Wednesday, 3 March 2010

O ódio de classe e o modo imperialista de pensar dos políticos britânicos

*Artigo de minha autoria publicado na Caros Amigos, no dia 24 de fevereiro.

Podem conferir no site da revista. Passe la e deixe um comentario!



Às favas com o BNP! O degradante British National Party (Partido Nacionalista Britânico), pese toda a gritaria na mídia do Reino Unido sobre o seu suposto fortalecimento, não representa iminente perigo nem para a Grã Bretanha, e menos para o mundo. O que deve preocupar de fato não são as declarações sensacionalistas de um punhado de racistas liderados por Nick Griffin, mas sim o pragmatismo dos partidos tradicionais do país. Embora o BNP tenha obtido importantes êxitos eleitorais com uma cadeira na Assembléia de Londres, em 2008 e dois assentos no Parlamento Europeu, em 2009, o grupelho permanece apregoando bobagens de nacionalismo branco e etnicismos que não são levados a serio pela maior parte da população.

Agora, quando um proeminente membro do House of Commons como Nicholas Winterton vem a público manifestar aberta e despudoradamente o seu ódio de classe, aí sim há motivos para inquietudes sobre o futuro político do Reino Unido. Winterton que está no Legislativo há quase 40 anos é membro do tradicional e poderoso Partido Conservador – que a julgar pelas intenções de voto nas eleições gerais que ocorrem em junho deverá indicar o novo primeiro-ministro britânico. Seguindo sua própria lógica desvairada a que muitos analistas, porém, atribuem pertencer a percepção geral dos “Tory” sobre política, ele deu uma entrevista a radio BBC 5 Live no dia 18 de fevereiro que enfureceu o público e, supostamente, o seu próprio partido.

"Winterton is an ass"

Winterton não aceita o escrutínio do publico sobre os gastos dos membros do Parlamento que veio à tona no ano passado e que se converteram em um dos maiores escândalos políticos da Inglaterra. A denúncia de abusos das franquias reveladas pelas Scotland Yard resultou em uma auditoria que recomendou que 389 parlamentares devolvessem um milhão de libras esterlinas (cerca de três milhões de reais) aos cofres públicos e gerou o começo de cortes de gastos considerados desnecessários, como viagens de trem em primeira classe.

Esse personagem, no entanto, afirmou que cortar as viagens dos deputados na primeira classe conforma uma “grotesca injustiça” para com os parlamentares. Sem nenhum escrúpulo, diz que "o povo está errado em querer reduzir as subvenções parlamentarias" e que não aceita viajar na classe econômica porque "aí os passageiros são pessoas completamente diferentes, com diferentes perspectivas sobre a vida". São pessoas, segundo declarou, que fazem muito barulho, que estariam olhando sobre o seu ombro enquanto ele estaria tentando trabalhar sobre informes e documentos para ser discutidos no parlamento; pessoas que poderiam até estar lendo um livro durante o trajeto, mas das quais ele duvida muito que pudesse configurar um tipo de leitura tão seria e importante quanto a dele.

O Partido Conservador, em menos de uma hora após a acalorada entrevista de Winterton, enviou uma nota à imprensa tentando se distanciar das declarações do deputado, afirmando que se tratava de posições pessoais de um parlamentar quase-para-se-aposentar e sem contato com a realidade.

O pequeno grande detalhe dessa ridícula manifestação de preconceito é que este Lord Winterton foi reeleito há poucos meses, unanimemente e pelo 12º ano consecutivo, presidente do Grupo Parlamentar Suprapartidário para as ilhas Malvinas, responsável por zelar pela “segurança e prosperidade econômica” do território. Portanto, suas recentes manifestações sobre classes sociais, manejo de gastos púbicos e papel dos parlamentares, deixam dúvidas sobre até que ponto vige o pensamento político retrógado no meio político britânico e as conseqüências disso na arena da política internacional.

Esse senhor, que se manifesta com ódio de classe quando se sente ameaçado de perder seus pequenos privilégios, é o mesmo que lidera as discussões e representa as posições do parlamentares britânicos sobre as ilhas Malvina, ou no jargão colonialista, Falklands. Diante dos protestos da Argentina contra a iniciativa britânica de iniciar a exploração de petróleo na região e convocar licitações sem comunicar o país, Winterton foi capaz de afirmar que a posição de Buenos Aires é uma tentativa de impedir o progresso econômico da ilha e que o decreto de Cristina Kirchner que determina que todos os navios que seguem em direção ao arquipélago precisam ter permissões especiais é “patético e inútil”.

A indignação argentina sobre a questão é o mais recente episódio de uma disputa que permanece sem solução há 28 anos, desde a Guerra das Malvinas, e em termos históricos desde 1833, quando o Reino Unido invadiu o arquipélago. O status legal da ilha é de Território Britânico Ultramar, mas a Argentina sempre levantou uma questão de soberania e de ocupação ilegal de território que Londres se nega a discutir. Dessa vez envolve concretamente a exploração dos possíveis ricos recursos energéticos no Atlântico Sul e afronta não apenas o Estado argentino, mas a soberania do continente ao revelar que a mordacidade da mentalidade imperialista permanece viva.

ATRAS DE ENERGIA

As tensões entre a Argentina e o Reino Unido vêm à reboque do crucial tema de segurança energética que tem prioridade indiscutível na agenda das relações internacionais e particularmente da política exterior britânica. Analistas e setores da mídia inglesa insistem em afirmar que engrossar a voz com o Reino Unido sobre a questão Malvinas neste momento de crise de popularidade de Cristina é uma boa tática do governo argentino para distrair a população dos problemas internos do país.

Mas ao contrário de 1982 quando o general Galtieri tentava encontrar uma saída ao decadente regime ditatorial, quem está desesperado por encontrar soluções, desta vez não políticas, senão energéticas, é o Reino Unido. O Departamento de Energia e Mudanças Climáticas do governo britânico publicou um estudo oficial em agosto do ano passado que reconhece os problemas energéticos do país em médio prazo (a demanda por eletricidade no pais será 50% maior em 40 anos) e enfatiza a incapacidade de se atingir a independência energética no Reino Unido. Além de recomendar o fortalecimento das relações estratégicas com países como Noruega e Arábia Saudita, o documento, Energy Security: a national challenge in a changing world aconselha a tomada de ações dentro das fronteiras para reduzir a dependência das importações. Isso ajuda a explicar porque o primeiro-ministro britânico Gordon Brown disse que o país já adotou "todas as medidas necessárias" para proteger as ilhas Malvinas, um território que para os britânicos é britânico.

O Ministério da Defesa do Reino Unido afirmou que há suficiente presença militar na região com quatro navios e mais de mil soldados permanentemente nas ilhas, mas outro deputado do partido Conservador, William Hague, atual porta-voz da sigla para assuntos de Defesa, defendeu em entrevista à BBC o incremento da força naval. “Algum tipo de presença naval maior – pode ser somente um navio em visitas regulares -, este tipo de coisa mostraria claramente à Argentina – com quem, novamente, queremos manter relações amistosas – que estamos firmes em relação a isso”.

A segurança energética esta se confirmando como o elemento motivador de uma nova corrida por hegemonia que entra em marcha no século XXI, gerando conflitos pontuais protagonizados por importantes atores mundiais. Somado a isso, o cenário não é alentador quando o próximo partido que provavelmente governará uma dessas potências, o Conservador no antigo império britânico, tem entre seus representantes para questões de política externa alguém como Nicholas Winterton, que despeja abertamente seu ódio de classe e defende o atrasado modo imperialista de pensar.

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