Monday, 29 December 2014
Textos Curtos para Ítaca XXXII (?)
Inexpressões
Cactos e flores roxas em São Paulo.
Visões antifuturistas na Paraíba.
Sons de trens.
Metades British-catalanas, respirações centro-americanas.
Real de Recife.
O real é formado por imaginados
O imaginário é formado pelos sentimentos dominando as
percepções.
O espiral de viadutos é real. O que se parece um boliviano
sentando ao vão com sua namorada que-não-se-sabe-de-onde-é para fazer uma
selfie ainda é real.
E também o é, imediatamente à direita – assim que estou ao
meio – o senhor franzino e grisalho de fisionomia oriental preenchendo o ar com
os sopros do seu cigarro fétido.
Assim que estou ao meio.
Tudo que acontece aqui é real e imaginado.
Mas até agora nenhum vendedor ambulante, só cicatrizes: “Andei
só pela noite” / “Mica Jairo J.” / “4.20” / “Vergonha” / “Transporte Público
Gratuito”/ “Tay Dell” /
É real e imaginado a onomatopeia do sapato tocando a pedra
ao saltar ao solo levando um indivíduo com camisa-pra-dentro-das-calças com
ele.
São muitos atores, são muitas ausências.
O ritmo do coco é poder enquanto te imagino, realmente, do
outro lado do Capibaribe.
Também quis olhar para baixo a cada espaço deixado entre os
grupos de pessoas sentadas.
Só de curioso, só por impulso.
Mas é feroz dos dois
lados a passagem de onde posso ver tudo desse singular interim.
Pequenos textos são um alívio avulso.
Agora já são dois vendedores ambulantes; um de doce, uma de
pulseiras, que ofereceram à minha direita e à minha esquerda, mas não a mim.
Assim que estou ao meio.
E este é um fim.
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Textos curtos para Ítaca
Friday, 12 December 2014
"para que não se esqueca, para que nunca mais aconteça"
Apesar das lacunas, criticadas até por militantes históricos de Direitos Humanos no Brasil, a entrega do informe da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no dia 10 de dezembro de 2014, é um marco inconteste do processo de democratização do país, especialmente diante da conjuntura presente, logo de mais de três décadas de obscurantismo.
Logo de uma eleição federal complexa, polêmica e polarizada em larga medida, vê-se cidadãos, de percepção política atrasada ou de deliberada má-fé, que... vão às ruas brasileiras pedindo pateticamente uma intervenção militar na condução política nacional. Por isso trazer à luz agora, oficialmente, as denúncias dos abusos e atrocidades realizadas nos períodos de regimes autoritários é essencial.
Como disse o presidente da CNV, Pedro Dallari, "o informe da Comissão acaba com qualquer nostalgia da ditadura"; explica principalmente aos mais jovens, e de todxs aqueles que não vivemos diretamente, onde me incluo, as violências do autoritarismo institucional no país, os malefícios do seu legado, que nos afeta a todxs no Brasil.
O informe da CNV deve dar terreno para um novo período de lutas contra a impunidade e a favor da justiça no Brasil, baseada na denúncia das dívidas históricas do Estado brasileiro. A agenda de uma profunda reforma política, através de uma Constituinte, ganha força, e já há rumores de que inclusive no Supremo Tribunal Federal há margem para afastar, por fim, os obstáculos jurídicos à penalização dos violadores dos Direitos Humanos e da democracia no Brasil, como a própria Lei da Anistia.
Ao longo dos anos, pelo menos desde 2008, tenho acompanhado as discussões sobre Memória Histórica e Justiça de Transição, principalmente em El Salvador e no Brasil, nos meus dois países onde, igualmente, a lei de anistia é uma grande barreira. Tenho desde então escrito algo sobre os temas, deixo aqui e nos comentários alguns links de exemplos dessas pequenas contribuições:
Logo de uma eleição federal complexa, polêmica e polarizada em larga medida, vê-se cidadãos, de percepção política atrasada ou de deliberada má-fé, que... vão às ruas brasileiras pedindo pateticamente uma intervenção militar na condução política nacional. Por isso trazer à luz agora, oficialmente, as denúncias dos abusos e atrocidades realizadas nos períodos de regimes autoritários é essencial.
Como disse o presidente da CNV, Pedro Dallari, "o informe da Comissão acaba com qualquer nostalgia da ditadura"; explica principalmente aos mais jovens, e de todxs aqueles que não vivemos diretamente, onde me incluo, as violências do autoritarismo institucional no país, os malefícios do seu legado, que nos afeta a todxs no Brasil.
O informe da CNV deve dar terreno para um novo período de lutas contra a impunidade e a favor da justiça no Brasil, baseada na denúncia das dívidas históricas do Estado brasileiro. A agenda de uma profunda reforma política, através de uma Constituinte, ganha força, e já há rumores de que inclusive no Supremo Tribunal Federal há margem para afastar, por fim, os obstáculos jurídicos à penalização dos violadores dos Direitos Humanos e da democracia no Brasil, como a própria Lei da Anistia.
Ao longo dos anos, pelo menos desde 2008, tenho acompanhado as discussões sobre Memória Histórica e Justiça de Transição, principalmente em El Salvador e no Brasil, nos meus dois países onde, igualmente, a lei de anistia é uma grande barreira. Tenho desde então escrito algo sobre os temas, deixo aqui e nos comentários alguns links de exemplos dessas pequenas contribuições:
1- https://www.ufpe.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=46747%3Adoutorandos-do-departamento-de-ciencia-politica-publicam-na-revista-juridica-da-presidencia&catid=19&Itemid=72
2- http://www.archivocp.contrapunto.com.sv/columnistas/memoria-historica-y-desmemoria-en-brasil-y-el-salvador
3- http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/04/fome-sangue-e-impunidade-as-transicoes-incompletas-de-brasil-e-el-salvador-5938.html
4- http://www.archivocp.contrapunto.com.sv/columnistas/brasil-tendra-su-comision-de-la-verdad
Divulgue-se o relatório final da CNV! (acesse-o aqui )
2- http://www.archivocp.contrapunto.com.sv/columnistas/memoria-historica-y-desmemoria-en-brasil-y-el-salvador
3- http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/04/fome-sangue-e-impunidade-as-transicoes-incompletas-de-brasil-e-el-salvador-5938.html
4- http://www.archivocp.contrapunto.com.sv/columnistas/brasil-tendra-su-comision-de-la-verdad
Divulgue-se o relatório final da CNV! (acesse-o aqui )
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Brasil,
O que vale a pena na midia
Monday, 27 October 2014
Esqueça as eleições, agora faça politica!
Texto publicado no portal O SOPAPO
Dilma se reelegeu nas eleições presidenciais
brasileiras 2014 e isso representa um alivio, embora muitos, legitimamente, não
concordem com o adjetivo. O voto nulo tem fundamento e é respeitado, mas mesmo
como posição tática ainda me é difícil pensar como sustenta-lo em termos de
luta institucional. Mais fácil quando abdicamos totalmente da disputa nessa
esfera em nome de outras onde, provavelmente aliás, as energias são canalizadas
para fins políticos melhores. Mas hoje não foi esse o caso.
Na reeleição de Dilma e do PT e de
suas alianças ainda prevalece a tese do mal menor, sabendo-se qual era a outra
opção que tínhamos - um PT em vez de um PSDB ainda é boa notícia para o Brasil
e talvez principalmente para a integração, e não apenas a comercial, da América
Latina.
No entanto, a sensação de alivio do “terror”
tucano é um exagero quando, baixado o calor do processo eleitoral,
confrontarmos concretamente nossos desafios e formos capazes de ver que política
não é só festa. Por isso recém acabada a eleição, como primeiríssimo ponto de
análise, pra quem se preocupa em superar
o maniqueísmo binário embrutecedor, já é
preciso reafirmar que os setores progressistas do Brasil não podem apenas
celebrar a vitória de Dilma sem estabelecer uma reflexão-ação crítica sobre a
conjuntura política do Brasil, sem exercitar imaginação emancipatória sobre os
desafios sociais que o país possui e que, em larga medida, não são enfrentados
pelo PT, e menos por suas alianças partidárias.
Essa eleição foi, em larga medida,
uma disputa entre os legados de Lula (pacto social: neodesenvolmentismo que
facilita algumas conquistas sociais mas sem a existência de um vigoroso
movimento popular, ou dito de outra forma, crescimento com distribuição de
renda, em que os ricos ficam mais ricos e os pobres, menos pobres) e de FHC (neoliberalismo
pesado: monetarismo que sacrifica a redução da pobreza para garantir
estabilidade ).
Não podemos apenas insistir em afirmar
o suposto talento político de Lula, que incidiu no novo protagonismo brasileiro
na cena internacional, no caráter bem-sucedido de seu capitalismo de Estado. E
tampouco podemos negar conquistas desses governos lulistas, ou dizer que foram simples
consequências naturais de decisões tomadas por governos anteriores, ou que a
corrupção teria tido, apenas agora, um nível superior, portanto deslegitimador.
O lulismo definiu-se por promover, ao
mesmo tempo, um tipo de Estado propulsor de processos de crescimento com
ampliação de sistemas de proteção social, do aumento real do salário mínimo e
incentivo ao consumo, (sim, o consumo! Sempre o consumo... ao invés da
distribuição da riqueza para atacar radicalmente a desigualdade), e ser um facilitador da reconstrução do empresariado
nacional em seus desejos de globalização. Vê-se ai, como bem apontou certa vez
Vladimir Safatle, que se consolidou a função do BNDES como grande financiador
do capitalismo nacional.
Ainda assim, e por isso mesmo, a vitória
de Dilma é uma consagração do lulismo e do partido de governo. 1ª manifestação
do discurso de Dilma reeleita: saudar a Lula (“militante número 1 das causas do
povo brasileiro”). O PT de Lula, porém, tornou-se o partido executor da versão atenuada
de modelo econômico da direita, aliviando as dificuldades materiais sem mudar a
ordem social desigual e injusta. Mas o que vem agora que é quando começa a política
de verdade?
“Hacia adelante”
Confirmou-se que esta foi a mais
disputada e polarizada eleição presidencial brasileira, talvez mais que o
emblemático pleito de 1989, da redemocratização do país, quando o PT e o Lula
eram outros.
A derrota de Aécio em MG, estado em
que foi duas vezes governador, e a vitória forte de Dilma em todo os estados do
NE são tópicos importantes das características desse pleito.
E vale a pena destacar a marcada
degradação do PSB como um partido que, ao tentar deixar de ser uma linha
auxiliar do PT, moveu-se parece que em definitivo para a direita.
Também tivemos um considerável número
do “não-voto” (30% no 1º turno e 28% no
2º turno) mas num quadro não muito diferente das eleições de 2010, embora esses
números demonstrem, isso sim, que há pelo menos um alto grau de desconfiança por
parte do eleitorado brasileiro em relação à classe política.
Mas fundamentalmente importa pensar que nesse modelo petista de Estado, o
aumento da renda dos trabalhadores, a formalização do trabalho, com o
desemprego mantido em patamares historicamente baixos, e os programas sociais a
partir de instrumentos econômicos tradicionais provocaram a badalada redução da
pobreza nos últimos anos, mas há uma desaceleração do crescimento que gera
dilemas.
Nesse modelo a ordem é crescer como
se não houvesse amanhã (literalmente, porque ignora os limites ambientais do
país) e produzir, ao invés de cidadãos, consumidores, entre os desafios neste
campo está o de aumentar a participação indústria no PIB, que vai baixando nos últimos
dez anos (19% 2004 e 13% 2013). E para o PT manter uma meta da inflação de 4.5%,
que o tucanato já considera alto, será difícil não reajustar preços
administrados, como combustíveis e energia. É possível que ajustes fiscais
tenham impacto sobre o “sagrado” emprego. Dilma vai precisar implantar medidas
estruturais na infraestrutura produtiva brasileira.
A retórica de que o Brasil saiu desta
eleição mais dividido é contestada, mas as dificuldades de conciliação entre
polarizados projetos de elites é real. Dilma fez o conhecido discurso de
conciliação na comemoração da vitória. A margem de manobra para composição do
governo, contudo, será pequena, e enfrentará grande oposição. A própria a
proposta de plebiscito para uma reforma política, que Dilma apontou como “a
primeira e mais importante” já foi apresentada pelo governo e o congresso
recusou. Um dos grandes paradoxos do PT,
por conta das opções políticas que fez ao longo das suas gestões e em nome da
governabilidade, é que hoje ele tem menos condições de promover grandes
reformas.
E por isso deveria ser preocupante
especialmente para o PT o esgotamento desse tipo de crescimento brasileiro. Porque
nesse contexto, em que vai depender ainda mais das alianças mais reacionárias
que já lhe são caras, como latifúndio, agrobusiness, empreiteiras, bancada neopentecostal,
pode haver um ataque especulativo contra o país, jogado nos braços do “mercado
financeiro” e diminuindo, no curto prazo, os espaços para demandas sociais
urgentes. Vai ficar para as ruas conquistarem a agenda social restante.
Não há indicio de que nenhuma das
pautas sociais sairá de iniciativas do Planalto e sim das bases sociais que
estão para além da tal da governabilidade. O Partido dos Trabalhadores em 12
anos de governo sequer tentou mudar os marcos institucionais e constitucionais
dos governos neoliberais que o antecederam – a exemplo do que fizeram outras
nações latino-americanas com governos progressistas. Diz ter feito o que podia
nas condições que encontrou, nas regras do jogo, mas fez quase nada para
transformar essas regras. E por isso mesmo seu espaço de manobra se reduziu a
medida que aumentou sua adaptação à ordem que supostamente quereria alterar.
No movimento popular brasileiro, por
sua vez, há uma crise de projeto, pois não aderem plenamente ao lulismo e
tampouco parecem querer rompem com o mesmo governo. Mas é cada vez mais
evidente, também, que a construção dessa outra ordem, elaborada enquanto se a
faz, dependerá ainda mais das conquistas ruas, com ou sem o apoio da esquerda
oficial.
Para reais lutadores sociais a pauta
emancipatória é conhecida: saúde e a educação públicas como prioridade, ampla
reforma política descriminalização das drogas e do aborto, defesa dos direitos
LGBT, promoção de igualdade e autonomia das mulheres, ampliação do direito à
moradia e à cidade, reforma agrária, democratização da comunicação, demarcação
das terras indígenas e ampliação do controle social e da participação popular
nas decisões políticas. É assim que se muda mais, é assim que se veste
vermelho.
Tuesday, 21 October 2014
Desse vermelho
Se queres
vista-a, calce-a, enrola-te em bandeira,
faça fotos,
poses e publique-as na rede com essa cor que pretendes,
cobre-te o
calvo pelas conveniências que te esgueiras.
Mas não te
atrevas a dizer que a conheces.
Porque é
sangue, poeira da terra, queimadura do sol, queimadura de gelo, vergonha, digna
raiva.
É tudo o que
ouvistes contar, e não entendes.
É triste hoje te ver pela rua
com essa
estrela que em ti não brilha, decora; essa cor que em ti é fantasia, revolta.
Fiques certo:
essa cor que vestes, assim, é quase escárnio.
Essa cor que
vestes não é tua.
Primeira coisa: “Voto na Dilma é veto
contra o Aécio”, parafraseando o deputado federal Marcelo Freixo (Psol). Um
mote que deve ser levado muito a sério na atual conjuntura, mas sem descuidar
da reflexão cuidadosa que se exige sobre esta eleição 2014 no Brasil – a mais disputada
e interessante dos últimos anos, de forma a amenizar os perigos do maniqueísmo
construído na narrativa desse pleito e a falta de juízo crítico diante das estripulias,
digamos assim, do Partido dos Trabalhadores (PT).
“Tá serto”, PT. Votaremos em vocês
outra vez, mas entenda este voto-veto como um marco, definitivo, porque também
é preciso humildade para o reconhecimento e autocrítica para a ação. A esquerda
do país, mesmo a de discernimento e principalmente a deslumbrada, fisiológica
ou acrítica, considera que o senador Aécio Neves (PSDB) na condução do Estado hoje
representaria um dos maiores retrocessos da história da república brasileira, e
por isso, pese a existência e o fundamento da campanha pelo voto nulo, há uma
aliança tácita entre alguns, e barulhenta entre muitos, para apoiar mais um
mandato petista, em que se cria uma atmosfera de terror maniqueísta,
supostamente justificada, novamente, pela urgência eleitoral, que tergiversa nossa conjuntura.
No entanto, a realidade deve ser, inadiavelmente, pontuada de forma assertiva e
clara.
Felizmente entre os críticos esse
apoio não se dá sem polêmicas ou desconfianças, algo que se entende observando
três grandes traços do pleito e da dinâmica política do país que se arrasta há
anos sobre os quais podemos apontar:
1- O crescimento da direita e da bancada
ruralista no congresso nacional no primeiro turno – a chamada Frente
Parlamentar da Agroindústria, como aponta o professor Nildo Ourique, da UFSC, tem hoje 257 deputados e senadores, metade do
parlamento, e está comprometida com as estruturas atrasadas da propriedade da
terra e do latifúndio. Um quadro conservador que fez relevo e expressa os
extraordinários benefícios que esse setor obteve nos governos petistas,
notoriamente amarrado a suas contradições. Ao ponto de uma das principais
lideranças desse grupo, a senadora Katia Abreu (PMDB), figura notória da
direita do país, ter declarado apoio a Dilma, além, claro, do apoio de outros
personagens esdrúxulos da política brasileira, como Fernando Collor,
ex-presidente por impeachment, que nunca deveria ter saído do ostracismo, mas
que o PT acolhe sob a empáfia retórica do aclamado pragmatismo político.
2- O discurso entre o bem e o mal – o
maniqueísmo com que foi construída a narrativa do processo eleitoral,
supostamente representado, respectivamente, pelo PT e pelo PSDB, que ignora,
convenientemente, as bizarras contradições políticas, principalmente petistas,
e a difusão ideológica que caracteriza os partidos políticos brasileiros
atualmente, encarcerados, com gosto ou não, pela pressão da governabilidade.
Essa é uma reflexão fundamental para evitar o voto acrítico em Dilma,
impulsionado pela retórica dos militantes, ou dependentes, do partido que
propositalmente deixam de lembrar que o atual modelo não consegue fugir da
equação que associa qualidade de vida e crescimento econômico segundo a lógica
do capital.
3- Os atuais desafios do PT e da
esquerda – ganhando ou perdendo estas eleições, o PT terá que se reavaliar.
Durante vários anos os governos do PT tiveram índices elevados de popularidade,
e houve acomodação do partido. Depois das “jornadas de junho de 2013”, o quadro
se alterou, deixando várias perguntas em aberto e tensão no debate eleitoral.
Se ganhar, o partido será pressionado a não mais se contentar com sua ortodoxia
econômica com alguma preocupação social, e deverá avaliar seus compromissos com
a classe trabalhadora, deverá se esforçar mais para sair do modelo de
capitalismo de mercado. Se perder, haverá uma interessante e pesada avaliação
do seu papel, e erros, na experiência democrática brasileira com importante
repercussões na reorganização das forças políticas de esquerda do país.
OS PROJETOS EM DISPUTA - Mesmo considerando essas generalizações, pode-se ainda
afirmar que há, guardadas suas grandes e inegáveis semelhanças, dois projetos
brasileiros em disputa: um social-desenvolvementista, baseado em alguma
preocupação com inclusão social e distribuição de renda; e outro neoliberal,
baseado em ajuste fiscal, redução do papel do Estado e radicalização do tripé
macroeconômico liberal (meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante).
O primeiro projeto é incompatível em
larga medida com o modelo macroeconômico exercido pelo PT, que é,
essencialmente, o mesmo desde o governo Fernando Henrique Cardoso. De modo que
o PT, aferrado a sua tese de gradualismo, usa, em uma forma especifica, o mesmo slogan de governos autoritários do
passado do Brasil de “ transformação lenta e gradual”, agora, porém, em lugar
do objetivo de democratizar as instituições nacionais sem afetar a ordem nem
apontar culpados, busca avançar em políticas públicas que favoreçam os mais
pobres, mas mantendo e ampliando o poder do capital.
O Partido dos Trabalhadores em 12
anos de governo sequer tentou mudar os marcos institucionais e constitucionais
dos governos neoliberais que o antecederam – a exemplo do que fizeram outras
nações latino-americanas com governos progressistas – e se contentou em fazer o
que chama de “governo do possível”. Mesmo com a retórica progressista, o PT
nunca prescindiu do capital transnacional que lhe dá suporte e acesso a
mercados, e em troca o Estado facilita créditos e recursos a grandes empresas
em detrimento de investimento social, algo que Frei Betto chamou de “processo exportador-extorsivo”.
Esses recursos são de ordem energética, agrária e financeira e caracteriza a
contradição desse modelo neodesenvolvementista que, ao fim e ao cabo, anula as
diferenças estruturais entre esquerda e direita, fazendo com que o chamado processo
pós-neoliberal, em tese em curso, aceite a hegemonia capitalista.
Mas o segundo projeto, representado
por Neves, é ainda pior, porque a economia funcionará atendendo ainda mais os
interesses do capitalismo financeiro, diminuindo, por exemplo, o papel dos
bancos públicos no funcionamento da infraestrutura social em favor de bancos
privados. O condicionamento fiscal que se dará para atender promessas de
redução da meta de inflação restringirá o gasto público em políticas sociais,
gerando desemprego e recessão, aumentando as desigualdades. E as desigualdades
são o centro nevrálgico dos problemas de um Brasil que não precisa focar em fazer
mais riquezas, senão distribuir a existente, radicalmente.
CAMINHOS DA JUSTIÇA SOCIAL – Para realmente mover-se em direção a um futuro focado na libertação dos nossos povos e na conquista de uma sociedade pós-capitalista verdadeiramente emancipada, dois pressupostos básicos sãos necessários: separar crescimento de igualdade e reinventar a democracia.
O primeiro exige superar o estruturalismo econômico, ir além dos instrumentos econômicos tradicionais que, por vezes, quando combinados com vontade política, permitem redução de assimetrias. A luta por igualdade não pode depender de crescimento econômico, porque crescer hoje significa aumentar também o uso de energias poluidoras, como petróleo e carvão, que está concretamente extinguindo o planeta. O crescimento não é infinito porque os recursos e o planeta são finitos. O crescimento, sem ser pensando criticamente, produz e reproduz pobreza. De forma que a transição social é inseparável da transição ecológica.
As desigualdades aumentaram em todo o mundo nos últimos 30 anos com a hegemonia neoliberal, e esse tipo de capitalismo destruiu a capacidade humana de viver como iguais, e força-nos a viver como consumidores. O neoliberalismo destrói nossas liberdades e nos deixa refém de um sistema financeiro que capta a renda produzido pelo trabalho. Igualdade já não pode ser entendida apenas como uma questão de distribuição de riquezas, mas como uma filosofia de ação social, como afirma o intelectual francês Pierre Rosanvallon.
O segundo pensa a democracia, como regime, que tem progredido em todo o mundo, mas degradando-se como forma de vida em sociedade. Ou seja, cresce o sufrágio universal e a liberdade liberal, mas se retrai a ideia de bem-viver comum. A democracia liberal foi capturada pelo poder econômico e distanciou-se da cidadania. A democracia está descolada das aspirações da sociedade e, no caso do Brasil, o sistema eleitoral vigente impõem um presidencialismo de coalizão que gera alianças de interesses fisiológicos, e degradação ideológica, portanto descolada de real emancipação social, em nome da governabilidade.
A reforma política, assim, é um tema essencial desta eleição brasileira porque nos dá uma chance, mesmo que institucional, de “democratizar a democracia”, que deveria passar não apenas por tópicos eleitorais, mas por aumento da participação cidadã na gestão pública, garantia do acesso público à informação, extinção do Senado, reavaliação do sentido de representação e discussão da relação justiça versus controle democrático.
UM CRITÉRIO CLARO – Entre o jogo das semelhanças/diferenças, o projeto de política externa é o que deixa mais claro marcações
entre Dilma Roussef e Aécio Neves. Enquanto a maioria dos analistas
internacionais sérios defendem a continuidade da integração latino-americana
que o Brasil promoveu na última década, o programa de Aécio fala em
“flexibilizar o Mercosul”, ou seja, atacar uma das mais importantes iniciativas
de integração na América do Sul, e que não se limita ao comércio.
O PSDB, defendendo a velha lógica da
integração apenas pela via comercial, quer se alinhar com a Aliança do
Pacífico, de países com governos atualmente de orientação conservadora, e
regressar ao alinhamento assujeitado às potências tradicionais como Estados
Unidos, Japão e União Europeia, que não deixa margem para o questionamento da
arquitetura internacional, que deve fortalecer os relacionamentos Sul-Sul. O
Brasil precisa aprofundar o seu compromisso político e econômico com a região e
sua presença no Sul Global e não ignorar as relações Norte-Sul, relacionar-se
com esses países como igual.
Já o PT pretende avançar na projeção
internacional “ativa e altiva”, como definiu certa vez o ministro Celso Amorim,
e isso se expressa na promoção de uma identidade terceiro-mundista, mas com
participação entre grandes atores emergentes, como o BRICS, a defesa do
multipolarismo, a reforma do multilateralismo, a ênfase na Unasul e na Celac –
opções contra as quais o PSDB e seus seguidores se manifesta reiteradamente.
AVANÇAR É SUPERAR - De modo que há hoje no Brasil, mais
do que nunca, uma disputa entre elites, com a diferença que no PT, por conta do
seu DNA , ainda há quem queira continuar expandindo salários reais, direitos
sociais e bens públicos, enquanto que o PSDB considera que o “peso” democrático
gera irracionalidades econômicas que acabam prejudicando o cidadão.
Um dos grandes traços problemáticos é que governo viável, segundo o
que as lideranças petistas e seus seguidores não cansam de repetir e executar, só
se dá quando assentado nessa ladainha monotemática que celebra o “pragmatismo”,
e a “governabilidade”, relevando, propositalmente, sua indisposição para que o
parâmetro da universalização da cidadania que, a melhor juízo, tentam promover,
não fosse apenas o do cidadão-consumidor, que acaba introduzindo na sociedade
valores de mercantilização de diversas dimensões da vida e da natureza e, em
última análise, reforçando o conservadorismo. Concretamente é isso o que ocorre
hoje, em lugar de projetar alternativas ao capitalismo, em largo prazo e, em
curto prazo, ao menos combinar certas medidas inegavelmente assistencialistas
em vigência – necessárias porque urgentes – com processos de formação e
organização políticas que evitassem a acusação de má-fé com a criação de
redutos eleitorais que reforçam esse ciclo vicioso.
Na lógica histórica da esquerda
latino-americana nunca se materializou a ideia de superação etapista do capitalismo.
Essa suposta realidade de hoje exige muito cuidado para impedir que os avanços,
tímidos mas reais, sejam revertidos pela restauração conservadora e para que a
desesperança não se imponha definitiva e irreversivelmente. O PT, como
governo, tem mais uma oportunidade de fazer valer o seu vermelho, mas o desafio
também abrange outros partidos e movimentos sociais, no jogo da pressão, e comprometidos com a ampliação da nossa imaginação emancipatória.
Wednesday, 27 August 2014
Novo artigo em novo livro! "Palante y masna"!
Na nota do blog O ISTMO: "Editado pelo costarriquenho Willy Soto, professor da
Universidad Nacional de Costa Rica, o livro é uma rica contribuição de
professores e pesquisadores latino-americanos, que aborda assuntos pertinentes
às novas conformações da política e geopolítica latino-americana, bem como seus
modelos de integração, aqui evidenciados a partir do Sistema de Integração
Centro-americano (SICA), Aliança do Pacífico, Mercado Comum do Sul (Mercosul) e
União de Nações Sul-americanas (Unasul). Dentro desses dois grandes temas, o livro traz artigos sobre segurança
regional, migrações, comércio internacional e as relações internacionais da
América Latina com a China e a Europa.
À convite de Soto,
que também é colunista no blog O ISTMO, vários brasileiros publicam neste
livro. A contribuição vinda da Universidade Federal de Pernambuco é de
Aleksander Aguilar, doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência
Política, membro do Núcleo de Estudos Regionais e do Desenvolvimento (D&R)
e do Grupo de Estudos Subalternos, Periféricos e Emergentes (GESPE), de onde
coordena a rede de centro-americanistas O ISTMO.
A partir de suas pesquisas focadas na América Central,
Aguilar participa da publicação com o artigo América Central entre dos Chinas:
de la historia al pragmatismo”.
Tuesday, 15 July 2014
Ainda bem que tivemos "los ticos"
* Publicado também no blog O ISTMO e no blog NOTA DE RODAPÉ
Ah, Costa Rica! O que teria sido de nós, brasileiros, nesta
Copa sem ti. Pensar na tua história neste Mundial, especialmente depois do
trauma do Brasil na semifinal “Mineiraço”, é um alento e uma inusitada forma de
olhar a toda nuestra América. Exemplo, sim, que futebol mistura-se com
política, que só aumentou o imprevisto, mas merecido, reconhecimento da tua
seleção por parte desta “impávida” nação sul-americana – e por extensão do teu
país, e por ampliação de toda a região da América Central.
A chamada América Central, a que o poeta Pablo Neruda
denominou “la dulce cintura de América” tem pouco mais de 500 mil km² (o Brasil
sozinho tem mais de oito milhões de km²) abrigam sete Estados – (Belize, Costa
Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá) com uma população
de quase 50 milhões de habitantes. Atualmente, cerca de 47% dos
centro-americanos vivem em condição de pobreza e 18.6% em pobreza extrema. Mais
de quatro milhões de centro-americanos e descendentes moram fora do istmo,
especialmente nos Estados Unidos. Ditos emigrantes enviam anualmente cerca de
US$ 13 bilhões aos seus familiares nos países de origem, o que no caso de El
Salvador, por exemplo, chega representar 17% do total do PIB do país.
Ao longo da história centro-americana, e depois da
declaração de independência em 1821, o tema da integração regional – primeiro
em suas manifestações unionistas e mais tarde nos esquemas comerciais,
econômicos, políticos e institucionais – tem sido uma constante. No entanto,
nas últimas décadas, especialmente depois do estabelecimento do Sistema de la
Integración Centroamericana (SICA), em 1991, o interesse pelo processo integracionista
aumentou e tem chamado a atenção de um número crescente de setores
sociopolíticos e econômicos no istmo. Hoje a violência e as migrações, conforme
entende o acadêmico da Guatemala radicado na Costa Rica, Rafael Cueva Molina,
são grandes e poderosos traços que caracterizam a região e que tem como uma de
suas causas primordiais as guerras civis dos anos 1980, embora certamente não a
única. As guerras civis centro-americanas conformam uma fase arrebatadora da
história sociopolítica do istmo cujas consequências constituíram-se como o
principal marco contemporâneo para os sentidos de centro-americanidade.Essas diversidades de sentidos expressam-se nessa diferença da Costa Rica do seu entorno. Os ticos queixam-se das deficiências dos seus serviços sociais básicos, como saúde e educação, das má-condições das suas estradas, persistência da desigualdade e da pobreza e, mais recentemente, igualmente a outros países centro-americanos, da crescente força do narcotráfico internacional no seu território. Ainda assim, a Costa Rica é um país chamado de renda média, como o Brasil, e tem alguns melhores índices econômicos e sociais do istmo e de todo o continente, com uma expectativa de vida alta de 79,4 anos (a do Brasil é de 74,6) e uma média de homicídios baixa de 8,9 por 100.000 habitantes (a de Honduras é dez vezes maior). O país atrai pela sua estabilidade política, tendo recebido diversos exilados políticos das ditaduras anos 70 e 80, tanto da América do Sul como dos vizinhos da América Central que efervesciam em guerras. Foi classificado em 2011 como o de maior liberdade de imprensa da América Latina, ocupando a posição 19 em nível mundial, de acordo com o ranking da Organização Repórteres Sem Fronteiras, e impressiona até hoje aqueles que ainda desconhecem que aboliu o seu exército em 1948, em nome de uma proposta, fruto de anos de trabalho, de aumentar a participação cidadã e evitar golpes militares de estado.
No momento, por cima das limitações, sua seleção de futebol,
“os filhos prediletos da nação”, como foram chamados no país, mantem ainda mais
por cima a autoestima dos ticos, e de toda a América Central. Porém, acima
ainda do futebol, a Costa Rica, e todo o istmo, veem-se hoje num lugar em que,
como assevera o jornalista e acadêmico costarriquenho Andrés Mora Ramirez,
nunca, desde a sua independência da Espanha, a região teve que enfrentar uma
necessidade tão marcada de seguir por entre diferentes padrões de crescimento e
de desenvolvimento para buscar sua inserção internacional.
* * * * * * *
Aleksander Aguilar é jornalista, doutorando em Ciência
Política e Relações Internacionais, candidato a escritor, e viajante à Ítaca,
especial para o Nota de RodapéThursday, 26 June 2014
Sobre mais uma ida
Há algo cada vez mais estranho, e que só vai piorar. Não me acostumo, nem quero me acostumar. Estranhamento, no campo da autorreflexão paradoxal, é na verdade um desejo, um requisito, dizem. ]Então talvez não caiba pensar como pior. Mas imaginar que seja melhor... Seja como seja, seja qual for a geometria que tenham, essas dimensões do tempo e do espaço, se é que são dimensões, elas corroem. Já dei adeus às referências, de lá, daqui, do outro lado, e elas seguem corroendo. Corroendo-se, corroendo-me. Neste caso em particular, que é tão particular, cada vez mais me convenço que cada ida é cada vez mais estranha. E nostálgica, sempre, porque a nostalgia é essa eterna fiel companheira. Para muitos, porém e tristemente, indiferente. Ou pelo menos querem que assim seja ou pareça. Mas o estranhamento, em todo o lugar, mesmo ali, é mesmo requisito, dizem. Cada vez que vou eu penso em, "desta vez", não procurar nem avisar a ninguém. Mas porque me importo, repenso, faço. Talvez sejam só as circunstancias, sempre tão voláteis. Tão daquilo que chamamos de jornadas e suas, muitas vezes cruéis e segregantes, diferenças. O que eu sei, eu acho, é que eu me importo. Importar-me faz-me sentir vivo, acho que o faz a todos. O que eu não sei, eu acho, é o que foi o melhor, nem o que é o melhor. Mas me importo. Sobre esta vez, com alguns desses, incríveis, membros dessa finíssima lista que chamamos amigos, conseguimos! Lamento não ter visto outros que também se importam, nem ter registro com outros que vi que também se importam, ou termos nos limitado a eventuais cruzadas pela rua, ou combinações que ficaram pendentes. Aprendo, infelizmente, que o presencial é fundamental. O tempo e a distância corroem. Mas eu sinto e me importo.
Sunday, 18 May 2014
O jogo que não termina em Honduras e a participação do Brasil
A colaboradora
do Centro-américa em foco (nome provisório), acadêmica e articulista salvadorenha, Carmen Elena
Villacorta, resenhou o livro “Honduras 2013: golpe de Estado, elecciones y
tensiones del ordem político”, com edição e organização do sociólogo argentino
Esteban de Gori, publicado em março deste ano
(publicação disponível para download aqui).
São artigos de 16 centro-americanistas, de diferentes nacionalidades, e um dos capítulos é o texto com que tive o privilégio de participar da obra, sobre o “jogo” do Brasil com o país centro-americano. No conjunto o trabalho reúne diferentes visões, análises e inquietações com o presente e os rumos de Honduras pós-golpe de 2009 e de toda a América Central. A resenha de Carmen Elena, que também participa do livro juntamente com o Esteban, ambos colaboradores do blog sobre aAmérica Central que editamos, faz um excelente apanhado de todos os artigos e resulta numa excelente contribuição ao debate.
São artigos de 16 centro-americanistas, de diferentes nacionalidades, e um dos capítulos é o texto com que tive o privilégio de participar da obra, sobre o “jogo” do Brasil com o país centro-americano. No conjunto o trabalho reúne diferentes visões, análises e inquietações com o presente e os rumos de Honduras pós-golpe de 2009 e de toda a América Central. A resenha de Carmen Elena, que também participa do livro juntamente com o Esteban, ambos colaboradores do blog sobre aAmérica Central que editamos, faz um excelente apanhado de todos os artigos e resulta numa excelente contribuição ao debate.
A resenha
completa pode ser lida aqui, e meu texto foi resenhado assim:
“El libro está compuesto por 16
ensayos breves y consta de 153 páginas. El primer artículo es del periodista
brasileño-salvadoreño, Magíster en Estudios Internacionales y doctorando en
Ciencia Política en la Universidad Federal de Pernambuco (Brasil), Aleksander
Aguilar. Escrito y publicado en portugués, el texto ofrece una radiografía de
la realidad hondureña, particularmente a raíz de la crisis iniciada por el golpe
de Estado de junio de 2009, y expone la controversia respecto de la
intervención brasileña en el conflicto. El autor presenta a Honduras como uno
de los países más pobres y violentos de América Latina, cuya tasa de homicidios
cuadriplica la cantidad de asesinatos contabilizados en Brasil, al ascender a
86 por cada 100 mil habitantes.
Según Aguilar, Honduras es, también,
el país centroamericano con menos movilidad en las élites políticas y con mayor
injerencia de las élites económicas en las instituciones del Estado. Tras
explicar que fue el retorno clandestino del presidente hondureño depuesto,
Manuel Zelaya a Honduras, en septiembre de 2009, el hecho que otorgó
protagonismo a Brasil en la crisis del país centroamericano, Aguilar cuestiona
a los críticos del apoyo ofrecido por el presidente Lula Da Silva a Zelaya.
Dichos críticos aseguraron que Centroamérica no ha sido históricamente una
región de interés ni de influencia brasileña, lo cual desvirtuaría la
participación de Brasil en la crisis de 2009. A juicio de Aguilar, tal
argumento se alinea con el espíritu de la Doctrina Monroe y de la Doctrina de
Seguridad Nacional, las cuales asumen a Centroamérica como zona geoestratégica
en función de los intereses de Estados Unidos. Por su parte, el empresariado
hondureño mostró su insatisfacción ante la actitud de Brasil en Honduras, toda
vez que no repercutió en millonarios negocios bilaterales. El autor se apoya en
evidencia empírica para mostrar que la relación entre Brasil y Honduras no
reviste importancia por razones económicas, sino políticas, y considera
coherente con el interés brasileño de afianzar su liderazgo en América Latina
hacerse partícipe en salvaguardar la democracia en la región.”
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Honduras,
Mis analisis
Friday, 2 May 2014
Thursday, 17 April 2014
Laclau e Garcia Márquez
São duas mortes esta semana. Duas perdas de referências de reflexão, de magia, de realidade. Dois latino-americanos da mesma geração que ganharam o mundo por seu talento e ideias, idolatrados e referenciados, que de tão importantes me faz urgir, na minha pretensão pessoal, um convite a um registro em deferência, perdido, neste espaço tão intimo quanto público que cultivo com prazer.
Explicitar e homenagear o que se conhece na jornada é parte obrigatória dela.
Politica e lirismo sempre se misturam, tal como Laclau e Garcia Márquez. Tive a oportunidade de conversar com o primeiro no ano passado, e fazer a posteridade com orgulho; nunca tive o mesmo privilégio e sorte
de conhecer a Gabo.
Obrigado, mestres. Seus respectivos legados, em campos paradoxalmente tão distantes quanto próximos, seguirão perenes, pra nossa admiração e inspiração.
Wednesday, 9 April 2014
Fome, sangue e impunidade: as transições incompletas de Brasil e El Salvador
No mês passado tive a oportunidade de entrevistar Benjamin Cuellar, tão conhecido quanto polêmico ativista de Direitos Humanos em El Salvador. Importante material que a agência Rede Brasil Atual comprou e originalmente publicou e reproduzimos no blog Centro-américa em foco - nosso projeto de construção de uma rede de opinião especializada centro-americana, para ter visibilidade principalmente no Brasil, que impulsionamos desde a UFPE como parte das atividades do doutorado.
Deixo o registro também aqui no velho combatente Dêiticos :)
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Entrevista com Benjamin Cuellar: um dos mais importantes ativistas de Direitos Humanos na América Central, convidado do Ministério da Justiça para o Congresso Internacional sobre os 50 anos do golpe militar-civil brasileiro, fala sobre os processos de verdade, justiça e reparação na conturbada região pós-guerra e sobre as expectativas de resultados desse debate e da Comissão da Verdade no Brasil
*Por Aleksander Aguilar
Nove anos na organização guerrilheira salvadorenha Forças Populares de Libertação (FPL); oito anos, dois meses e cinco dias no exílio no México e 22 anos como diretor do Instituto de Direitos Humanos da Universidade Centro-americana (UCA). É assim, com o mesmo hábito que parece comum nas narrativas de ex-presos políticos ao contabilizar até o número de dias em que esteve fora do lugar de origem, que um dos mais importantes ativistas em Direitos Humanos da América Central, Benjamin Cuellar, resume os períodos mais definidores de trajetória.
Cuellar foi um dos convidados entre os muitos nomes de alto perfil que participaram nos dias 10 e 14 de março, em Recife, do Congresso Internacional “50 anos depois: A Nova Agenda da Justiça de Transição no Brasil”, primeiro evento oficial da Comissão de Anistia do Ministério de Justiça sobre o aniversário de cinco décadas do golpe de Estado militar-civil no Brasil, que abriu uma extensa programação de atividades em todo o país.
Especialistas e pesquisadores de várias áreas acadêmicas e reconhecidos militantes da América Latina, Estados Unidos, Europa e África analisaram criticamente os atuais avanços e obstáculos da Justiça de Transição no Brasil, o que ainda resta da ditadura em nossos dias e como fomentar ações sobre memória, verdade, justiça e reparação. Entre esses, o juiz espanhol, responsável pela condenação do ditador chileno Augusto Pinochet, Baltazar Garzón; o Procurador Geral da Argentina, Pablo Parenti: o cineasta Silvio Tendler, que no evento comentou a pré-estreia do longa-metragem “Militares da Democracia: os militares que disserem não” e Patricia Valdez, da Coalizão Internacional de Sítios de Consciência.
O outro nome desse rol, em destaque nesta entrevista, o salvadorenho Benjamin Cuellar, é, aos 58 anos, um homem de muitas histórias e opiniões contundentes, certamente polêmicas, sobre a conjuntura política centro-americana e o estado dos Direitos Humanos nessa região historicamente convulsionada do globo.
Comumente negligenciado por boa parte do debate político de projeção internacional, entre o hegemônico Norte e o promissor Sul do continente americano, está o Centro, a chamada América Central, o pequeno istmo geográfico conformado por sete Estados com menos de 50 milhões de habitantes em pouco mais de 500 mil km² (o Brasil, sozinho, tem mais de oito milhões de km²). A realidade sociopolítica da América Central – embora geopoliticamente inscrita no que se entende como América Latina, área que mobiliza muitos interesses econômicos, políticos e acadêmicos nessas primeiras décadas do século 21 – situa-se nesse lugar periférico do sistema internacional.
No período da Guerra Fria, porém, a região centro-americana foi foco de atenção dos problemas internacionais de uma geração de analistas que entendiam o istmo como um dos principais palcos do conflito bipolar e concentravam-se em problemas relacionados, principalmente com as causas e consequências desses conflitos armados. Em El Salvador a guerra entre as forças rebeldes organizadas na Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e os governos autoritários do país durou, oficialmente, de 1980 a 1992, e deixou marcas “exemplares” de terrorismo de estado, que chamou a atenção do mundo por altíssimos níveis de violência com mais de 75 mil mortos e desaparecidos e impressionou autoridades das Nações Unidas, ao ponto da ONU decidir concentrar grandes esforços de mediação no pequeno país e estabelecer uma Comissão da Verdade, como condição para negociação do fim da guerra, que foi considerada por essa organização internacional uma experiência “modelo” de reconciliação.
Logo dos Acordos de Paz, nos anos 90, que puseram fim a hostilidade bélica nos países que conformam a América Central, os desafios da transição à democracia perpassam velhos e novos problemas tais como migrações, violência, narcotráfico e crime organizado, memória histórica, desenvolvimento econômico, espaço urbano, novas relações internacionais e direitos humanos. Essa última é a área que Cuellar, um dos fundadores da Rede Latino-americana de Justiça de Transição, lançada oficialmente no Congresso Internacional do qual participou na capital pernambucana, analisa com base na experiência e nos dá importantes perspectivas de dentro da região que servem também de reflexão para o processo brasileiro nessa temática.
Como você se envolveu com a militância em Direitos Humanos? O que você observou e aprendeu do período da guerra salvadorenha?
A princípio, segui os passos do meu irmão mais velho, que foi fundador e diretor do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, e também do meu pai, que foi secretário-geral da Universidade de El Salvador. Em 1972, quando os militares invadiram e passaram a administrar a universidade, ele foi perseguido e agredido por soldados na nossa própria casa. São imagens que marcam a formação de uma pessoa.
Entrei na universidade já militarizada em 1973, como estudante de Direito, e logo integrei a equipe de futebol da instituição. Disputávamos e ganhamos vários campeonatos, inclusive continentais, até que as FPL me proibiram de seguir jogando, sob o argumento de se tratava de uma atividade a serviço da ideologia pequeno-burguesa (risos). Uma pena, não é? Era a melhor cobertura que poderia ter, já que não imaginariam que um jogador da equipe oficial da universidade estava envolvido com a guerrilha. Mas apesar de terem-me feito sair do time, em 1982 me pediram para levar uma televisão até ao acampamento de Chalatenango (região ocidental de El Salvador que durante a guerra estava sob controle da guerrilha). E para que? Para ver a Copa do Mundo daquele ano…
Ainda como estudante, participei de projetos de alfabetização em zonas periféricas do país, utilizando o método Paulo Freire. E, em 1974, durante essas atividades, conheci algumas pessoas das FPL que me recrutaram para a organização. Estive nas FPL até maio de 1983 quando decidi me retirar. Ainda não tinha muita noção precisa de Direitos Humanos, mas uma intuição e, na guerra, via-se uma diversidade de temas problemáticos: crianças trabalhando como mensageiros, direitos das mulheres, trato de prisioneiros.
Em outubro daquele mesmo ano, fui para o exílio no México, para onde já havia ido o meu irmão, logo depois da morte de Monsenhor Romero (bispo de El Salvador cujo assassinato em 1980 foi o estopim da guerra civil). Ali, com a ajuda de um frade que havia apoiado meu irmão, participei do projeto de criação de uma instituição de direitos humanos e fundamos o Centro de Direitos Humanos Frade Francisco Victoria, que se torna um dos maiores do México.
Permaneci no país exatamente até 5 de janeiro de 1992, quando regresso a El Salvador, já às vésperas da assinatura oficial dos Acordos de Paz que deram fim ao conflito bélico no país (em 16 de janeiro daquele ano) e contratado pela Universidade Centro-americana José Simeón Cañas (UCA) para dirigir o recém-criado Instituo de Direitos Humanos (Idhuca).
Como você avalia a situação dos Direitos Humanos de maneira geral na América Central, e mais particularmente em El Salvador?
Eu divido a região em sub-regiões. Uma coisa é Nicarágua, Costa Rica e Panamá. Os dois últimos já sabemos que se distinguem de características mais gerais de bem-estar do resto da região, mas também Nicarágua, que tem altos índices de pobreza e desigualdade social, não tem a violência e os problemas principais que temos no Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala) que são fome, sangue e impunidade.
Em Nicarágua, sim, há fome, mas não há sangue. E, junto à Costa Rica e Panamá, nesses países houve processos históricos, revolucionários ou institucionais, que se não alcançaram fazer mudanças estruturais, pelo menos trouxeram mudanças que os colocaram em melhor posição, com mais participação de comunidades organizadas, com melhores condições de educação e seguridade social.
Já nos países do Triângulo Norte, com maior ou menor intensidade, as revoluções truncadas ou empatadas que não chegaram ao poder, ajudaram a deixar os países do jeito em que estamos; em que prevalecem as causas que os levaram aos conflitos armados: fome, sangue e impunidade, para jogar com as palavras, mas que também se pode traduzir em falta de direitos econômicos, sociais e culturais, falta de direito à segurança cidadã e de direito à justiça.
Há outros, mas se não priorizamos caímos justamente na crítica de Ignacio Ellacuria (filósofo, escritor e teólogo espanhol, naturalizado salvadorenho, que foi assassinado pelas Forças Armadas salvadorenhas quando ocupava o cargo de reitor da UCA, em 1989, junto a outros cinco padres jesuítas dirigentes universitários no episódio da guerra que ficou conhecido como “o massacre da UCA”) sobre a falta de historificação dos Direitos Humanos que, por vezes, se apresenta como uma larga lista supostamente acessível para todos, que são iguais e universais… Isso é mentira, porque é preciso historicizar segundo a realidade de cada lugar.
Sobre o governo Mauricio Funes, da FMLN, (2009-2014) sobre o qual o senhor tem sido bastante crítico, qual sua avaliação da política de Direitos Humanos?
Eu sempre fui crítico de todos os governos. É o trabalho que corresponde a um ativista de direitos humanos, aplaudir o que é bom e apontar o que é mau. O problema não é botar o dedo na ferida, o problema é a ferida. Mas aqui foi preciso colocar o dedo na ferida com mais evidencia porque deveria ter sido o governo da mudança, porém a fome, o sangue e a impunidade persistem.
Às vezes, se escuta aqueles que dizem que a situação dos Direitos Humanos em El Salvador está boa, mas isso só pode ser dito porque a estão comparando com o inferno em que estávamos antes! Se compararmos com o paraíso que foi prometido na campanha de Mauricio Funes, ainda estamos, na verdade, muito mais próximos desse inferno.
E por que esse “governo da mudança e da esperança” teve esses resultados nas últimas eleições? (a FMLN se reelegeu no segundo turno da eleição de março com uma diferença de apenas 0.2% do candidato direitista da oposição, do partido Arena).
Porque fomentou o clientelismo político com programas assistenciais, criando grande gasto social, não investimento social, para que o povo se agarre aos sapatos e cadernos que lhes foram disponibilizados e permaneçam na posição de ajudados sem se converter em sujeitos políticos.
Mas não houve avanços em Justiça de Transição?
Fome e sangue são estruturais. Tem a ver com acordos internos entre os interesses presentes no país que incluem o setor privado – e não com os homens das cavernas que se dizem do setor empresarial-privado em El Salvador – e um Estado que faça investimento social. Já a impunidade tem a ver com algo que, para mim, faz de Mauricio Funes um presidente nefasto.
Apresentar-se como um discípulo de Monsenhor Romero, um santo de América, e chegar aos organismos internacionais, como à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e dizer que cumpriu com o que lhe cabia, com as reparações… Por favor! Que reparação no caso da UCA, por exemplo? Fizeram uma homenagem aos jesuítas, aos 20 anos do massacre, e entregaram a Ordem Jose Matias Delgado, a mais alta do país, e pediram perdão. Mas nem foram incluídas todas as vítimas fatais na homenagem, apenas os seis jesuítas, a mãe e a filha, funcionárias da universidade, que estavam lá e morreram pelo simples fato de estarem lá, nem foram mencionadas.
O mais importante, porém, é que a investigação, o julgamento e a sanção dos responsáveis pelo massacre não foi realizado. E menos ainda fez-se esforços para revogar a lei de anistia. Por qual razão? ‘Ah, o fiscal-geral da República não quer investigar. Pedimos para investigar, mas não o fez’. Isso foi dito pelo representante do governo salvadorenho na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, David Moraes, que agora é o Procurador de Direitos Humanos do país.
Veja, o trabalho em Direitos Humanos exige três coisas: recursos, capacidades, vontade política, que quaisquer políticos dizem que tem, todos querem acabar com a impunidade. Mas a isso é preciso agregar coragem, para tocar o intocável.
O governo FMLN teve aliados que lhe deram maioria na Assembleia em distintos períodos do mandato. Poderia ter apresentado a Assembleia Legislativa algo para, pelo menos, reformar, segundo standards internacionais, a lei de anistia, mas não o fez.
Isso foi a situação do governo Funes ou é a posição da FMLN? Agora que, pela primeira vez, a Frente estará no poder com um presidente que foi um ex-comandante guerrilheiro (Sanchez Ceren, recém eleito) isso não poderá representar progressos de fato nesse campo?
Irá ele revogar a lei de anistia? O primeiro, nesse caso, a ser acusado seria ele mesmo, por conta de todos os episódios de violência na guerra nos quais esteve envolvido. Ou seja, não irá fazer nada. E, além disso, na própria campanha já anunciava que é preciso olhar para a frente. Eu não falo de otimismo ou pessimismo. Porque se tivesse otimismo, eu seria como aquele a quem empurram de um edifício de 20 andares e, durante a queda, lá pelo décimo andar, ele fica contente porque ainda não lhe aconteceu nada… Eu falo é de realismo.
Há indícios de militares que sabia da ordem do massacre da UCA, por exemplo, que não colaboraram com a Comissão da Verdade, nem com o processo na Audiência Nacional Espanhola (os oficiais acusados de envolvimento no massacre foram intimados na Espanha). E os protegem. Há sinais que mostram que vai passar com Ceren o mesmo que passou com Funes. No governo de Funes, me olhavam como se fosse da Arena, mas trabalho com Direitos Humanos e aqui não há nem rico nem pobre, nem esquerda nem direita, mas, sim, a dignidade das pessoas.
Quando Funes estava em campanha ninguém se deu conta, ou se fizeram de desentendidos, que ele disse que não tocaria em três coisas que efetivamente impediriam que a fome, o sangue e a impunidade seguissem no país: no tratado de livre comércio com os Estados Unidos, na dolarização da economia de El Salvador (vigente desde 2001) e na lei de anistia. Sanchez Ceren já disse o mesmo.
Como centro-americano e a partir da experiência e expertise nesse debate de Justiça de Transição, como o senhor vê essa discussão sobre memoria, verdade e justiça no Brasil?
Eu acho que o Brasil é um exemplo de como fazer as coisas. Não são perfeitas, obviamente, mas além do Estado, na figura muito ativa do presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, eu sinto que há, na base, por baixo e por dentro, uma participação muito maior da sociedade. Porque El Salvador é um exemplo de que de por fora e por cima não se arrumam as coisas.
Nem com acordo, nem com eleições, nem com alternância, nem com governos “puro sangue”, ou seja, sem participação das pessoas, não se resolve. Se a FMLN trabalha bem, terá apoio da sociedade. Eu, como cidadão, como Benjamin Cuellar, vou aplaudir o que for bem feito. Mas não haverá solução sem a participação das pessoas. Em El Salvador, por conta de uma guerra tão intensa como a que houve, é que ocorre essa polarização que há no país, porque as pessoas esperaram que a guerrilha lhes resolvessem os problemas com a guerra e, depois dos Acordos de Paz, que a FMLN agora lhes resolvessem os problemas como partido, com eleições. Sabe como é o ditado: ‘só o povo salva o povo’, mas apenas se estiver organizando, demandando e exigindo soluções.
Considerando sua posição realista, como o senhor se define, considera que o Brasil está num melhor caminho? Digo isso, porque, pragmaticamente, falando que a lei de anistia segue sendo um entrave à Justiça de Transição no Brasil tanto quanto parece ser em El Salvador…
Sim, mas a diferença está enquanto às vítimas de fome, sangue e impunidade assumem o papel protagonista nesse processo reparatório e, no Brasil, sinto que o assumem muito mais do que em El Salvador. Tenho dois anos de trabalho com organizações brasileiras para a criação da Rede Latino-americana de Justiça de Transição e sinto que essa diferença é marcante.
Considerando a experiência também da Comissão da Verdade de El Salvador, do que foi e dos seus resultados, o que se pode esperar da Comissão brasileira?
Insisto, se o protagonismo da sociedade não se mantém, ocorrerá no Brasil o que ocorreu em El Salvador, isto é> aqui a comissão é nacional, criada pelo governo. A salvadorenha foi criada três meses depois do fim da guerra e toda a equipe era internacional, mas as recomendações, mesmo no governo da FMLN, não foram cumpridas e as coisas ficaram por isso mesmo.
Mesmo a depuração das Forças Armadas. Saíram apenas 100 de mais de 1300 oficiais, ou seja, se considera que apenas 100 foram violadores de Direitos Humanos durante a guerra. A criação da Policia Nacional Civil (PNC) foi marcada por uma falha de origem e continuou militarizada. O melhor exemplo do fracasso dessa Polícia é que, desde 16 de julho de 1993, apenas um ano e meio depois da assinatura dos Acordos de Paz, o exército tem estado nas ruas fazendo papel de polícia permanentemente. Em 2011, no governo Funes, segundo informe oficial do Ministério da Defesa, temos mais de 8 mil soldados na segurança pública.
Então, das recomendações da comissão, apenas aquelas que eram politicamente toleráveis e que se podiam implementar por acordo foram feitas. Do grupo de recomendações sobre reconciliação nacional estão, por exemplo, a construção de um monumento às vítimas, um dia nacional de honra as vítimas, indenização moral e material, discussão nacional sobre o que se fazer com essa verdade – nada se cumpriu. Segue pendente, ainda, como parte da garantia de não-repetição desses feitos, a assinatura ao Estatuto de Roma (que adscreve o país à Corte Penal Internacional). Enquanto os violadores de direitos humanos do passado estão brindados com a anistia, os violadores de direitos humanos do futuro estão brindados com a não adesão ao estatuto. Em El Salvador, cinco dias depois da divulgação do informe da Comissão, passaram a lei de anistia. Ou seja, mataram o informe, enterraram-no e a lápide se chama “lei de anistia”.
Para que serve o informe da Comissão da Verdade?
Ele não é um fim em si mesmo, é uma ferramenta para que as vítimas e a sociedade o tomem nas mãos e exijam o cumprimento. Se o povo ficar esperando que o PT, no Brasil, ou a FMLN, em El Salvador, tragam a solução, ficarão sem ver nada.
*Aleksander Aguilar é jornalista, mestre em Estudos Internacionais pela Universitat de Barcelona, doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
Deixo o registro também aqui no velho combatente Dêiticos :)
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Entrevista com Benjamin Cuellar: um dos mais importantes ativistas de Direitos Humanos na América Central, convidado do Ministério da Justiça para o Congresso Internacional sobre os 50 anos do golpe militar-civil brasileiro, fala sobre os processos de verdade, justiça e reparação na conturbada região pós-guerra e sobre as expectativas de resultados desse debate e da Comissão da Verdade no Brasil
*Por Aleksander Aguilar
Nove anos na organização guerrilheira salvadorenha Forças Populares de Libertação (FPL); oito anos, dois meses e cinco dias no exílio no México e 22 anos como diretor do Instituto de Direitos Humanos da Universidade Centro-americana (UCA). É assim, com o mesmo hábito que parece comum nas narrativas de ex-presos políticos ao contabilizar até o número de dias em que esteve fora do lugar de origem, que um dos mais importantes ativistas em Direitos Humanos da América Central, Benjamin Cuellar, resume os períodos mais definidores de trajetória.
Cuellar foi um dos convidados entre os muitos nomes de alto perfil que participaram nos dias 10 e 14 de março, em Recife, do Congresso Internacional “50 anos depois: A Nova Agenda da Justiça de Transição no Brasil”, primeiro evento oficial da Comissão de Anistia do Ministério de Justiça sobre o aniversário de cinco décadas do golpe de Estado militar-civil no Brasil, que abriu uma extensa programação de atividades em todo o país.
Especialistas e pesquisadores de várias áreas acadêmicas e reconhecidos militantes da América Latina, Estados Unidos, Europa e África analisaram criticamente os atuais avanços e obstáculos da Justiça de Transição no Brasil, o que ainda resta da ditadura em nossos dias e como fomentar ações sobre memória, verdade, justiça e reparação. Entre esses, o juiz espanhol, responsável pela condenação do ditador chileno Augusto Pinochet, Baltazar Garzón; o Procurador Geral da Argentina, Pablo Parenti: o cineasta Silvio Tendler, que no evento comentou a pré-estreia do longa-metragem “Militares da Democracia: os militares que disserem não” e Patricia Valdez, da Coalizão Internacional de Sítios de Consciência.
O outro nome desse rol, em destaque nesta entrevista, o salvadorenho Benjamin Cuellar, é, aos 58 anos, um homem de muitas histórias e opiniões contundentes, certamente polêmicas, sobre a conjuntura política centro-americana e o estado dos Direitos Humanos nessa região historicamente convulsionada do globo.
Comumente negligenciado por boa parte do debate político de projeção internacional, entre o hegemônico Norte e o promissor Sul do continente americano, está o Centro, a chamada América Central, o pequeno istmo geográfico conformado por sete Estados com menos de 50 milhões de habitantes em pouco mais de 500 mil km² (o Brasil, sozinho, tem mais de oito milhões de km²). A realidade sociopolítica da América Central – embora geopoliticamente inscrita no que se entende como América Latina, área que mobiliza muitos interesses econômicos, políticos e acadêmicos nessas primeiras décadas do século 21 – situa-se nesse lugar periférico do sistema internacional.
No período da Guerra Fria, porém, a região centro-americana foi foco de atenção dos problemas internacionais de uma geração de analistas que entendiam o istmo como um dos principais palcos do conflito bipolar e concentravam-se em problemas relacionados, principalmente com as causas e consequências desses conflitos armados. Em El Salvador a guerra entre as forças rebeldes organizadas na Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e os governos autoritários do país durou, oficialmente, de 1980 a 1992, e deixou marcas “exemplares” de terrorismo de estado, que chamou a atenção do mundo por altíssimos níveis de violência com mais de 75 mil mortos e desaparecidos e impressionou autoridades das Nações Unidas, ao ponto da ONU decidir concentrar grandes esforços de mediação no pequeno país e estabelecer uma Comissão da Verdade, como condição para negociação do fim da guerra, que foi considerada por essa organização internacional uma experiência “modelo” de reconciliação.
Logo dos Acordos de Paz, nos anos 90, que puseram fim a hostilidade bélica nos países que conformam a América Central, os desafios da transição à democracia perpassam velhos e novos problemas tais como migrações, violência, narcotráfico e crime organizado, memória histórica, desenvolvimento econômico, espaço urbano, novas relações internacionais e direitos humanos. Essa última é a área que Cuellar, um dos fundadores da Rede Latino-americana de Justiça de Transição, lançada oficialmente no Congresso Internacional do qual participou na capital pernambucana, analisa com base na experiência e nos dá importantes perspectivas de dentro da região que servem também de reflexão para o processo brasileiro nessa temática.
Como você se envolveu com a militância em Direitos Humanos? O que você observou e aprendeu do período da guerra salvadorenha?
A princípio, segui os passos do meu irmão mais velho, que foi fundador e diretor do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, e também do meu pai, que foi secretário-geral da Universidade de El Salvador. Em 1972, quando os militares invadiram e passaram a administrar a universidade, ele foi perseguido e agredido por soldados na nossa própria casa. São imagens que marcam a formação de uma pessoa.
Entrei na universidade já militarizada em 1973, como estudante de Direito, e logo integrei a equipe de futebol da instituição. Disputávamos e ganhamos vários campeonatos, inclusive continentais, até que as FPL me proibiram de seguir jogando, sob o argumento de se tratava de uma atividade a serviço da ideologia pequeno-burguesa (risos). Uma pena, não é? Era a melhor cobertura que poderia ter, já que não imaginariam que um jogador da equipe oficial da universidade estava envolvido com a guerrilha. Mas apesar de terem-me feito sair do time, em 1982 me pediram para levar uma televisão até ao acampamento de Chalatenango (região ocidental de El Salvador que durante a guerra estava sob controle da guerrilha). E para que? Para ver a Copa do Mundo daquele ano…
Ainda como estudante, participei de projetos de alfabetização em zonas periféricas do país, utilizando o método Paulo Freire. E, em 1974, durante essas atividades, conheci algumas pessoas das FPL que me recrutaram para a organização. Estive nas FPL até maio de 1983 quando decidi me retirar. Ainda não tinha muita noção precisa de Direitos Humanos, mas uma intuição e, na guerra, via-se uma diversidade de temas problemáticos: crianças trabalhando como mensageiros, direitos das mulheres, trato de prisioneiros.
Em outubro daquele mesmo ano, fui para o exílio no México, para onde já havia ido o meu irmão, logo depois da morte de Monsenhor Romero (bispo de El Salvador cujo assassinato em 1980 foi o estopim da guerra civil). Ali, com a ajuda de um frade que havia apoiado meu irmão, participei do projeto de criação de uma instituição de direitos humanos e fundamos o Centro de Direitos Humanos Frade Francisco Victoria, que se torna um dos maiores do México.
Permaneci no país exatamente até 5 de janeiro de 1992, quando regresso a El Salvador, já às vésperas da assinatura oficial dos Acordos de Paz que deram fim ao conflito bélico no país (em 16 de janeiro daquele ano) e contratado pela Universidade Centro-americana José Simeón Cañas (UCA) para dirigir o recém-criado Instituo de Direitos Humanos (Idhuca).
Como você avalia a situação dos Direitos Humanos de maneira geral na América Central, e mais particularmente em El Salvador?
Eu divido a região em sub-regiões. Uma coisa é Nicarágua, Costa Rica e Panamá. Os dois últimos já sabemos que se distinguem de características mais gerais de bem-estar do resto da região, mas também Nicarágua, que tem altos índices de pobreza e desigualdade social, não tem a violência e os problemas principais que temos no Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala) que são fome, sangue e impunidade.
Em Nicarágua, sim, há fome, mas não há sangue. E, junto à Costa Rica e Panamá, nesses países houve processos históricos, revolucionários ou institucionais, que se não alcançaram fazer mudanças estruturais, pelo menos trouxeram mudanças que os colocaram em melhor posição, com mais participação de comunidades organizadas, com melhores condições de educação e seguridade social.
Já nos países do Triângulo Norte, com maior ou menor intensidade, as revoluções truncadas ou empatadas que não chegaram ao poder, ajudaram a deixar os países do jeito em que estamos; em que prevalecem as causas que os levaram aos conflitos armados: fome, sangue e impunidade, para jogar com as palavras, mas que também se pode traduzir em falta de direitos econômicos, sociais e culturais, falta de direito à segurança cidadã e de direito à justiça.
Há outros, mas se não priorizamos caímos justamente na crítica de Ignacio Ellacuria (filósofo, escritor e teólogo espanhol, naturalizado salvadorenho, que foi assassinado pelas Forças Armadas salvadorenhas quando ocupava o cargo de reitor da UCA, em 1989, junto a outros cinco padres jesuítas dirigentes universitários no episódio da guerra que ficou conhecido como “o massacre da UCA”) sobre a falta de historificação dos Direitos Humanos que, por vezes, se apresenta como uma larga lista supostamente acessível para todos, que são iguais e universais… Isso é mentira, porque é preciso historicizar segundo a realidade de cada lugar.
Sobre o governo Mauricio Funes, da FMLN, (2009-2014) sobre o qual o senhor tem sido bastante crítico, qual sua avaliação da política de Direitos Humanos?
Eu sempre fui crítico de todos os governos. É o trabalho que corresponde a um ativista de direitos humanos, aplaudir o que é bom e apontar o que é mau. O problema não é botar o dedo na ferida, o problema é a ferida. Mas aqui foi preciso colocar o dedo na ferida com mais evidencia porque deveria ter sido o governo da mudança, porém a fome, o sangue e a impunidade persistem.
Às vezes, se escuta aqueles que dizem que a situação dos Direitos Humanos em El Salvador está boa, mas isso só pode ser dito porque a estão comparando com o inferno em que estávamos antes! Se compararmos com o paraíso que foi prometido na campanha de Mauricio Funes, ainda estamos, na verdade, muito mais próximos desse inferno.
E por que esse “governo da mudança e da esperança” teve esses resultados nas últimas eleições? (a FMLN se reelegeu no segundo turno da eleição de março com uma diferença de apenas 0.2% do candidato direitista da oposição, do partido Arena).
Porque fomentou o clientelismo político com programas assistenciais, criando grande gasto social, não investimento social, para que o povo se agarre aos sapatos e cadernos que lhes foram disponibilizados e permaneçam na posição de ajudados sem se converter em sujeitos políticos.
Mas não houve avanços em Justiça de Transição?
Fome e sangue são estruturais. Tem a ver com acordos internos entre os interesses presentes no país que incluem o setor privado – e não com os homens das cavernas que se dizem do setor empresarial-privado em El Salvador – e um Estado que faça investimento social. Já a impunidade tem a ver com algo que, para mim, faz de Mauricio Funes um presidente nefasto.
Apresentar-se como um discípulo de Monsenhor Romero, um santo de América, e chegar aos organismos internacionais, como à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e dizer que cumpriu com o que lhe cabia, com as reparações… Por favor! Que reparação no caso da UCA, por exemplo? Fizeram uma homenagem aos jesuítas, aos 20 anos do massacre, e entregaram a Ordem Jose Matias Delgado, a mais alta do país, e pediram perdão. Mas nem foram incluídas todas as vítimas fatais na homenagem, apenas os seis jesuítas, a mãe e a filha, funcionárias da universidade, que estavam lá e morreram pelo simples fato de estarem lá, nem foram mencionadas.
O mais importante, porém, é que a investigação, o julgamento e a sanção dos responsáveis pelo massacre não foi realizado. E menos ainda fez-se esforços para revogar a lei de anistia. Por qual razão? ‘Ah, o fiscal-geral da República não quer investigar. Pedimos para investigar, mas não o fez’. Isso foi dito pelo representante do governo salvadorenho na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, David Moraes, que agora é o Procurador de Direitos Humanos do país.
Veja, o trabalho em Direitos Humanos exige três coisas: recursos, capacidades, vontade política, que quaisquer políticos dizem que tem, todos querem acabar com a impunidade. Mas a isso é preciso agregar coragem, para tocar o intocável.
O governo FMLN teve aliados que lhe deram maioria na Assembleia em distintos períodos do mandato. Poderia ter apresentado a Assembleia Legislativa algo para, pelo menos, reformar, segundo standards internacionais, a lei de anistia, mas não o fez.
Isso foi a situação do governo Funes ou é a posição da FMLN? Agora que, pela primeira vez, a Frente estará no poder com um presidente que foi um ex-comandante guerrilheiro (Sanchez Ceren, recém eleito) isso não poderá representar progressos de fato nesse campo?
Irá ele revogar a lei de anistia? O primeiro, nesse caso, a ser acusado seria ele mesmo, por conta de todos os episódios de violência na guerra nos quais esteve envolvido. Ou seja, não irá fazer nada. E, além disso, na própria campanha já anunciava que é preciso olhar para a frente. Eu não falo de otimismo ou pessimismo. Porque se tivesse otimismo, eu seria como aquele a quem empurram de um edifício de 20 andares e, durante a queda, lá pelo décimo andar, ele fica contente porque ainda não lhe aconteceu nada… Eu falo é de realismo.
Há indícios de militares que sabia da ordem do massacre da UCA, por exemplo, que não colaboraram com a Comissão da Verdade, nem com o processo na Audiência Nacional Espanhola (os oficiais acusados de envolvimento no massacre foram intimados na Espanha). E os protegem. Há sinais que mostram que vai passar com Ceren o mesmo que passou com Funes. No governo de Funes, me olhavam como se fosse da Arena, mas trabalho com Direitos Humanos e aqui não há nem rico nem pobre, nem esquerda nem direita, mas, sim, a dignidade das pessoas.
Quando Funes estava em campanha ninguém se deu conta, ou se fizeram de desentendidos, que ele disse que não tocaria em três coisas que efetivamente impediriam que a fome, o sangue e a impunidade seguissem no país: no tratado de livre comércio com os Estados Unidos, na dolarização da economia de El Salvador (vigente desde 2001) e na lei de anistia. Sanchez Ceren já disse o mesmo.
Como centro-americano e a partir da experiência e expertise nesse debate de Justiça de Transição, como o senhor vê essa discussão sobre memoria, verdade e justiça no Brasil?
Eu acho que o Brasil é um exemplo de como fazer as coisas. Não são perfeitas, obviamente, mas além do Estado, na figura muito ativa do presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, eu sinto que há, na base, por baixo e por dentro, uma participação muito maior da sociedade. Porque El Salvador é um exemplo de que de por fora e por cima não se arrumam as coisas.
Nem com acordo, nem com eleições, nem com alternância, nem com governos “puro sangue”, ou seja, sem participação das pessoas, não se resolve. Se a FMLN trabalha bem, terá apoio da sociedade. Eu, como cidadão, como Benjamin Cuellar, vou aplaudir o que for bem feito. Mas não haverá solução sem a participação das pessoas. Em El Salvador, por conta de uma guerra tão intensa como a que houve, é que ocorre essa polarização que há no país, porque as pessoas esperaram que a guerrilha lhes resolvessem os problemas com a guerra e, depois dos Acordos de Paz, que a FMLN agora lhes resolvessem os problemas como partido, com eleições. Sabe como é o ditado: ‘só o povo salva o povo’, mas apenas se estiver organizando, demandando e exigindo soluções.
Considerando sua posição realista, como o senhor se define, considera que o Brasil está num melhor caminho? Digo isso, porque, pragmaticamente, falando que a lei de anistia segue sendo um entrave à Justiça de Transição no Brasil tanto quanto parece ser em El Salvador…
Sim, mas a diferença está enquanto às vítimas de fome, sangue e impunidade assumem o papel protagonista nesse processo reparatório e, no Brasil, sinto que o assumem muito mais do que em El Salvador. Tenho dois anos de trabalho com organizações brasileiras para a criação da Rede Latino-americana de Justiça de Transição e sinto que essa diferença é marcante.
Considerando a experiência também da Comissão da Verdade de El Salvador, do que foi e dos seus resultados, o que se pode esperar da Comissão brasileira?
Insisto, se o protagonismo da sociedade não se mantém, ocorrerá no Brasil o que ocorreu em El Salvador, isto é> aqui a comissão é nacional, criada pelo governo. A salvadorenha foi criada três meses depois do fim da guerra e toda a equipe era internacional, mas as recomendações, mesmo no governo da FMLN, não foram cumpridas e as coisas ficaram por isso mesmo.
Mesmo a depuração das Forças Armadas. Saíram apenas 100 de mais de 1300 oficiais, ou seja, se considera que apenas 100 foram violadores de Direitos Humanos durante a guerra. A criação da Policia Nacional Civil (PNC) foi marcada por uma falha de origem e continuou militarizada. O melhor exemplo do fracasso dessa Polícia é que, desde 16 de julho de 1993, apenas um ano e meio depois da assinatura dos Acordos de Paz, o exército tem estado nas ruas fazendo papel de polícia permanentemente. Em 2011, no governo Funes, segundo informe oficial do Ministério da Defesa, temos mais de 8 mil soldados na segurança pública.
Então, das recomendações da comissão, apenas aquelas que eram politicamente toleráveis e que se podiam implementar por acordo foram feitas. Do grupo de recomendações sobre reconciliação nacional estão, por exemplo, a construção de um monumento às vítimas, um dia nacional de honra as vítimas, indenização moral e material, discussão nacional sobre o que se fazer com essa verdade – nada se cumpriu. Segue pendente, ainda, como parte da garantia de não-repetição desses feitos, a assinatura ao Estatuto de Roma (que adscreve o país à Corte Penal Internacional). Enquanto os violadores de direitos humanos do passado estão brindados com a anistia, os violadores de direitos humanos do futuro estão brindados com a não adesão ao estatuto. Em El Salvador, cinco dias depois da divulgação do informe da Comissão, passaram a lei de anistia. Ou seja, mataram o informe, enterraram-no e a lápide se chama “lei de anistia”.
Para que serve o informe da Comissão da Verdade?
Ele não é um fim em si mesmo, é uma ferramenta para que as vítimas e a sociedade o tomem nas mãos e exijam o cumprimento. Se o povo ficar esperando que o PT, no Brasil, ou a FMLN, em El Salvador, tragam a solução, ficarão sem ver nada.
*Aleksander Aguilar é jornalista, mestre em Estudos Internacionais pela Universitat de Barcelona, doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
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O que vale a pena na midia
Friday, 28 March 2014
Um ano da morte de Achebe. Literatura, sociedade e o mundo "pós-colonial"
Na semana passada, dia 21 de março, cumpriu-se um ano da morte do escritor nigeriano Chinua Achebe, o "pai da literatura africana"(...). Em homenagem a esse autor e a essas literaturas africanas, ainda tão pouco difundidas no Brasil, a vontade foi de compartilhar, em respeitosa deferência, um recente e muito breve ensaio que escrevi dentro minhas obrigações doutorais para a disciplina de Sociologia da Literatura, na UFPE, sob responsabilidade da excelente professora Eliane Veras, onde tive a oportunidade de ler e estudar um pouco Achebe. Deixo parte da introdução, e se a alguém interessar, por favor entre em contato.
.....................
O escritor camaronês Mongo Beti
afirma em seu Dictionnaire de la
négritude que: “O primeiro, e até o momento, o único escritor africano que
atingiu um grande público no mundo inteiro é um anglófono nigeriano, Chinua
Achebe. Ninguém melhor que ele descreveu a agonia da cultura tradicional
confrontada com uma civilização conquistadora”.
(Beti, M. apud Pereira, 2012).
Quase 60 anos depois da publicação de O mundo se despedaça, a obra ainda é vista como um dos
principais trabalhos literários sobre o período colonial. O livro é comumente apontado pela mídia como o
primeiro romance africano a ganhar reconhecimento mundial e seu autor como o “pai
da moderna literatura africana” (The Guardian, 2010; The Independent, 2013).
A popularização de tal título
atribui-se à manifestação sobre Achebe da escritora Nadine Gordimer (Prêmio
Nobel de 1991), em 2007, quando juíza do prestigioso Prêmio Internacional Man Booker do qual o nigeriano foi vencedor
naquele ano. Mas o próprio Achebe rejeitou fortemente o rótulo por
considerar que isso obscurecia o papel de muitos outros escritores: "It's really a serious belief of mine
that it's risky for anyone to lay claim to something as huge and important as African
literature ... the contribution made down the ages. I don't want to be singled
out as the one behind it because there were many of us – many, many of
us," (The Guardian, 2009)
Pensando isso, busquei realizar
uma breve reflexão sobre o lugar que este livro de Achebe ocupa entre
as grandes obras da literatura mundial, tendo por base as apreciações sobre
crítica literária africana e dimensões dos significados do pensamento
pós-colonial na destacada pesquisadora Inocência Mata, e as ponderações sobre a
relação literatura e sociedade em renomados teóricos do campo como Terry
Eagleton e Roberto Schwarz.
Nosso intento, portanto, é, fixando essas
discussões sobre reconhecimento, valor e legitimidade segundo enunciados
teóricos que problematizam tais noções, analisar brevemente como O mundo se despedaça aborda a
determinante questão do encontro colonial no país de origem do autor, a partir
da analogia à crítica teórica sobre relações centro/periferia. Ou seja,
perceber as linhas de força ideológicas utilizadas por Chinua Achebe nesse seu
romance para compor uma obra esteticamente eficaz para expressar o impacto
colonial na Nigéria – uma obra que se converteu em evidencia cabal da forma que
o literário assumiu a respeito das dinâmicas do colonialismo na África.
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