Logo
ao chegar na ciudad de las flores,
vindo de um demorado café pelas alturas vulcânicas de Alajuela, percebe a palhaça vendedora de balões
que também observa com atenção a atração da manhã de domingo no coreto do
parque central. Uma grande igreja católica do século XVIII faz a moldura
daquele cenário. Era como olhar para uma tela provinciana perfurada de
vendedores de bilhetes de loteria, de uma artista de rua com um bambolê, de um
carrinho colorido do senhor de chapéu de abas largas oferecendo granizados, de várias pessoas de muitos
tamanhos de sapatos, curvatura lombares e modelos de óculos escuros, e de
oleadas de pombas a cada vez que se iniciava um novo ritmo interpretado pela Orquestra de Conciertos de Heredia.
É
dia de “grandes ritmos de América Latina”,
evento provavelmente produzido pela alcadia.
Cada peça interpretada corresponde a um gênero da variedade de música que se
encontra pelo continente: tango, mambo, danzón cubano, samba, merengue, cumbia.
Cada um deles é devida e animadamente descrito em suas origens históricas e regionais
pelo apresentador do espetáculo, e há bailarinos que se movem nos passos
próprios e se vestem de acordo.
A praça não é pequena, e por isso é chamada de
parque. Mas também não é grande, e por isso deveria ser chamado de praça, ao
menos para dimensões espaciais no-ticas.
Mas mesmo sem estar lotado há bastante gente que para, observa, fica e gosta. Ficou
ela também.
A
ela claro que também lhe chama logo a atenção o velhinho de camisa azul que
dança, sozinho no chão ao lado do palco, todas as músicas que soam. Sempre lhe
interessava e a fazia sorrir os dançarinos solitários, sempre os queria gravar
com o celular, nunca o fazia. Encostada na fachada da igreja, ao lado da rampa
de acessibilidade, também nota o público que chega ao templo: pessoas brancas,
elegantes, quase todas vestidas de preto. Parecia que cada nova canção no palco
coincidia com um novo grupo dessas pessoas solenes, apuestas, que apropinquam-se e passam ao seu lado dando um último
encaixe no salto ou no botão do paletó.
Duvidou
do que havia pensado sobre o que estava passando porque seria por demais um
típico tão-real-que parece ficção, mas se abeira ainda um grande carro cinza na
praça, estaciona junto à rampa.
Uma
mulher, a quem conhecia, sentada a sua frente no degrau da porta da igreja, levanta-se.
Todos que estão sentados nos degraus da igreja levantam-se. Ela não. Quase não
olha a cena. Finge que não vê, ou não vê para fingir, a sequência praticamente cinematográfica
que se desdobra ali. E ainda pergunta à mulher quando esta pôs-se em pé: Y que?
le dió el sol ? A outra responde com
os ombros em direção ao carro funerário. Do coreto o apresentador da orquestra
avisa que se fará silencio em respeito ao momento. É retirado do carro um
grande caixão cinza.
Carregam-no
para dentro. Ela lembra nesse instante que havia lido a pouco que a origem da
cumbia estava ligada a um ritual funerário muito antigo dos indígenas da região
da Colômbia. Mal sumiu-se o ataúde na nave central do edifício, o apresentador
confirma na sua apresentação do novo ritmo a lembrança que com tamanha coincidência a ela lhe tinha vindo a mente, e a orquestra ressona aquele inconfundível
teretein-terentein-tun das cordas a que o cantor responde:
ella que es bailadora
de
la cumbia señora
moviendo
la cadera
sonriendo altanera
me dice baila baila baila
bailame la suavecita
Uma
mulher de sobrancelhas negras e grossas compartilha com um homem de barba longa
um olhar entre intrigado e indignado. De dentro da igreja, enquanto isso, ouvem-se cânticos de reverência que no contraste do que acontece na praça soam
quase como um cantochão.
Perto
do palco a palhaça começa a dançar com o velhinho que até então seguía solito no seu baile particular. Um chavalito de uns seis anos de idade gira
também por ali sozinho com um cata-vento na mão. Os bailarinos descem do palco
e começam a tirar o público para dançar. O apresentador grita ao microfone: - “Asi me gusta a mi pueblo!”
Ela
observando, tudo o que consegue fazer, sem levantar-se, é sorrir. E
não disse o já pensado: - nuestra humanidad reside, sobretodo, en nuestra capacidad de atribuir sentidos.
Forma-se
uma roda agora ao redor do velhinho de camisa azul. Dão-lhe a mão. Ele já não
dança sozinho.