Ir a uma igreja evangélica latina, neopentecostal, conservadoríssima, em pleno Texas, Estados Unidos. O que responder quando te perguntam:
- y que te pareció? (Assim, em espanhol).
Um diplomático "interessante" ou um passional "uma das maiores quantidades de absurdos por minuto que já ouvi"?
O pastor, branco, barbeado e de cabelos bem cortados, usava uma camisa cor de vinho, algo com brilho, por baixo de um paletó com gola preta. Era um cubano. Anticastrista, obviamente. Reivindicava, durante sua pregação, conhecer o materialismo dialético, defendia posições de política internacional a favor de Israel, criticava a Rússia e a China, acusava o governo Obama de retirar a obrigatoriedade da oração cristã nas escolas do país e, por várias ocasiões, enfatizava a inutilidade que entende haver no "humanismo", como a Sociologia e a Psicologia.
O discurso neopentecostal quando escutado de perto - e por obrigação - confirma-se realmente perigosíssimo, desesperançado e desesperador, e não apenas por esses pitacos políticos, senão pela completude hostil e integral que configura.
Já o sabemos, claro, como latino-americanos que vemos a crescente força evangélica em amplas e profundas esferas da vida social, mas esta não é uma congregação de garagem de um bairro periférico, this is Texas, baby! O famoso epicentro da raivosa direita estadunidense. Um grupo de três "r" - rico, reacionário e rancoroso - que não apenas late, senão cada vez mais parece também morder.
Na estranha configuração do espaço urbano de Houston - nos subúrbios distantes do centro da cidade, a disposição das coisas parece sempre uma estrada BR, com distancias largas, geografias planas, traçados de avenidas totalmente voltados para o carrocentrismo, sem calçadas, sem ônibus. Exceto pelas casas grandes e ricas sem muros e sem grades. E parece que há uma igreja a cada 200 m, do tamanho e estilo das que há na avenida Cruz Cabugá, em Recife, para dar uma referência para alguns.
É época de natal. Mas, para alguns desses novos cristãos, que não levam seus filhos à escola por acreditar que esse é um espaço que degenera o ser humano, isso não importa; o natal é um paganismo disfarçado de cristianismo, um exemplo dentro do seu próprio ambiente de como o seu discurso se radicaliza quanto mais "verdadeiramente" cristão e mais aferrado a " Verdade" entendem-se. Isto é, não apenas afiliam-se de maneira inquestionável ao que consideram a Palavra do Senhor, mas atribuem um sentido especifico a essa Palavra, construindo-a com a certeza de que é o Senhor mesmo que esta guiando essa atribuição de sentido.
A Verdade é uma experiência pessoal, dizem. Um ato de Deus direto ao coração humano. Então, o assustador paradoxo é que se alguém argumenta que nessa experiência pessoal, nesse direito 'a fé, deveria haver também o direito a que pessoalmente alguém assimile - ou não - essa experiência e permita ou não ser tocado pela Palavra que para ele é tão evidente e certa, automática e imediatamente es dado como um escravo da artimanha do Diabo. "Os demônios também tremem diante de Deus", dizem. Ou seja, ser cristão, nessa leitura, é um sistema discursivo completo que te obriga, que exige tua responsabilidade para cumprir, reforçar e divulgar padrões de comportamento social medievais, atravessados por racismo, preconceito, discriminação e muita intolerância.
É um clichê lembrar que a intolerância 'a diferença é a fonte histórica da violência, mas, para esse cristão neopentecostal, o que os "humanistas-liberais-esquerdistas" (assim nos classificam) chamam diferença é simplesmente a cegueira ou a teimosia ou a rebeldia do homem que não quer se curvar e quer desafiar a Deus.
Não basta dizer que não estás desafiando nada, que apenas não tens interesse em ouvir o que ele considera a Verdade, mas que, ainda assim, obviamente lhe das todo o direito a viver sua fé sem interrupções ou distúrbios. Não. Esse cristão, quando lhe quer dar uma pregação, porque está motivado pela mais alta convicção de que o faz como um favor e uma misericórdia do Senhor para com quem ele estima, não aceita que tomes o direito de não querer ouvi-lo. Isso significa, para ele, que estás em luta contra Deus e não mereces conviver com ele - como mínimo - e como máximo serás perseguido e condenado por ele. Quando isso ocorre num nível micro social, "tudo bem" (assim, entre aspas, pois famílias desarticulam-se por isso), mas não haveria maiores repercussões que perder a amizade de um parente.
Mas nossa pós-modernidade, nossa falta de certezas, nossa perda de grandes narrativas, nosso esforço - porque necessário - por desconstruções, deixaram um vazio profundo que está sendo preenchido, com velocidade, pelo fundamentalismo de todas as religiões. E o cristianismo, em particular, que é o que conhecemos melhor nesta parte do mundo, em sua versão chamada neopentecostal, parece deixar pouca margem de esperança - dado seu sistema discursivo harmônico e completo - para disputar corações e mentes que se agarram a estas certezas que configuram esse mundo binário e constroem "outros", produzem inimigos e avançam sobre a política estatal e institucional, desde uma associação de bairro até um Chefe de Estado, e dão segurança às pessoas.
O mundo hoje, parece, em todas as geografias, etnias e classes sociais, querer segurança e esse cristianismo forte está dando-lhe isso num resgate do fundamentalismo. Primeiro, ganham-se corações - difundindo medo, garantindo certezas e apontando esperanças - depois os armamos com leis e com semiautomáticas.
A projeção de horizonte mais evidente diante dessas circunstancias é uma sociedade encapsulada em bolhas voadoras, formada por humanos que não sabem para que lhes servem os pés, e que se comunicam apenas por tablets, tal qual os humanos na animação Wall-E. Agregue-se ai, para ficar na cultura pop, uma paranoia, um rancor e um desejo de ordem tão intenso nesta sociedade obcecada por certezas que parecem capazes medievalizar-se tal qual um Stannis Baratheon, de Game of Thrones, queimando viva a própria filha, motivado pela Verdade que lhe apresenta o sobrenatural.
Um herói do cristianismo, Abraão, também quase sacrificou o próprio filho, Isaque, no relato bíblico. Mas Deus o interrompeu justamente no momento em que consumaria o ato e houve reconciliação. Nos, porém, nos vemos no meio do conflito dessa busca por segurança, e a "verdade", é que não temos um discurso nem certezas para oferecer. Estamos perdendo. Que o Senhor tenha piedade de nós.