Sunday, 27 March 2011

Sem imagens, sem retrancas

Seu Moisés (ou Moizés?) nunca tinha ido até Maceió antes dos 14 anos. Quando foi, foi a pé, junto com um tio, atravessando até braço de rio. Nem lembra mais quanto tempo demorou.


Ali, no “paraíso”, há mais de 50 anos, quando a praia do Francês era só mais uma vila de pescadores no amplo e estonteante litoral de Alagoas, ele aprendeu todos os ofícios da pesca artesanal que lhe permitiram criar oito filhos, com a graça de Deus, e nenhum se meteu com drogas. Nem mesmo o Cícero, um desses oito, que ao invés de entorpecentes, trabalha em uma das dezenas de pousadas que agora dominam as ruazinhas do pequeno balneário. E tem também pizzaria (ruim...), loja de internet, restaurante de massas, restaurantes de frutos do mar (claro!), imobiliária, ruas de pedras, sorveteria, e até hotel. E isso sem contar os estabelecimentos na beira, digo bem na beira, do mar. Um mar morno, com parte com onda, parte sem onda, larga extensão de areia branca, areia mais escura, parte com algas, parte lisa e aveludada, e muitos coqueirais.


Mas agora o seu Mois(z)és avisa, de bom coração e pra aquietar sua alma que fica sentada com ele junto ao meio-fio, aos turistas encantados, ou desavisados, ou burros mesmo, avisa que ir a praia a noite, especialmente depois das 22h, não é bom, não. Já não é mais como naquele tempo, em que quando se via um vulto se aproximando já se sabia: é outro pescador pra ir fazer o mesmo que a gente. Agora tudo cresceu, tudo ficou perigoso, tem muita gente mal-intencionada, muita desconfiança. – “Agora mesmo passou um grupo de rapaiz pra lá”, disse a esposa do seu Mois(z)és, que até então não tinha dito nada.


E a gente concorda, ouve as histórias com tantos fatos e contada tão rapidamente, sorri, mostra espanto, faz gesto de cabeça, faz expressão de solidariedade e de reconhecimento à experiência de quem tem mais tempo, de quem conhece, de quem se preocupa e pondera sobre como as coisas mudaram.


E ai invento – infames ou bonitinhos – trocadilhos: Nós mudamos, nos mudamos. Lembro também da Busca, pessoalmente um dos mais pertinentes posts que li recentemente na blogosfera, sendo essa uma opinião marcada pelos meus já sufocantes existencialismos e metafisicismos, tais quais aqueles que a Jules, com elegância, seguido faz e permite tantos trechos de identificação.


Começar tudo de novo, num outro país, numa outra língua, quantos ola, quantos adeus. Assim se perde essa amiga que também mudou tanto, que tanto quanto a amiga dela Sabrina, também estava exausta, cansada de tanta mudança, tanta instabilidade. “Não que a vida de todo mundo não seja sempre instável. Mas nos especializamos nisso: ficar mudando de país atrás sei lá do que. Os encontros vão ficando cada vez mais valiosos, porque a solidão existencial também aumenta... ainda mais assim quando nos não temos a ilusão, nem a realidade de ser parte de um grupo físico que tenha raiz em algum lugar.


Às vezes tenho a impressão que por nos fazermos responsáveis por essas escolhas de ficar cruzando tantas fronteiras nos dá essa enorme angústia. Sempre imaginando onde será o lugar mais adequado. Num lugar a família, no outro o sol, no outro a comunidade acadêmica e intelectual a qual nos acostumamos. Tudo espalhado. E fazer escolha é ter que escolher que parte sua faz mais sentido. Impossível, no reconhecimento de toda nossa incoerência humana.


Como mostram as pesquisas psicológicas escolha demais aumenta e muito a angustia.... no entanto, given the option, acho que ninguém escolhe ter menos escolhas.


O que será no fundo que buscamos encontrar? Eu sei todas as nossas explicações antropológicas, filosóficas, políticas, cognitivas. Essas que nos colocamos nos formulários, nos nossos proposals. O que eu não sei muito bem, é o que no fundo de cada uma dessas pessoas incríveis que eu encontro toda segunda-feira, faz com que elas queiram ir parar no meio de uma tribo na Amazônia, ou numa fábrica chinesa.


O que acontece quando de repente tudo começa parecer fazer sentido e esse é o sinal que é hora de voltar. Como se alguém viesse mais uma vez e arrancasse o tapete por debaixo dos nossos pés. Eu sei que eu já escrevi aqui antes, que acho importante cultivar o estranhamento das coisas. Não sei se é idade, o frio, ou simplesmente um momento passageiro. Só sei que chega uma hora que o estranhamento de tudo cansa. E dá uma saudade, uma vontade de voltar ao principio onde tudo era familiar. Mas assim como as escolhas.... sabendo que elas existem, ainda que eu saiba que ter muitas delas me faz infeliz, eu acabo sempre.... cruzando mais uma fronteira”.


Até seu Mois(z)és, hoje mais importante que a noticia de 500 mil protestando em Londres, cruzou aquela fronteira que fazia o limite do seu universo inteiro e completo. Mas ele foi, do Francês a Maceió, e voltou. Quem volta, por que volta? Pra ver as coisas mudarem ou pra ver como a si mesmo se mudou? Mudou? Mudo. Tudo revisited.


Nada me prende a nada.

Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.

Anseio com uma angústia de fome de carne

O que não sei que seja -

Definidamente pelo indefinido...

Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto

De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

(Fernando Pessoa).

2 comments:

Lis said...

Se vc conheceu a praia do Francês pode compreender pq o S. Moisés voltou! =)

Anonymous said...

Tua angústia é a inveja de tantos que não vão...
A única certeza que temos ao fazer uma escolha é que rejeitamos todas as outras oportunidades. Ao menos naquele momento.
E assim seguimos a vida!
Como hoje estou num dia "Belchior", acabei lembrando de ti ao ouvir a música "TUDO OUTRA VEZ".
Beijo³