Tuesday, 9 March 2010

Em queda livre


Esse texto não é para ninguém, mas para mim. Por isso não ha versão em espanhol nem em inglês porque quando eu quero falar comigo mesmo eu ainda o faço em português.

Dado o aviso, checo o relógio: Faltam quatro minutos para eu nascer. Bem a tempo. Acordei com o numero na cabeça piscando, piscando. Tomei um café da manha as pressas porque não poderia seguir o dia sem fazer o que tinha: escrever. Passei três ou quatro semanas pensando que deveria fazê-lo, sentindo a necessidade de fazê-lo, mas postergava. Pensei em passar a madrugada acordado escrevendo, mas mudei de idéia. É provável que estaria cansado hoje se tivesse feito assim. Pedi o dia off no trabalho - me pareceu bastante apropriado – e resolvi acordar cedo e começar o dia deixando essa tarefa pronta. Adoro terminar as tarefas que estabeleço pra mim mesmo, inclusive as banais. Pronto. São 8h40. Agora, desconsiderando o fuso horário (por demais metafísico para pensar neste momento) tenho oficialmente 30 anos.

Fico de pé durante um minuto. Não quero entrar na nova casa decimal sentado. Olho pela janela, olho para os meus olhos no espelho, nada parece diferente. Não sinto nada. A parte das inúmeras reflexões que me pressionavam a cachola ao longo dos últimos anos insistindo para que eu visualizasse como seria fazer 30 anos, no exato momento da “virada”, nao ha nada extraordinário. Fantástico, de fato, foi o dia ontem em Barcelona quando nevou intensamente na capital da Catalunya deixando a cidade coberta por um surreal manto branco, desde Tibidabo, a avinguda Diagonal, o Raval, ate a praia de Barceloneta. Uma amiga de la me mandou uma mensagem de felicitação dizendo que “um dia tão especial tinha que ser o aniversario do aleks”. Mas não, equivocou-se um pouquinho, e hoje é outro dia regular.

Ordinário também é o dia hoje aqui em Londres. É uma terça-feira (sempre o dia mais normal da semana) esta nublado e frio, ha um pouco de perfume no ar, uma van da BT estacionada do outro lado da rua, meu chimarrão por fazer, livros que não cabem numa prateleira pequena, lembranças e projetos; sempre ha projetos.

Quando fiz 27 anos também estava aqui. Naquele dia, esperava a alguém do lado de fora de uma loja em Hackney, justo onde ha uma parada de ônibus. Era um sábado, pela tarde, muito movimento. Pensava justamente e novamente no tempo, nas escolhas, em mais um aniversario que me aproximava dos 30. Hackeny é considerado, na estranha maneira britânica de ver algumas coisas, um dos bairros mais pobres e perigosos de Londres. Um senhor, aparentando uns 50 anos e com um aspecto de homeless passou vagarosamente por mim. Eu também o notei. Ele me olhou diretamente nos olhos, deu mais uns três ou quatro lentos passos e se deteve. Deu meia volta e caminhou em minha direção. Parou bem na minha frente, tirou uma moeda de 20 centavos do bolso e com uma voz rouca, e quase ininteligível me disse: “This for you, to help you to get out of it!” (Isso é pra ajudar você a sair dessa!). Totalmente surpreendido e boquiaberto, tentando processar tudo aquilo e desconfiado de que não havia entendido bem, não aceitei. Agradeci, mas disse que estava bem, que não precisava. Ele segurou a moeda na minha frente por mais alguns segundos, como que insistindo, mas eu não pude aceitar. Sem dizer palavra, me falou com os olhos que não entendia porque eu não aceitava, se virou e seguiu no seu passo lento em meio a multidão.

Ate hoje não sei o significado do episodio, mas o guardei na memória com carinho. Nossa tendência humana de buscar sentido em tudo talvez algum dia me leve a encontrar simbolismo na historia. Mas hoje, quando cumpro a idade que pensava em como seria cumprir naquela ocasião, não vejo nada diferente.

Quando cumpri 28, morava em El Salvador; quando cumpri 29, morava em Barcelona e agora estou novamente aqui, perto de Hackney, abandonando a casa dos 20 com tantas novas historias, mas com as mesmas inquietudes e sonhos.

Eu nem gosto muito da palavra “sonho”, ou do significado trivial que tendemos a lhe empregar. Eu não sei se posso celebrar a entrada no suposto “novo ciclo”; esta convenção social tão enraizada e reveladora dos nossos ritos primitivos introjetados e renovados pelas circunstâncias contemporâneas, ou pos-modernas, de existir, mas ainda assim onipresente, opressora, ate desestabilizadora (sim, adoro usar adjetivos!).

Sei, contudo, que mereço celebrar o fim da minha década dos 20 que, valendo-me do direito humano de usar clichês, representou o período em que eu vivi todas as minhas escolhas e fiz exatamente tudo o que eu quis ate aqui, no limite das minhas circunstancias. Ainda assim, minha maneira intima e pessoalmente aplicada de lidar com os conceitos de paz e de liberdade é contraditória, me causa angustia e me perturba. Continuo pobre, instável, cheio de duvidas, sonhador; continuo buscando. Não vejo horizonte de terra firme, nem Oasis. Mas penso.

Penso nos Zapatistas, penso no Santiago, penso nos meus avos e seus 70 anos de casados, penso no meu pai, na minha mãe, no sonho de ontem quando a caveira-mariachi que trouxe do México tinha perdido seu chapéu, na minha próxima tatuagem, na vitoria do campeonato praiano de taco no Laranjal, nas reuniões da BS, no clube de Desbravadores, nas diferenças entre aeroportos, no segundo lugar no concurso de redação do colégio, nos ovos de chocolate escondidos pela casa, na batida contra um ônibus em Canasvieiras, na foto das “nove colheres”, num vulcão na Guatemala, num navio rumo a Mikonos, no mate no Quadrado, nos urubus em Barras do Piauí, na caminhada ate o “dedo” no Cerro das Almas, na faixa de protesto estendida no dia da formatura, no vento no rosto do alto de Perquim, no balde de água de uma janela do Born, na janta tailandesa depois do debate na Comissão Européia, no cachorro branco que salta o muro de uma casa suburbana em Wales, no entardecer de outono no frio cassineiro, nos aplausos no salão Milton de Lemos, no jogo de vispora familiar domingos pela tarde, no pulo de domingo.

Um dia regular e ordinário também se transforma ate que se torne corriqueiro outra vez. Um pouco de luz solar acabar de aparecer. Mudo, sem estar calado, até não saber mais o que é o normal e sem saber tampouco se isso é bom ou ruim. O pulo de domingo, ao qual me referi, é a verdadeira celebração deste “simbólico” aniversario. Será a primeira vez que, com mais um grupo de amigos, saltarei de pára-quedas, mergulhando no céu, em queda livre.

6 comments:

Anonymous said...

agapi
xronia polla!
to all your beautiful memories, your everyday moments of the past and for the ones that are yet to come

Enjoy it!
love u to the moon and back
your small greek

Léli said...

Parabéns mais uma vez!!!
E boa sorte no salto!!!! Nisto tu e o meu mano são iguais. Ele também quer saltar de pára quedas.
Beijos

Jack Koschier said...

beijos saudosos, companheiro, camarada de lutas tantas e jornadas utópicas...

K said...

Oi, pega o mate aí pra brindarmos, afinal viver deve ser comemorado, viver mais, viver demais...
Não sei porque me acho melhor agora do que aos 20, logo chego nos 30, e quero pra mim pelo menos 120, kkkkk
Quanto ao dia, ao lugar, ao comum, pense que talvez tenha ganhado um espaço em branco, pra fazer algo especial! Eu sempre penso assim,
Muitas felicidades! beijinho

ojosfritos said...

¿¿que tál esta caida??

Pa said...

Vc me achou no meu blog e eu morri de curiosidade pra saber o que bateu no dia da sua virada. Idêntica a sensação de que passamos alguns anos pensando nos 30, senão até sofrendo com a aproximação deles, e quando eles chegam nos sentimos os mesmos. O melhor dos 30 é que a crise passa. Belo texto. Abraço.