Monday, 27 October 2014

Esqueça as eleições, agora faça politica!

Texto publicado no portal O SOPAPO

Dilma se reelegeu nas eleições presidenciais brasileiras 2014 e isso representa um alivio, embora muitos, legitimamente, não concordem com o adjetivo. O voto nulo tem fundamento e é respeitado, mas mesmo como posição tática ainda me é difícil pensar como sustenta-lo em termos de luta institucional. Mais fácil quando abdicamos totalmente da disputa nessa esfera em nome de outras onde, provavelmente aliás, as energias são canalizadas para fins políticos melhores. Mas hoje não foi esse o caso.

Na reeleição de Dilma e do PT e de suas alianças ainda prevalece a tese do mal menor, sabendo-se qual era a outra opção que tínhamos - um PT em vez de um PSDB ainda é boa notícia para o Brasil e talvez principalmente para a integração, e não apenas a comercial, da América Latina.

 No entanto, a sensação de alivio do “terror” tucano é um exagero quando, baixado o calor do processo eleitoral, confrontarmos concretamente nossos desafios e formos capazes de ver que política não é só festa. Por isso recém acabada a eleição, como primeiríssimo ponto de análise,  pra quem se preocupa em superar o maniqueísmo binário embrutecedor, já  é preciso reafirmar que os setores progressistas do Brasil não podem apenas celebrar a vitória de Dilma sem estabelecer uma reflexão-ação crítica sobre a conjuntura política do Brasil, sem exercitar imaginação emancipatória sobre os desafios sociais que o país possui e que, em larga medida, não são enfrentados pelo PT, e menos por suas alianças partidárias.

Essa eleição foi, em larga medida, uma disputa entre os legados de Lula (pacto social: neodesenvolmentismo que facilita algumas conquistas sociais mas sem a existência de um vigoroso movimento popular, ou dito de outra forma, crescimento com distribuição de renda, em que os ricos ficam mais ricos e os pobres, menos pobres) e de FHC (neoliberalismo pesado: monetarismo que sacrifica a redução da pobreza para garantir estabilidade ).

Não podemos apenas insistir em afirmar o suposto talento político de Lula, que incidiu no novo protagonismo brasileiro na cena internacional, no caráter bem-sucedido de seu capitalismo de Estado. E tampouco podemos negar conquistas desses governos lulistas, ou dizer que foram simples consequências naturais de decisões tomadas por governos anteriores, ou que a corrupção teria tido, apenas agora, um nível superior, portanto deslegitimador.

O lulismo definiu-se por promover, ao mesmo tempo, um tipo de Estado propulsor de processos de crescimento com ampliação de sistemas de proteção social, do aumento real do salário mínimo e incentivo ao consumo, (sim, o consumo! Sempre o consumo... ao invés da distribuição da riqueza para atacar radicalmente a desigualdade), e ser um  facilitador da reconstrução do empresariado nacional em seus desejos de globalização. Vê-se ai, como bem apontou certa vez Vladimir Safatle, que se consolidou a função do BNDES como grande financiador do capitalismo nacional.

Ainda assim, e por isso mesmo, a vitória de Dilma é uma consagração do lulismo e do partido de governo. 1ª manifestação do discurso de Dilma reeleita: saudar a Lula (“militante número 1 das causas do povo brasileiro”). O PT de Lula, porém, tornou-se o partido executor da versão atenuada de modelo econômico da direita, aliviando as dificuldades materiais sem mudar a ordem social desigual e injusta. Mas o que vem agora que é quando começa a política de verdade?

“Hacia adelante”

Confirmou-se que esta foi a mais disputada e polarizada eleição presidencial brasileira, talvez mais que o emblemático pleito de 1989, da redemocratização do país, quando o PT e o Lula eram outros.

A derrota de Aécio em MG, estado em que foi duas vezes governador, e a vitória forte de Dilma em todo os estados do NE são tópicos importantes das características desse pleito.

E vale a pena destacar a marcada degradação do PSB como um partido que, ao tentar deixar de ser uma linha auxiliar do PT, moveu-se parece que em definitivo para a direita.

Também tivemos um considerável número do “não-voto” (30% no 1º  turno e 28% no 2º turno) mas num quadro não muito diferente das eleições de 2010, embora esses números demonstrem, isso sim, que há pelo menos um alto grau de desconfiança por parte do eleitorado brasileiro em relação à classe política.

Mas fundamentalmente importa pensar que nesse modelo petista de Estado, o aumento da renda dos trabalhadores, a formalização do trabalho, com o desemprego mantido em patamares historicamente baixos, e os programas sociais a partir de instrumentos econômicos tradicionais provocaram a badalada redução da pobreza nos últimos anos, mas há uma desaceleração do crescimento que gera dilemas.

Nesse modelo a ordem é crescer como se não houvesse amanhã (literalmente, porque ignora os limites ambientais do país) e produzir, ao invés de cidadãos, consumidores, entre os desafios neste campo está o de aumentar a participação indústria no PIB, que vai baixando nos últimos dez anos (19% 2004 e 13% 2013). E para o PT manter uma meta da inflação de 4.5%, que o tucanato já considera alto, será difícil não reajustar preços administrados, como combustíveis e energia. É possível que ajustes fiscais tenham impacto sobre o “sagrado” emprego. Dilma vai precisar implantar medidas estruturais na infraestrutura produtiva brasileira.

A retórica de que o Brasil saiu desta eleição mais dividido é contestada, mas as dificuldades de conciliação entre polarizados projetos de elites é real. Dilma fez o conhecido discurso de conciliação na comemoração da vitória. A margem de manobra para composição do governo, contudo, será pequena, e enfrentará grande oposição. A própria a proposta de plebiscito para uma reforma política, que Dilma apontou como “a primeira e mais importante” já foi apresentada pelo governo e o congresso recusou.  Um dos grandes paradoxos do PT, por conta das opções políticas que fez ao longo das suas gestões e em nome da governabilidade, é que hoje ele tem menos condições de promover grandes reformas.

 E por isso deveria ser preocupante especialmente para o PT o esgotamento desse tipo de crescimento brasileiro. Porque nesse contexto, em que vai depender ainda mais das alianças mais reacionárias que já lhe são caras, como latifúndio, agrobusiness, empreiteiras, bancada neopentecostal, pode haver um ataque especulativo contra o país, jogado nos braços do “mercado financeiro” e diminuindo, no curto prazo, os espaços para demandas sociais urgentes. Vai ficar para as ruas conquistarem a agenda social restante.

Não há indicio de que nenhuma das pautas sociais sairá de iniciativas do Planalto e sim das bases sociais que estão para além da tal da governabilidade. O Partido dos Trabalhadores em 12 anos de governo sequer tentou mudar os marcos institucionais e constitucionais dos governos neoliberais que o antecederam – a exemplo do que fizeram outras nações latino-americanas com governos progressistas. Diz ter feito o que podia nas condições que encontrou, nas regras do jogo, mas fez quase nada para transformar essas regras. E por isso mesmo seu espaço de manobra se reduziu a medida que aumentou sua adaptação à ordem que supostamente quereria alterar.

No movimento popular brasileiro, por sua vez, há uma crise de projeto, pois não aderem plenamente ao lulismo e tampouco parecem querer rompem com o mesmo governo. Mas é cada vez mais evidente, também, que a construção dessa outra ordem, elaborada enquanto se a faz, dependerá ainda mais das conquistas ruas, com ou sem o apoio da esquerda oficial.

Para reais lutadores sociais a pauta emancipatória é conhecida: saúde e a educação públicas como prioridade, ampla reforma política descriminalização das drogas e do aborto, defesa dos direitos LGBT, promoção de igualdade e autonomia das mulheres, ampliação do direito à moradia e à cidade, reforma agrária, democratização da comunicação, demarcação das terras indígenas e ampliação do controle social e da participação popular nas decisões políticas. É assim que se muda mais, é assim que se veste vermelho.

 

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