- foto: fanpage "Manifesto Recife" - 20/06/2013
- Por Aleksander Aguilar
Repetição,
de acordo com Hegel, joga um papel crucial na história: quando alguma coisa
acontece apenas uma vez, isso pode ser desdenhado como um acidente – algo que
poderia ter sido evitado se tivéssemos tratado diferentemente a situação; mas
quando o mesmo evento se repete, isso é um sinal de que um processo histórico
mais profundo se desdobra.
Desde
2011, com a surpresa da Primavera Árabe e subsequentes séries de revoltas e
manifestações que atravessam vários e distintos países, o tema da organização
popular, ou de massa, ou militante, tem estado na ordem do dia em inúmeros
debates e produção intelectual. Há na era da Web 2.0 um momento de reconfigurações
sociopolíticas, intimamente ligada à essa influência da incontrolável velocidade
das novas tecnologias, que geram ondas de impacto em reverberação. Ocorrem no
contexto europeu, em contra de medidas de austeridade fiscal; ou levantes, no
contexto do Oriente Médio, em oposição aos velhos regimes de governos
autoritários, e agora no Brasil, com uma indignação latente nas ruas por
demandas de justiça social que ainda se buscam compreender e ter formato. Há lutas que elencam muitas dúvidas e inúmeras
posições de um suposto dualismo entre novas e antigas formas de organização.
Entre
essas perguntas estão: Como remediar, ou prevenir, que níveis de massa de
mobilização se dissipem ou sejam subaproveitadas? Como canalizar a força difusa do desejo por
mudanças sociopolíticas em uma luta efetivamente capaz de proporcionar
transformações sociais emancipatórias? Os temas da organização e do espontaneismo são
centrais no corrente cenário e a reflexão conceitual na busca de respostas
envolve nomes contemporâneos do pensamento social e político com renomado
trabalho nesses assuntos e merecem ser citados.
O
mais popular entre esses por enquanto, Slavoj Zizek, em diferentes ocasiões
enfatiza que para a reorganização da vida social é preciso um corpo político
firme o suficiente para realizar decisões rápidas que sejam implementadas também
com a firmeza necessária.
No atual ambiente de despolitização das administrações pós-ideológicas – que,
para Zizek, conforma uma dinâmica perigosa; humaniza e naturaliza o capitalismo
e dá espaço para a organização de uma superdireita – o filósofo afirma que a
democracia liberal não é suficiente e restabelece o horizonte do comunismo
interpretado: “Quando debatemos com os liberais, não deveríamos dizer: 'ah,
vocês são os inimigos burgueses, não discutimos como vocês!' Deveríamos, sim,
alertá-los. 'Sim, nós também gostamos das suas liberdades, mas apenas uma
esquerda bem estabelecida em longo prazo irá ajudar a salvar os aspectos dessas
liberdades que valem a pena. Se não for assim se perderá cada vez mais espaço
para a extrema direita'”.
Outro
filósofo caro a esse debate, Alain Badiou, na sua posição de reinventar a
“ideia comunista” recebe críticas por parecer querer restringir à filosofia a
tarefa de prover respostas que na verdade só podem ser construídas na prática.
Um novo militante, uma nova organização e uma nova disciplina não são propostas
necessariamente ligadas a uma nova hipótese comunista, nem a que o problema
seja o de substituir os partidos, e corre o risco de pautar redefinições mais
abstratas do que soluções.
Teríamos
assim uma divergência entre Zizek e Badiou, este cuja preferência seria a de
uma política sem partido, organizada através da disciplina intelectual do
processo político, e não de acordo a forma correlata à exercida no Estado. Mas há
ao mesmo tempo um diálogo sobre os conceitos que permeiam o debate – como
disciplina e capacidade de decidir e de agir de forma unificada, bem como
estrutura e centralização – em relação direta com a forma do ativismo que se vê
hoje.
Quando
consideramos, então, o momento de manifestações de massa que se desenvolvem e
se espalham desde 2011, as incertezas e inseguranças manifestam-se ao lado, porque
sua natureza indeterminada, de significar qualquer coisa para quaisquer
pessoas, pode atrair enormes contingentes de pessoas às ruas ao mesmo tempo que
torna ações concertadas cada vez mais difíceis: qualquer intervenção decisória
pode provocar dispersões e divisões e, logo, é no fazer as coisas acontecerem que
se determinará quem está dentro e quem está fora.
Há,
sobretudo, mesmo que se busque ser neutro sobre os significados desse novo
militante, dessa nova organização e, portanto, dessa nova política, uma
avaliação negativa do que existe hoje. O declínio da organização leninista não
representou o seu desaparecimento; as ideias dos partidos não necessariamente
representam sentido completo, mas a prática partidária sim, tal qual os
Bolcheviques foram copiados, em termos pragmáticos, porque o formato funcionou.
Dito isso, há certamente um espaço hoje para uma reavaliação teórica da noção
de vanguarda da esquerda que deve se guiar pelo empenho em encontrar e
sistematizar (o que seria bastante útil) noções não-vanguardistas de política
ainda assim entendidas como radicais ou revolucionárias. Com isso seriamos
capazes de pensar o problema do militante e da organização através do presente,
da tecnopolítica (o uso tácito e estratégico das redes digitais para a
organização, comunicação e ação política coletiva, que implica também em utilizar
a rede para tomar o espaço urbano)
e combinar propositivamente a questão do “o que é” com o da “o que é preciso”.
Há
espaço para que nos movamos mais adiante da polarização conceitual entre
partidos vanguardistas, vistos como muito rígidos, e redes de articulação
virtual, vistas como muito frouxas? É possível que os movimentos contemporâneos
transcendam o espontaneismo pejorativo e sejam articulados como novas formas de
criação e de organização?
A
evolução desse debate, hoje mais do que nunca enraizado no prático, deve estar
pautado num horizonte de emancipação social. O esvaziamento político daquilo
que começou como atos propositivos, e agora tem como tom predominante o de
paradas cívicas moralistas e conservadoras, precisa ser preenchido, com a
construção de uma identidade coletiva que marque distância da direita e tenha
uma projeção mais estratégica. Propostas
emancipatórias radicais precisam ser desenhadas, debatidas e massificadas de
modo a se ter um objetivo sociopolítico estruturalmente transformador. Eis a
reflexão chave, segundo Zizek: o espaço da sociedade como conhecemos está para
terminar e é tempo para interpretações mais radicais.
*Aleksander Aguilar é jornalista e
doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais
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