mesmo tempo, com as mesmas preocupações, falando dos projetos ainda de 2015 e dos que virão em 2016. O Istmo é "meu filho", como disse uma colega da Universidade da Costa Rica, me tira o sono, me motiva, me faz utopizar a distopia.... 

Neste fim de ano, estamos em uma campanha de financiamento colaborativo para construir um site novo e editar uma publicação em 2016.


A verdade é  que já nos perdemos um pouco em algumas cronologias. São tantas datas e tantas articulações que a precisão de quando começamos e o que seria nosso aniversário oficial se confunde em meio a todo esse movimento.

O que sim sabemos é que também temos tido tanto apoio, solidário e genuíno, de tantas pessoas que acreditam e que se movem, que quase não importa encontrar o ponto inicial. Importa mais sentir o reconhecimento crescente do nosso trabalho, perceber a concepção que nos esforçamos para difundir: a de que o conhecimento é um processo de trabalho coletivo, e de que é a partir deste entendimento que poderemos avançar para contribuir a visibilidade, a crítica, e a busca de resposta para os temas sociopolíticos e culturais da América Central. Somos a concretização de uma pequena ideia, impulsionada por um trabalho que chamamos de artesanal e independente, que vai ganhando corpo e respeito.

Enquanto rede, este ano estivemos em El Salvador, na Costa Rica, na Nicarágua e nos Estados Unidos conhecendo-nos, em eventos acadêmicos e longas jornadas de reuniões. Muitos de nós, que fazem parte desta rede formada pouco-a-pouco, e que segue em construção, por intercâmbios de pesquisas e contatos centro-americanistas, só se conheciam virtualmente. Este foi o ano do fundamental, prazeroso e carinhoso encontro pessoal da rede O ISTMO. Aos que nos vimos este ano, “antigos” e novos participantes, um mais que caloroso e fraterno abraço: Ana, Julieta, Amaral, Willy, Mariana, Mercedes, Miroslava, Arno, Denia, Rudis, Douglas, Andrés, Luis, Alvaro, Saira, Juan, Orlando e Victor. Que satisfação!

Lançamos uma campanha de arrecadação colaborativa online, um crowdfunding pela internet, há 30 dias, para obter recurso para seguir o trabalho e dar um salto qualitativo, construir um novo e melhor website, aprimorar nossa natureza bilíngue, e começar a gerir uma proposta de publicação. Nossa meta são mil dólares, e já temos 2015 neste final quase 60%  desse valor arrecadado! Nosso website de arrecadação, que estará aberto até o ultimo dia de janeiro de 2016, é o: www.igg.me/at/oistmo 

E não podemos encerrar este ano de tantos êxitos e tantos agradecimentos sem, desde já, dirigir um MUITO OBRIGADO muito especial aos que até aqui contribuíram com seu tempo e dinheiro pra ajudar este projeto a se consolidar e a crescer: Laura Sala , Marie Holweck, Alexandre Silva, Cynthia Monteiro, Emma Barstrom, Daniella Guarrior, Carla Uedler , Raphael Tsavkko Garcia, Monique Seidell, Leila Vitorino, Geise Vitorino, Flavia Farias, Andre Silva de Oliveira, Leticia Letícia Lobão Soares, Angela Cris Barreto, Thamyres Sena, Pedro Gustavo, e o
utros e outras que se colocaram como doadores anônimos.

Temos ainda 30 dias para seguir nessa campanha, e estamos confiantes que conseguiremos. Seguimos acreditando, resistindo, analisando e centroamericanizando.
“Ven, seremos!”

Tuesday, 22 December 2015

A TEXAN CHRISTMAS MESSAGE


Ir a uma igreja evangélica latina, neopentecostal, conservadoríssima, em pleno Texas, Estados Unidos. O que responder quando te perguntam:

- y que te pareció? (Assim, em espanhol).

Um diplomático "interessante" ou um passional "uma das maiores quantidades de absurdos por minuto que já ouvi"?

O pastor, branco, barbeado e de cabelos bem cortados, usava uma camisa cor de vinho, algo com brilho, por baixo de um paletó com gola preta. Era um cubano. Anticastrista, obviamente. Reivindicava, durante sua pregação, conhecer o materialismo dialético, defendia posições de política internacional a favor de Israel, criticava a Rússia e a China, acusava o governo Obama de retirar a obrigatoriedade da oração cristã nas escolas do país e, por várias ocasiões, enfatizava a inutilidade que entende haver no "humanismo", como a Sociologia e a Psicologia.

O discurso neopentecostal quando escutado de perto - e por obrigação - confirma-se realmente perigosíssimo, desesperançado e desesperador, e não apenas por esses pitacos políticos, senão pela completude hostil e integral que configura.

Já o sabemos, claro, como latino-americanos que vemos a crescente força evangélica em amplas e profundas esferas da vida social, mas esta não é uma congregação de garagem de um bairro periférico, this is Texas, baby! O famoso epicentro da raivosa direita estadunidense. Um grupo de três "r" - rico, reacionário e rancoroso - que não apenas late, senão cada vez mais parece também morder.
Na estranha configuração do espaço urbano de Houston - nos subúrbios distantes do centro da cidade, a disposição das coisas parece sempre uma estrada BR, com distancias largas, geografias planas, traçados de avenidas totalmente voltados para o carrocentrismo, sem calçadas, sem ônibus. Exceto pelas casas grandes e ricas sem muros e sem grades. E parece que há uma igreja a cada 200 m, do tamanho e estilo das que há na avenida Cruz Cabugá, em Recife, para dar uma referência para alguns.

É época de natal. Mas, para alguns desses novos cristãos, que não levam seus filhos à escola por acreditar que esse é um espaço que degenera o ser humano, isso não importa; o natal é um paganismo disfarçado de cristianismo, um exemplo dentro do seu próprio ambiente de como o seu discurso se radicaliza quanto mais "verdadeiramente" cristão e mais aferrado a " Verdade" entendem-se. Isto é, não apenas afiliam-se de maneira inquestionável ao que consideram a Palavra do Senhor, mas atribuem um sentido especifico a essa Palavra, construindo-a com a certeza de que é o Senhor mesmo que esta guiando essa atribuição de sentido.

A Verdade é uma experiência pessoal, dizem. Um ato de Deus direto ao coração humano. Então, o assustador paradoxo é que se alguém argumenta que nessa experiência pessoal, nesse direito 'a fé, deveria haver também o direito a que pessoalmente alguém assimile - ou não - essa experiência e permita ou não ser tocado pela Palavra que para ele é tão evidente e certa, automática e imediatamente es dado como um escravo da artimanha do Diabo. "Os demônios também tremem diante de Deus", dizem. Ou seja, ser cristão, nessa leitura, é um sistema discursivo completo que te obriga, que exige tua responsabilidade para cumprir, reforçar e divulgar padrões de comportamento social medievais, atravessados por racismo, preconceito, discriminação e muita intolerância.

É um clichê lembrar que a intolerância 'a diferença é a fonte histórica da violência, mas, para esse cristão neopentecostal, o que os "humanistas-liberais-esquerdistas" (assim nos classificam) chamam diferença é simplesmente a cegueira ou a teimosia ou a rebeldia do homem que não quer se curvar e quer desafiar a Deus.

Não basta dizer que não estás desafiando nada, que apenas não tens interesse em ouvir o que ele considera a Verdade, mas que, ainda assim, obviamente lhe das todo o direito a viver sua fé sem interrupções ou distúrbios. Não. Esse cristão, quando lhe quer dar uma pregação, porque está motivado pela mais alta convicção de que o faz como um favor e uma misericórdia do Senhor para com quem ele estima, não aceita que tomes o direito de não querer ouvi-lo. Isso significa, para ele, que estás em luta contra Deus e não mereces conviver com ele - como mínimo - e como máximo serás perseguido e condenado por ele. Quando isso ocorre num nível micro social, "tudo bem" (assim, entre aspas, pois famílias desarticulam-se por isso), mas não haveria maiores repercussões que perder a amizade de um parente.

Mas nossa pós-modernidade, nossa falta de certezas, nossa perda de grandes narrativas, nosso esforço - porque necessário - por desconstruções, deixaram um vazio profundo que está sendo preenchido, com velocidade, pelo fundamentalismo de todas as religiões. E o cristianismo, em particular, que é o que conhecemos melhor nesta parte do mundo, em sua versão chamada neopentecostal, parece deixar pouca margem de esperança - dado seu sistema discursivo harmônico e completo - para disputar corações e mentes que se agarram a estas certezas que configuram esse mundo binário e constroem "outros", produzem inimigos e avançam sobre a política estatal e institucional, desde uma associação de bairro até um Chefe de Estado, e dão segurança às pessoas.

O mundo hoje, parece, em todas as geografias, etnias e classes sociais, querer segurança e esse cristianismo forte está dando-lhe isso num resgate do fundamentalismo. Primeiro, ganham-se corações - difundindo medo, garantindo certezas e apontando esperanças - depois os armamos com leis e com semiautomáticas.

A projeção de horizonte mais evidente diante dessas circunstancias é uma sociedade encapsulada em bolhas voadoras, formada por humanos que não sabem para que lhes servem os pés, e que se comunicam apenas por tablets, tal qual os humanos na animação Wall-E. Agregue-se ai, para ficar na cultura pop, uma paranoia, um rancor e um desejo de ordem tão intenso nesta sociedade obcecada por certezas que parecem capazes medievalizar-se tal qual um Stannis Baratheon, de Game of Thrones, queimando viva a própria filha, motivado pela Verdade que lhe apresenta o sobrenatural.

Um herói do cristianismo, Abraão, também quase sacrificou o próprio filho, Isaque, no relato bíblico. Mas Deus o interrompeu justamente no momento em que consumaria o ato e houve reconciliação. Nos, porém, nos vemos no meio do conflito dessa busca por segurança, e a "verdade", é que não temos um discurso nem certezas para oferecer. Estamos perdendo. Que o Senhor tenha piedade de nós.

Monday, 7 December 2015

Textos Curtos para Ítaca XXXV

TAREFAS

Eu já liguei pra minha mãe.
Já tirei o lixo.
Já escovei os dentes.
Já tratei do texto.

Eu já, realmente

Liguei pra minha mãe.
Tirei o lixo.
Escovei os dentes.
Tratei do texto.

Agora, eu

Tiro a minha mãe. Trato do lixo. Ligo pros dentes. Escovo um texto.

Wednesday, 28 October 2015

La suavecita

Logo ao chegar na ciudad de las flores, vindo de um demorado café pelas alturas vulcânicas de Alajuela, percebe a palhaça vendedora de balões que também observa com atenção a atração da manhã de domingo no coreto do parque central. Uma grande igreja católica do século XVIII faz a moldura daquele cenário. Era como olhar para uma tela provinciana perfurada de vendedores de bilhetes de loteria, de uma artista de rua com um bambolê, de um carrinho colorido do senhor de chapéu de abas largas oferecendo granizados, de várias pessoas de muitos tamanhos de sapatos, curvatura lombares e modelos de óculos escuros, e de oleadas de pombas a cada vez que se iniciava um novo ritmo interpretado pela Orquestra de Conciertos de Heredia.

É dia de “grandes ritmos de América Latina”, evento provavelmente produzido pela alcadia. Cada peça interpretada corresponde a um gênero da variedade de música que se encontra pelo continente: tango, mambo, danzón cubano, samba, merengue, cumbia. Cada um deles é devida e animadamente descrito em suas origens históricas e regionais pelo apresentador do espetáculo, e há bailarinos que se movem nos passos próprios e se vestem de acordo. 

A praça não é pequena, e por isso é chamada de parque. Mas também não é grande, e por isso deveria ser chamado de praça, ao menos para dimensões espaciais no-ticas. Mas mesmo sem estar lotado há bastante gente que para, observa, fica e gosta. Ficou ela também.

A ela claro que também lhe chama logo a atenção o velhinho de camisa azul que dança, sozinho no chão ao lado do palco, todas as músicas que soam. Sempre lhe interessava e a fazia sorrir os dançarinos solitários, sempre os queria gravar com o celular, nunca o fazia. Encostada na fachada da igreja, ao lado da rampa de acessibilidade, também nota o público que chega ao templo: pessoas brancas, elegantes, quase todas vestidas de preto. Parecia que cada nova canção no palco coincidia com um novo grupo dessas pessoas solenes, apuestas, que apropinquam-se e passam ao seu lado dando um último encaixe no salto ou no botão do paletó.

Duvidou do que havia pensado sobre o que estava passando porque seria por demais um típico tão-real-que parece ficção, mas se abeira ainda um grande carro cinza na praça, estaciona junto à rampa.

Uma mulher, a quem conhecia, sentada a sua frente no degrau da porta da igreja, levanta-se. Todos que estão sentados nos degraus da igreja levantam-se. Ela não. Quase não olha a cena. Finge que não vê, ou não vê para fingir, a sequência praticamente cinematográfica que se desdobra ali. E ainda pergunta à mulher quando esta pôs-se em pé: Y que? le dió el sol ?  A outra responde com os ombros em direção ao carro funerário. Do coreto o apresentador da orquestra avisa que se fará silencio em respeito ao momento. É retirado do carro um grande caixão cinza. 

Carregam-no para dentro. Ela lembra nesse instante que havia lido a pouco que a origem da cumbia estava ligada a um ritual funerário muito antigo dos indígenas da região da Colômbia. Mal sumiu-se o ataúde na nave central do edifício, o apresentador confirma na sua apresentação do novo ritmo a lembrança que com tamanha coincidência a ela lhe tinha vindo a mente, e a orquestra ressona aquele inconfundível teretein-terentein-tun das cordas a que o cantor responde:
 ella que es bailadora
de la cumbia señora
moviendo la cadera
sonriendo altanera
me dice baila baila baila
bailame la suavecita

Uma mulher de sobrancelhas negras e grossas compartilha com um homem de barba longa um olhar entre intrigado e indignado. De dentro da igreja, enquanto isso, ouvem-se cânticos de reverência que no contraste do que acontece na praça soam quase como um cantochão.

Perto do palco a palhaça começa a dançar com o velhinho que até então seguía solito no seu baile particular. Um chavalito de uns seis anos de idade gira também por ali sozinho com um cata-vento na mão. Os bailarinos descem do palco e começam a tirar o público para dançar.  O apresentador grita ao microfone: - “Asi me gusta a mi pueblo!”

Ela observando, tudo o que consegue fazer, sem levantar-se, é sorrir. E não disse o já pensado: - nuestra humanidad reside, sobretodo, en nuestra capacidad de atribuir sentidos.

Forma-se uma roda agora ao redor do velhinho de camisa azul. Dão-lhe a mão. Ele já não dança sozinho.

Thursday, 24 September 2015

A idade do meio – ou Old horse with young heart flies across the sky (3)

“Não, não. Entenda. Dessa faixa dos 20-e-poucos tens que sair correndo!”. E eu não entendi. Sorri, mas não entendi. Hoje imagino que o ex-guerrilheiro salvadorenho me falava justamente da idade do meio, da idade do medo, “la edad aquella en que la certeza caduca”. Intertextualidades talvez seja uma marca, e por isso vou me permitir enormes excentricidades hoje. E porque não há certezas, é público.

Em um conceito simples: estamos entre 15 e 15. No meio, entre dois vértices cronológicos, diametralmente distantes de duas representações sociais, via de regra, inconciliáveis; convencionados e tipificados de acordo à narrativa mainstream que exige, que é naturalizada e, em sentidos opostos, igualmente nos demanda. Perplexo ou assombro – para um lado o jogo aberto, permitido, licenciado, perdoado; para o outro o caso dado como encerrado, estereotipado, julgado, cobrado. O mesmo período de tempo, precisamente aos 35, nos separa de dois forçadamente alheios “eu´s e minhas circunstâncias”. É o meio e o medo que o pendor conforma. Numa ponta dessa sincronia/diacronia, aos 50, apenas deves saber. Na outra, aos 20, saber é uma petulância. Mas estar ao meio é um fim.

Muitos de nós, dessa esquizofrênica última geração que fez o Segundo Grau sem Google (que se demarca só por ser “segundo grau”), aqui estamos, nessa faixa, ou precisamente neste ponto, ou inclusive mais além dele. Nem todos dão reflexão. Já eu, um fascinado pelo tempo, um admirador respeitoso e intrigado, apesar de ignorante, por essa dimensão todo-poderosa da existência, insisto em não abandonar a crítica e, como um bom espectador de mim mesmo, agarro-a com força tentando extrair tudo o que me dá, ou pode me dar, esse senhor Cronos (e/ou Kairos). Mas também o vejo passar desgringolada e abusadamente, fazendo escárnio da nossa estupefação e nossa pequenez, e só por vezes logro responde-lo com o mesmo dar de ombros.

Estou ao meio, e este é um fim. Dessa idade do meio/medo sobre a qual pensava em escrever desde o último aniversário, como o fiz ao cumprir os famosos 30 anos, deixei para tratar agora quando o período coincide com os dez anos à Ítaca, justamente neste setembro. Naquele mês de 2005 teve início esse período singular pra mim, nunca acabado, e que reverbera com insistência em um troço de chumbo derretido que se solidificou em forma de uma pena associado a uma mensagem: “change is your home”.

A capital britânica, um “monstro de escuridão e rutilância” próprio, é uma espécie de marco zero, depois da cidade natal, aquela “mais úmida do mundo depois de Londres”. De uma maneira estrambolicamente pessoal, de fato elas encontram alguma coincidência. Essas suas umidades, tão polissêmicas, as converteram em pontos equidistantes em uma jornada de cartografia contínua. Nesses dez anos, por sorte, torpeza, teimosia e aflição, obtive a possibilidade de viver em cinco países distintos, possível a partir daquela babilônia cosmopolita de milhares de sotaques e de encontros determinantes aos quais sou em um-sem-palavras agradecido. Àquela cidade-força somaram-se Recife, San Salvador, Barcelona, Heredia. Privilégio e amargura, caminho de eternas despedidas, ausências materiais e pessoais e sensação, simultânea, de tempo mal aproveitado e extraordinariamente utilizado. Definitivamente são lindos os paradoxos. A minha rota até Itaca é prolongada, tola e temerosa, tal qual imagino que foi o sonho de Kavafis.

É análoga à queda-livre. Já me atirei de um avião para descobrir que soluções não caem de paraquedas e, coincidentemente ou não, por exatos 35 segundos estive em total queda-livre, o que para mim foi como se apenas cinco tivessem passado. E era o final de um ano que foram cinco, como sempre deveriam ser, como um dia desejei que sempre fossem. A lona aberta que veio à sequência foi uma brincadeira, foi como estar numa roda-gigante em escassos minutos de recomposição, olhando a paisagem, desejando que assim que pousasse fosse possível subir de novo, como uma criança que desce pelo escorregador e corre para deslizar novamente.  O que não aprendi a esta idade foi o conselho de uma coisa de cada vez, mas ainda o tenho como um objetivo. Entendi, contudo, e desarmado, o clichê do presente, do não-futuro. E aceito.

Aceito, não sem essa melancolia que para mim é tão obrigatória quanto frequentemente desdenhada e rotulada, que estamos sós. Lamento as ausências, mas entendo que somos resultado delas. Tantos e tantas que nunca nos ocorreria que poderiam meramente ir-se, foram-se. Não porque morreram. Que se foda a morte! Falo dos que se ausentaram por vontade – ou circunstância, diriam – própria. Não importa se são falsos, patéticos, ingênuos ou de má-fé. Dá igual. Falam tanto em amor, arrogam-se exerce-lo, senti-lo, e não verdade são ratos de laboratórios. E que não se confunda ratos com camundongos. Quem dera fossem como os camundongos de Dostoievsky... São reféns de mediocridades assumidas, para os sagazes; e não percebidas, para os estúpidos, e de todo modo reféns, banalizados em nome de um suposto status quo. Não há paz, há trégua, egoístas.  

Recupero textos que escrevi nessa jornada e faço retentivas e adaptações “Y quién soy yo a final? Un periodista, un romancista, un anarquista?” escrevia em espanhol, sob o encanto da primeira visita ao país paterno, El Salvador, buscando sentido para a distância de casa, as horas de solidão, a autoimposição de disciplina, as inumeráveis facetas de mundos em descoberta de um despreparado adolescente que se aventurava a viver só na capital pra prestar vestibular. Tudo em mim era esperança – com uma incerteza e segurança em mim mesmo, simultaneamente; lindo paradoxo novamente. Misto de pragmatismo e utopia, fé honesta e ceticismo inquisidor, e música, sempre muita música. Uma eclética e sem-fim trilha sonora durante todo o caminho com cada cena encontrando seu som correspondente. E o eterno horizonte do ir, “hay que irse, salir, abrir y ver, hay tanto para ver”.

Eu hoje sou estúpido o suficiente para acreditar não ter sonhos, mas tinha esperanças. Há pouco tempo, contudo, uma amiga me entrevistou para um projeto audiovisual e não soube responder sobre esperanças, senão sobre o sonho, idílico, que é o voar, além de o de um metabolismo naturalmente mais lento que nos permitisse chegar aos 80 com corpo de 30. Continuo, instável, continuo buscando não-sei-o-que. Não vejo horizonte de terra firme, nem oásis. Naquele cruzamento em algum espaço-tempo entre a primavera e o outono, minhas realidades e passados, tão entremesclados como tais, se visitam sob o mesmo gris, vento, e persistente chuviscar que abaixo da Linha do Equador limpa os céus para a chegada do calor, mas no Hemisfério Norte anuncia o clássico contrassenso do começo do fim. Algo começa por lá. Algo termina aqui. Ou mais bem o contrário, eu já não sei.

Hoje, aliás, me é muito mais fácil e difícil ao mesmo tempo afirmar que não sei. Hoje o que mais me impressiona é o realizar que tudo permanece em poderosa tensão, tudo ainda brilha, transpira, fede, reclama, suspira e se joga, mas, honestamente, não com o mesmo pulso de vida como quando voltava do fim de semana em Pelotas para o “autoexílio” em Porto Alegre, carregando o afeto familiar expresso em biscoitos de aveia feitos pela minha mãe junto a uma alma constantemente inquieta.

Aquela inquietude era apenas criativa, hoje também é perturbada. Antes era apenas aquela que me faz entender a obsessão por filmar a própria sombra pelo Barrio Grácia, buscar placas de aviso entre Hackney e Islington, fotografar tags nas ruas de Atenas, de Recife, de Barcelona; colar adesivos sobre rios suecos congelados em Södermalm, desafiar a ressaca numa subida de um morro no sul da França, atirar-me de rochas ao mar do Chipre em Cavo Greco, torcer para que não acabem as horas em Chaputelpec, chegar até El Mozote na traseira de um caminhão. Hoje, “se ha roto el encanto, las burbujas se van reventando, hay cosas que duelen tanto, prefiero desangrarme en armonías de llanto y organizo mi rabia en métricas de espanto”.

Não trato o corriqueiro de um lugar como exótico e surpreendente só porque não é o "meu" corriqueiro. Nunca busquei, tampouco, a forçação de barra da integração, tentando fazer do estranhamento algo usual, artificializando-o por conta do desejo e/ou necessidade da adaptação. Tampouco porém estabeleci relações alienígenas, daquelas que não apenas apontam todas as supostas diferenças como também correm atrás delas por conta também do desejo e/ou necessidade de demarcar-se, buscar pertença. Um viajante não busca marcar diferenças - como o colecionador de curiosidades de antigamente para serem exibidas num circo de excentricidades. Busca antes encontrar as semelhanças na diversidade, busca a articulação no conflito. Em considerável medida sem querer, a palavra de ordem tornou-se desestabilizar. E a dinâmica de existência que resulta dessa instabilidade é angustiante e perturbada. 

Essas adaptações parecem, porém, novamente cada vez mais fáceis e mais difíceis ao mesmo tempo. A esta altura o sentir que ainda não se aprendeu nada é sólido, e "tudo que é sólido desmancha no ar". Abro mão de certezas em nome da suposta sabedoria para constatar. Se sou firme, confiante e opinativo, sou arrogante, autoritário e pretensioso; se sou inconstante, modesto, e ouço-mais-do-que-falo, sou hesitante, fraco, inconfiável. E por isso lembro-me, ou vou cada vez mais tentando aceitar, não sem indignação, um outro lugar. Este lugar de dualidades em que vige coragem x irresponsabilidade / humildade x insegurança. “Seja marginal, seja herói”.

Cenas e personagens aleatórios assim inusitadamente permanecerão nessa memória, tão abarrotada, e se misturam com outros indispensáveis e determinantes. Eu sempre quis viver realidades e não-sonhos e agora pago o tal preço. Eu já quis descarregar. Deixar de acumular, de absorver. Os olhos estão cheios, a mente está lotada, é tanto vermelho, tantas folhas, tanta inundação. Eu já fugi do sol com nostalgia pela neve, e voltei e gritei por ele, para depois me pegar saudando com uma respirada funda cada um dos escassos dias nublados encontrados. Agora livre porque vivo fugindo, numa viagem que não acaba nunca, esse meu escudo, calado, é tudo que sempre quero, é minha própria anátema.

Na nostalgia das pequenas convivências, na exotização do que está longe, no meio dessa opressora ordinarização de tudo, seeming like an eternal inbetweens life, entre idiomas, não-lugares e meios/medos, sigo fazendo questão de cisões e maldizendo-as. Não são apenas identidades cindidas, são também as identificações. Tudo é sempre só agora, tudo é despedida, tudo é finalmente. Mas é mentira, logo tem mais. Tento enganar a mim mesmo porque ninguém mais por mim cairia. Não há paz, há trégua.

Mas você não dá a mínima, ou sorri com o sorrisinho cretino dos pretensiosos, simplórios e rotuladores. Eu te mostro o dedo médio e dou boas-vindas a mim mesmo ao clube dos eternos insatisfeitos e inconformados, cuja filiação, apesar de emitir uma carteirinha atraente e brilhantes ás vezes é mais maldição do que benção. Eu sei que não participo solitário desse círculo marcado pelo paradoxo, mas estamos demasiadamente espalhados e nossas reuniões são muito eventuais. Por isso valorizamos tanto o encontro – e cada vez mais os reencontros em particular – e fazemos dele o bálsamo que cura a ferida dos constantes adeuses.

Não deixo nunca de pensar no lugar, nem nas ideias, nem nas ideias fora de lugar. Nem sempre sei aonde vou, mas costume saber onde estou. This eternal contradiction between the love and hatred I feel for this feeling of estrangement that always prevent me from really staying where I am, while at the same time makes me tired to be always going”. Nem tudo foi planejado, mas sempre tentei não desperdiçar nenhuma oportunidade – ou pelo menos nada daquilo que eu julguei ser como tal. Hoje das minhas várias referências, não sei realmente qual possuo. O lar, a estrada, o não-estar, o estar demasiado, a impermanência, o querer, o dever, a escolha, o legado, o sentido; todos estão relacionados, todos convergem, todos reclamam, todos se perdem, no tempo, e talvez no espaço, aquelas duas dimensões que alguns julgam inexistir, mesmo que nos venham como paredes contrapostas esmagando-nos, e onde “sobre a frágil base da realidade, a imaginação tece sua teia e desenha novas formas, novos destinos”.

Uma das coisas que imagino me quis dizer aquele salvadorenho é que entre tantos traços bons da juventude um ruim é afirmar-se sobre terrenos que se creem fixos e estáveis, tomando assunções aprioristicamente, crendo no que se reveste de irrefutabilidade – de novo um paradoxo - porque daí tem-se a própria necessidade de construção identitária, que lhe permite dizer o que "sou" e o que "não sou,", tendo como consequência a exigência de uma "solução", ou "resposta" - como se estas existissem num horizonte a se chegar, e basta trabalhar para alcança-las. Assume-se que um tipo de conhecimento é legitimo porque está dado pelo paradigma falseabilidade/comprovação que fazemos questão de entender como superior, e as consequências são graves, das mais socioestruturais às mais intimas. As mais intimas.

 “Es bueno abrir su corazón, es bueno pensar y preguntar pero si nunca sabes contestarte quizás es mejor hacerte otras preguntas”. Despedir-se faz com que tudo seja mais intenso. Sonhar e/ou fugir faz com que vida não alcance uma rima com tranquila. Em um tempo chegará a nostalgia e talvez a sua prima desgraçada, a insatisfação, ambas nos empurrando e empurrando a um beco sem saída. E ali em uma parede, embaixo de onde se lê “la beleza es tu cabeza” escreveremos para acrescentar com nossa cerveja, nosso sangue ou nossa merda: e que mal havia em não fugir?

Friday, 18 September 2015

Textos curtos para Ítaca XL

Tu podes, dizem. Sim, respondo.

Posso acreditar no que for que seja e defender sem remorsos mais essa narrativa como se nossas vidas dependessem dela.

Posso afirmar que me importo e armar construtos de razão, elegância e coerência.

Posso formar opiniões curtas, longas, firmes, e deixar meu semblante incandescendo inteligência.

Posso imprimir paixão, peso e desespero sobre esta roda que não cessa de girar, e me esquivar com agilidade desse pássaro que me ataca em rasante

e se põe a sorrir.

Posso dizer que é bela.


Posso fingir.

Tuesday, 1 September 2015

Textos Curtos para ìtaca XXXVI (?)

Detestava a voz perfurante das vendedoras de frutas de uma esquina de rua do centro de uma capital centro-americana.

Autoritário, arrogante, estrito, complicado, pesado e egoísta
esperou vestido com um pantalón kaki, una camisa tipo polo color azul escondida bajo una chaqueta, y una gorra gris que no llevaba puesta por 54 minutos en frente al Grande Hotel Costa Rica.

Então seguiu irritado, altivo mas decepcionado
em direção a Avenida Segunda sem abrir guarda-chuva
debaixo de nuvens cheias e choronas típicas
quando ouviu a fissura aberta na Central com a Quinta.

Dali brotaram
flores com cheiro de ressentimento
galhos com pontas de arrependimento
sementes de certezas que já nascem morrendo
e corpos em estado de medo

en una San Jose apocalíptica.


 


Thursday, 27 August 2015

A urgência da América Central: violenta, violentada e paranoica



·       Por Aleksander Aguilar - publicado em O ISTMO ,  NOTA DE RODAPÉ e Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata

Después de ver como se mueven las guerras y las guerrillas
tu crees que le voy a tener miedo a tu pandilla?

(Adentro - Calle 13)



Tomei um ônibus em El Salvador para uma longa viagem até a Costa Rica, atravessando quase todo o istmo centro-americano, na madrugada deste último 28 de julho. Durante todo o trajeto de 20 horas, interrompido pelas descidas obrigatórias fronteiriças, pensava nas impressões das duas últimas semanas que passei no “pulgarcito de América”, logo de sete anos sem visitar a terra paterna, e na necessidade de escrever sobre a sensação de paranoia que testemunhei entre os conterrâneos.
Pequenos, e significativos, exemplos do cotidiano: andar armado no país resulta quase óbvio, e em qualquer estabelecimento comercial, qualquer mesmo, desde uma farmácia até uma sorveteria, haverá dois seguranças com o armamento bem visível no intento de intimidar. Durante um café, numa reunião acadêmica, no jantar familiar com pupusas, os tópicos de conversa, naturais e quase banalizados, são constantes: o perigo, o medo, a morte. Jornalistas, poetas, professores do país escrevem sobre assassinatos e decapitados. O sangue está nas artes, nas mentes e no ar salvadorenho.
E nesse estado em que se encontra o país de Roque Dalton, a mobilidade é uma questão-chave. Se você não tiver carro, você está sob um risco ainda maior do que se o tivesse. Todos temem parar num semáforo em qualquer hora do dia e mover-se a pé, mesmo em curtas distâncias, também vai seguido por constante sensação de insegurança, ao ponto de as pessoas terem receio de parar para dar informação para quem simplesmente pergunta por uma localização. A desconfiança é generalizada.
Temem-se, porém, ainda mais ônibus. Precários, para não dizer patéticas latas-velha, a frota de ônibus do país, controlada por consórcios de empresários infiltrados e sequestrados pelo crime organizado, são alvos diários de assaltos aos passageiros e de extorsões aos motoristas. A verdade é que El Salvador funciona sob um toque de recolher tácito. Na própria região metropolitana, a maioria das linhas desses cacos ambulantes que chamam de transporte público tem suas últimas viagens às 19h! Ainda se encontram algumas rotas até pouco passado das 20h, e muito raramente às 21h, horário em que apenas os mais bravos, e/ou sem outra alternativa, atrevem-se a subir.

Pais mais zelosos literalmente proíbem os filhos de fazerem suas atividades do dia-a-dia em ônibus, preferindo sempre pagar caro por um táxi. Saídas de lazer e entretenimento, tão corriqueiras como ir ao cinema, são absolutamente estritas a um detalhado planejamento sujeito a boas companhias e esquemas de mobilidade, que significa dispor de um taxista de confiança com horário da corrida previamente arranjado, porque nem o taxista vai a qualquer lugar nem a qualquer hora por uma corrida, nem o passageiro aborda qualquer taxi que cruza pelas ruas. Ninguém confia em ninguém, salvo os fortes laços familiares e de amizade, duramente cultivados e celebrados. A sociedade salvadorenha vive encarcerada em si mesma.

Enquanto reflito sobre tudo isso – que é uma conjuntura piorada mas semelhante a que vivi morando em El Salvador em 2008 –  mais um choque de uma realidade em curto-circuito: no mesmo do dia em que viajei o país amanheceu com a notícia, que é sintoma não de um processo mental paranoico e sim de uma realidade quase surreal, da proibição da circulação do transporte público no país inteiro por ordem dos líderes das forças do crime organizado no país (as chamadas “maras”, forma coloquial para o espanhol pandillas) Barrio 18, Mara Salvatrucha, e a mais recente, 18 Revolucionários – um racha da primeira e que já se consolidou com a terceira força criminal do país.

A paranoia fundamentada - Não foi a primeira vez que as pandillas desestabilizaram El Salvador. Em setembro de 2010 ameaçaram com chamadas telefônicas, agressões nas paradas de ônibus e folhetos aterrorizantes entregues de mão-em-mão. Dessa vez os mareros não apenas ameaçaram, mas executaram logo de saída nove motoristas, e os empresários e os funcionários suspenderam completamente o serviço. O país parou. Até a sexta-feira 31 de julho, o boicote e/ou a sabotagem resultaram em nove motoristas assassinados, centenas de unidades de transporte paralisadas e várias incendiadas, serviços hospitalares comprometidos e aulas canceladas, milhares de salvadorenhos amontoados em precários veículos clandestinos e viajando sobre custodia policial e militar. Imediatamente à ação das maras, o governo salvadorenho colocou 600 efetivos militares nas unidades de transporte do país para somar-se aos já 7500 soldados que estão diariamente nas ruas em atividades de segurança pública, como parte da verdadeira atitude de guerra que existe hoje no país entre o governo e as pandillas.

Logo de cinco dias de estado de emergência no país, 90% das rotas de ônibus havia voltado às atividades, mas o Ministro de Segurança, Benito Lara, manteve o estado de emergência, e a militarização do cotidiano. O emprego das Forças Armadas na segurança pública já é uma praxe na América Central, e excede em muito, e cada vez mais, sua implementação como uma política pública dita necessária. Esta “semana del paro” em El Salvador que o diga. Os números, porém, são de guerra não apenas no território cuzcatleco: em Honduras, 2.000 soldados das tropas do exército estão nas ruas; na Guatemala são 4.500 soldados e em El Salvador, além dos mais de 7 mil soldados no cotidiano, e outros 600 convocados pela emergência do transporte, foram suspendidas as licenças da Policia Nacional e o efetivo total chamado chega a 23 mil agentes.

A realidade institucional de El Salvador hoje é de extrema polarização entre as mesmas forças políticas que há 30 anos também se enfrentavam, mas sob hostilidade bélica: a ARENA, Alianza Republicana Nacionalista, reduto da uma direita conservadora e reacionária,  e a FMLN, a ex-guerrilha Frente Farabundo Marti de Liberación Nacional, convertido em partido político como parte dos Acordos de Paz alcançado para barrar a sangrenta guerra civil que durou de 1980 a 1992. Além da “paz”, a diferença é que logo de 20 anos ininterruptos de ARENA no governo, hoje é a FMLN quem dirige o país. Isso leva a muita especulação sobre a possibilidade de que as pandillas tenham sido partidariamente instrumentalizadas para causar desgaste político.

O poder pandillero – Atuando praticamente como uma terceira grande força política no país, as pandillas já obtiveram capacidade de articulação conjunta, pese a mortal rivalidade entre elas, como na “trégua”, até hoje não reconhecida pelo governo salvadorenho, pactuado com o Poder executivo entre 2012 e 2015, e que resultou num período de inegável diminuição dos homicídios na pequena nação assolada pela cultura da violência. Portanto o ocorrido nessa semana em El Salvador, histórica desde várias formas de análise, é uma potente demonstração de força dessas gangues, e uma forma de buscar ser ouvidos, num contexto sem precedente de repressão contra elas.

Os governos da ARENA implementaram, e foram muito criticados, os planos Mano Dura, e Super Mano Dura, para combater as pandillas, que não conseguiu barrar sua expansão e serviu para sua evolução, mas a estratégia atual do governo é ainda de maior peso repressivo. Parece que as gangues quiseram demonstrar que mesmo com todo o atual investimento em operações militares policiais sua capacidade para desestabilizar a sociedade se mantem, e assim o fizeram. O prestigioso periódico digital salvadorenho El Faro cita os dados oficiais sobre o atual tamanho do fenômeno em El Salvador: 60 mil membros que junto com seu entorno social (colaboradores, simpatizantes, família) chega a meio milhão de salvadorenhos, ou 8% da população do país. O caminho único da repressão dá mostras de ser inviável, pois as pandillas tem suas origens no agoniante processo social desigualdade-migrações-deportações-violência que configura a própria da sociedade salvadorenha. Em muitas comunidades e bairros do país, a figura do pandillero é uma referência de sucesso que faz com que cada vez mais jovens, com famílias desagregadas pela migração, em condição de pobreza, sem perspectivas e profunda precariedade estrutural diante da ausência do Estado, queiram incorporar-se.

A atualidade da tragédia salvadorenha é particular pelo absurdo que a situação dessa semana representou, mas análoga pelo menos nesses países do chamado Triângulo Norte da região centro-americana: El Salvador, Guatemala e Honduras. Enquanto assistimos o recrudescimento das grandes tensões geopolíticas de âmbito global representado, entre outros, pelas guerras na Ucrânia, pelas reações do radicalismo islâmico no Ocidente e pela desintegração da experiência europeia a partir da humilhação grega, há no nosso próprio continente uma longa e arrastada crise que se visualiza num dramático mosaico de conflitos sociopolíticos – que entre as causas mais recentes destaca-se a violenta espoliação promovida pelo capitalismo neoliberal na região – que atentam contra a própria dignidade humana e flertam com o caos no “invisível” espaço centro-americano, e nem quando toma proporções de grotesco, como nesse momento, é abordado pela mídia corporativa tradicional em nível internacional, e no Brasil em particular, ainda tão alheio à América Latina em geral.

A Organização das Nações Unidas considera o Triângulo Norte a região mais violenta do mundo há vários anos. Mas a violência na América Central não é apenas um problema social, senão um desastre político que consome todos os dias e ininterruptamente a carne, o espírito e a sobriedade mental dos centro-americanos, talvez com densa particularidade em El Salvador, epicentro da organização das pandillas que ocuparam quase todo o istmo e com representações organizativas e laços de origem na Europa e na América do Norte. Como assinala o jornalista basco Unai Aranzadi, citado por Andres Ramirez no site brasileiro especializado em América Central, O Istmo (www.oistmo.com) , “analisando a realidade a partir do território, e de uma perspectiva histórica, quiçá seria mais justo qualificar esta sociedade de violentada. Desde o genocídio do mal chamado “descobrimento”, até o estabelecimento do neoliberalismo, a América Central, tem sofrido terrivelmente, e não é coincidência que fenômenos ultraviolentos aparentemente únicos e desprovidos de ideologias, como por exemplo as maras tenham surgido nesse espaço e tempo”.

Há paranoia, particularmente, em El Salvador, mas quem poderá dizer que sem fundamento? Não é raro, e se fez ainda mais comum durante esses dias, ouvir que o país voltou ao estado de guerra de 30 anos atrás, com dinâmicas sociais típicas daquele período. Mas as novas gerações não conhecem apenas dois grupos em conflito, senão um medo generalizado e permanente atravessado em várias esferas do cotidiano. E retroalimentado constantemente pelos meios de comunicação. As capas dos principais jornais do país diária e sistematicamente apresentam manchetes e fotos sobre crimes e conflitos realizados pelas gangues.

 No passado recente a luta armada foi entendida por certos setores da sociedade como a única forma de serem ouvidos diante do fechamento de espaços políticos. Hoje as pandillas são protagonistas de uma guerra social e através da força cada vez mais se fazem atores políticos que exigem que os governos as escutem.  Como consequência, a epígrafe utilizada na abertura desse texto, uma frase de uma canção da banda porto-riquenha Calle 13, ao tempo que é um estímulo a resistência, tem cada vez menos ressonância na realidade salvadorenha. O povo salvadorenho conhece como poucos todos os comportamentos, as dores, e os arrasos de uma longa hostilidade bélica entre grupos confrontados, mas hoje está cada vez mais sufocado, temeroso e refém da sua realidade gerada pelo próprio pós-guerra.

·        Aleksander Aguilar é jornalista, linguista e doutorando em Ciência Política. Coordena a plataforma-rede O ISTMO (www.oistmo.com)


Monday, 3 August 2015

Textos curtos para Ìtaca XXVII (?)


Teu desejo é uma ordem!
Ou tua ordem é um desejo?
um beijo

Tuesday, 21 July 2015

Pernambucanos que são ...

--------------. Voltar ou não a Pernambuco é tanto uma certeza, momentânea, quanto um uma questão em aberto, a longo prazo. Porque desde essas poderosas terras de vulcões, cheias de provocações identitárias, centro-americanas, que estou agora, penso contudo e cotidianamente nesse lugar úmido e em brasa nordestino que também se tornou meu, onde hoje me dá terreno para minhas referências - neste jogo permanente de construção/desconstrução dos próprios sentidos.  

























Neste 15/07 estou em El Salvador, logo de uns sete anos sem visitar o lugar paterno, a família descendente dos povos originários pipiles desse centro-periférico do mundo E isso certamente me resultará em outro texto particular e aberto. Mas ainda quero fazer uma última homenagem a esses quatro anos de vivências cheias de aprendizado com a gente e a cultura  de Pernambuco, com tudo o que tem de bom e de ruim neste "maior-Estado-em-linha-reta" do páis ;).  Vai aqui um post único com esses registros que publiquei em separado nas últimas semanas, e mais algumas com outros personagens tão importantes quantos que não tive tempo de fazer um post individual. Essas fotos são a representação, entre super famosos e menos conhecidos, da minha tietagem, admiração, carinho, respeito, e muita, muita mesmo, gratidão ao povo pernambucano. -------------------

Monday, 20 July 2015

Textos Curtos para Ítaca XXXVI (?)

Chove sobre San Salvador
Me fala sobre o que eu não sei, sobre aquela estridente indecisão que te contorna os lapsos, sobre os inconciliáveis pedaços dos meus rastreáveis traços, nas convocatórias sempre abertas por minhas tantas mil rachaduras. É assim: na portinha que se abre pra-um-qualquer lado, pro espaço em que te acreditas profunda, há obvias sendas lotadas de numerosas quantidades de gotas de ontem. Formam-se lagos dos antes vulcões, e te afundas. Nesta cidade sitiada pela tristeza eu sonho com teu voo, tu voas com meu sonho. Na minha memória és grito tanto, serena toda. Inúmeras sortes de turbas, de balas, de danças de Kab-Rakan movendo a terra, e um repouso. Máculas, apesar de bálsamos; ventos, em lugar de flores. Há dez mil rodopios, um assobio, e inúmeros trovões.

Wednesday, 8 July 2015

Pura Vida! Primeros registros/impresiones

Una semana por aquí, ahora tengo mi “chante” en Costa Rica. Aún con problemitas, pero bueno… Es un apartamento de cortinas rojas, en Heredia, una municipalidad muy cerca de “Chepelandia” (San Jose), que para fines de una referencia, entre otras que la jornada me ha permitido tener, esta como la distancia, y relación, entre Recife y Olinda, o San Salvador/Santa Tecla.
Una semana es un tiempo cronológico corto, pero no cuando uno ha mudado de país. En 10 años, por cuenta de muchas elecciones duras y alguna suerte,  logré la posibilidad de vivir en cinco países distintos, y me di cuenta que cuando estamos en situación donde todo es el nuevo (pero nuevo de verdad!), la percepción cabia y el tiempo es que nos parece más largo, el tiempo se tarda más: cada esquinita es un aprendizaje, cada forma de dirigirse al otro, la forma de pagar un bus, la ida al supermercado; todo aquello que es obvio al diario se hace un enorme reto y aprendizaje que se tiene que ir procesando. Y esto cuando uno maneja relativamente bien el idioma suaviza el proceso, pero cuando no se conoce la lengua (y esto lo he hecho cuando me fui a vivir en Londres) vaya dios…
El comienzo de vida en otro país nunca es plenamente tranquilo, por más experiencia que uno tenga como viajero, y la grande ventaja de esa experiencia - esto si – es saber que la universalización de las propias referencias de uno es un error, que el respeto real al otro exige una autocrítica constante y genuina, que el habito de buscar las diferencias del otro e intentar hacer generalizaciones de sus características es siempre un peligro y casi siempre también un error.
Las descubiertas de lo nuevo (al vivir, y no al visitar…) hacen de la cosa toda una adicción a la cual unos se entregan sabiendo que la llegada, sea donde sea y esté donde esté, se convierte casi un detalle de este proceso. La jornada es particularmente una poderosa y conocida metáfora del encuentro de uno consigo mismo, y el registro de las primeras cosas que llaman la atención es un documento personal, etnográfico, de memoria histórica y de cartografías del presente y del futuro a la vez.


  •         Oficial de imigração no Aeroporto Internacional da Costa Rica:
-quanto tempo se va a quedar?
- seis meses.
- seis meses?
- si, es para una pasantía de investigación doctoral en la UNA.
- hmm, asi ´que la UNA ahora tiene prestigio internacional entonces?
- (…)

  •      O tempo agora é frequentemente nublado, época de chuvas, tropicalmente típico tal qual o meu Brasil nordestino, mas cinza, que esconde um calor forte-mas-nem-tanto, que dispensa o ventilador, chegando a fazer um friozinho real à noite, beeem diferente de “Hellcife”.

  •         Na primeira caminhada buscando onde fazer o primeiro almoço, passo por uma “popuseria”, 100% salvadorenha, y casi si me viene una lagrimita... Los guanacos entenderán.

  •            Comparado com o Centro de San Salvador, o Centro de San José é um exemplo de organização.

  •         Atenção e solidariedade parecem mesmo ser marcas gerais dxs centroamericanxs. Chino, Silvia, Nelise, Victor e Fran são nomes que o comprovam.

  •        “Gallo Pinto”, ou arroz y frijoles revueltos, faz parte do café da manhã típico em Costa Rica, assim como em outras partes da região, com nomes distintos.

  •         Todo o entorno da cidade de San José é rodeado por montanhas. Se pode ve-las desde muitos lugares, inclusive do meu apartamento. De longo se avista inclusive um vulcão.  Fui a uma região de montanhas onde mora Silvia, uma hora do centro da cidade, e wow....

  •         Diferentemente de El Salvador, e de Recife, em todos esses dias andando de ônibus vi apenas um vendedor que se aventurou dentro do transporte, e na verdade era um dos que pedem contribuições para manter casa de recuperação de drogados...Aliás o transporte público, apesar de algumas linhas terem veículos bastante velhos, parece ser no geral bom.

  •         A sensação de inseguridade é baixa, e ai de novo comparado com El Salvador, é muuuito baixa.

  •         Dar sinal para dobrar não é uma obviedade para os motoristas e pedestres da Costa Rica. Pensei que era uma impressão boba e sem fundamento a princípio, mas conversando com ticxs realmente a coisa é assim. Estranho e perigoso.

  •         Minha centroamericanidade tipicamente salvadorenha se revela no uso da expressão “cabal”, que não é falada por aqui.

  •         Os/as Ticxs se referem aos outros países da região como “Centroamérica”, excluindo-se, ou seja, fazendo referencia especificamente aos países da região CA-4 (El Salvador, Nicarágua, Honduras e Guatemala). Algo assim como um inglês referindo-se a UK e Europa como se fossem coisas distintas, embora neste caso realmente haja um mar entre eles pelo menos. Centroamérica, aqui, parece ser realmente o outro dos Ticxs.

  •        Expressão tipicamente tica, costarriquenha, “pura vida” é polissémica e usada em muitos contextos, desde um cumprimento qualquer até uma manifestação de alegria.

  •         Lxs Latinoamericanxs son guapisimxs!