Saturday, 22 June 2013

Um retorno a Lênin? Organizaçao e espontaneismo em tempos de “tecnopolítica”

  • foto: fanpage "Manifesto Recife" - 20/06/2013

  • Por Aleksander Aguilar
Repetição, de acordo com Hegel, joga um papel crucial na história: quando alguma coisa acontece apenas uma vez, isso pode ser desdenhado como um acidente – algo que poderia ter sido evitado se tivéssemos tratado diferentemente a situação; mas quando o mesmo evento se repete, isso é um sinal de que um processo histórico mais profundo se desdobra. 
(Slavoj Zizek[1])

Desde 2011, com a surpresa da Primavera Árabe e subsequentes séries de revoltas e manifestações que atravessam vários e distintos países, o tema da organização popular, ou de massa, ou militante, tem estado na ordem do dia em inúmeros debates e produção intelectual. Há na era da Web 2.0 um momento de reconfigurações sociopolíticas, intimamente ligada à essa influência da incontrolável velocidade das novas tecnologias, que geram ondas de impacto em reverberação. Ocorrem no contexto europeu, em contra de medidas de austeridade fiscal; ou levantes, no contexto do Oriente Médio, em oposição aos velhos regimes de governos autoritários, e agora no Brasil, com uma indignação latente nas ruas por demandas de justiça social que ainda se buscam compreender e ter formato.  Há lutas que elencam muitas dúvidas e inúmeras posições de um suposto dualismo entre novas e antigas formas de organização.

Entre essas perguntas estão: Como remediar, ou prevenir, que níveis de massa de mobilização se dissipem ou sejam subaproveitadas?  Como canalizar a força difusa do desejo por mudanças sociopolíticas em uma luta efetivamente capaz de proporcionar transformações sociais emancipatórias?  Os temas da organização e do espontaneismo são centrais no corrente cenário e a reflexão conceitual na busca de respostas envolve nomes contemporâneos do pensamento social e político com renomado trabalho nesses assuntos e merecem ser citados.

O mais popular entre esses por enquanto, Slavoj Zizek, em diferentes ocasiões enfatiza que para a reorganização da vida social é preciso um corpo político firme o suficiente para realizar decisões rápidas que sejam implementadas também com a firmeza necessária.[2] No atual ambiente de despolitização das administrações pós-ideológicas – que, para Zizek, conforma uma dinâmica perigosa; humaniza e naturaliza o capitalismo e dá espaço para a organização de uma superdireita – o filósofo afirma que a democracia liberal não é suficiente e restabelece o horizonte do comunismo interpretado: “Quando debatemos com os liberais, não deveríamos dizer: 'ah, vocês são os inimigos burgueses, não discutimos como vocês!' Deveríamos, sim, alertá-los. 'Sim, nós também gostamos das suas liberdades, mas apenas uma esquerda bem estabelecida em longo prazo irá ajudar a salvar os aspectos dessas liberdades que valem a pena. Se não for assim se perderá cada vez mais espaço para a extrema direita'”.[3]

Outro filósofo caro a esse debate, Alain Badiou, na sua posição de reinventar a “ideia comunista” recebe críticas por parecer querer restringir à filosofia a tarefa de prover respostas que na verdade só podem ser construídas na prática. Um novo militante, uma nova organização e uma nova disciplina não são propostas necessariamente ligadas a uma nova hipótese comunista, nem a que o problema seja o de substituir os partidos, e corre o risco de pautar redefinições mais abstratas do que soluções.[4]

Teríamos assim uma divergência entre Zizek e Badiou, este cuja preferência seria a de uma política sem partido, organizada através da disciplina intelectual do processo político, e não de acordo a forma correlata à exercida no Estado. Mas há ao mesmo tempo um diálogo sobre os conceitos que permeiam o debate – como disciplina e capacidade de decidir e de agir de forma unificada, bem como estrutura e centralização – em relação direta com a forma do ativismo que se vê hoje.

Quando consideramos, então, o momento de manifestações de massa que se desenvolvem e se espalham desde 2011, as incertezas e inseguranças manifestam-se ao lado, porque sua natureza indeterminada, de significar qualquer coisa para quaisquer pessoas, pode atrair enormes contingentes de pessoas às ruas ao mesmo tempo que torna ações concertadas cada vez mais difíceis: qualquer intervenção decisória pode provocar dispersões e divisões e, logo, é no fazer as coisas acontecerem que se determinará quem está dentro e quem está fora.

Há, sobretudo, mesmo que se busque ser neutro sobre os significados desse novo militante, dessa nova organização e, portanto, dessa nova política, uma avaliação negativa do que existe hoje. O declínio da organização leninista não representou o seu desaparecimento; as ideias dos partidos não necessariamente representam sentido completo, mas a prática partidária sim, tal qual os Bolcheviques foram copiados, em termos pragmáticos, porque o formato funcionou. Dito isso, há certamente um espaço hoje para uma reavaliação teórica da noção de vanguarda da esquerda que deve se guiar pelo empenho em encontrar e sistematizar (o que seria bastante útil) noções não-vanguardistas de política ainda assim entendidas como radicais ou revolucionárias. Com isso seriamos capazes de pensar o problema do militante e da organização através do presente, da tecnopolítica (o uso tácito e estratégico das redes digitais para a organização, comunicação e ação política coletiva, que implica também em utilizar a rede para tomar o espaço urbano[5]) e combinar propositivamente a questão do “o que é” com o da “o que é preciso”.

Há espaço para que nos movamos mais adiante da polarização conceitual entre partidos vanguardistas, vistos como muito rígidos, e redes de articulação virtual, vistas como muito frouxas? É possível que os movimentos contemporâneos transcendam o espontaneismo pejorativo e sejam articulados como novas formas de criação e de organização?

A evolução desse debate, hoje mais do que nunca enraizado no prático, deve estar pautado num horizonte de emancipação social. O esvaziamento político daquilo que começou como atos propositivos, e agora tem como tom predominante o de paradas cívicas moralistas e conservadoras, precisa ser preenchido, com a construção de uma identidade coletiva que marque distância da direita e tenha uma projeção mais estratégica.  Propostas emancipatórias radicais precisam ser desenhadas, debatidas e massificadas de modo a se ter um objetivo sociopolítico estruturalmente transformador. Eis a reflexão chave, segundo Zizek: o espaço da sociedade como conhecemos está para terminar e é tempo para interpretações mais radicais.

*Aleksander Aguilar é jornalista e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais



[1] ŽIŽEK, Slavoj. “Shoplifters of the World Unite”. In: London Review of Books, 19/08/2011. http://www.lrb.co.uk/2011/08/19/slavoj-zizek/shoplifters-of-the-world-unite
[2] IDEM
[3] AGUILAR, Aleksander. “O fim dos tempos, segundo Zizek” In: Jornal Brasil de Fato, 15/09/2010. http://www.brasildefato.com.br/node/258
[4] Rodrigo Nunes, "Rethinking the Militant", in Shannon Brincat (Ed.). Volume III: The Future of Communism, Third volume of Communism in the 21st Century, 3 Volumes, Santa Barbara, CA: Praeger, (in-press, 2013).
[5] Ander Iñaki Oliden entrevista a JAVIER TORET. "La acción política va a estar cada vez más mediada por la tecnología" In: eldiario.es 21/06/2013. http://www.eldiario.es/turing/accion-politica-vez-mediada-tecnologia_0_145586203.html

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