Um deles, o general Leônidas Pires Gonçalves, 89 anos, foi chefe do DOI-CODI do Rio de Janeiro, comandante militar da Amazônia e ministro do Exército do Governo Sarney. O outro, o general Newton Cruz, 85 anos, chefiou o SNI – Serviço Nacional de Informações, e comandou a repressão às manifestações realizadas em Brasília na época do movimento ‘Diretas Já’.
Com o dedão de proctologista sempre em riste, o general Leônidas nos ofereceu essa pérola:
“Não tivemos exilados no Brasil. Tivemos fugitivos. A palavra ‘exilado’ não serve para eles. Exilado é alguém que recebe um documento do governo exigindo que se afaste. Tal documento nunca houve. A minha sugestão é: fugitivos".
O general alega que ninguém foi obrigado a sair do país, e a prova disso é que não existe qualquer papel com o carimbo: “Vai-te embora”, assinado: “Ditadura”, com firma reconhecida. Então, quem saiu, o fez por livre e espontânea vontade. Ele insinua que quem saiu é covarde e fujão, ao contrário dele, que é macho pacas. Dessa forma, o general, que nunca cantarolou ‘o bêbado e o equilibrista’, debochou do ‘choro das Marias e Clarisses’ e de ‘tanta gente que partiu num rabo de foguete’.
Exilado ou fujão?
A bravata do general coloca duas questões: uma de forma e outra de conteúdo. Formalista, o ex-chefe do Doi-Codi confunde cinto com bunda e cipó com jerimum. Para ele, todo bebê não registrado em Cartório é non nato. É isso aí: não nascido. A criança pode chorar e berrar, mamar, molhar as fraldas: não nasceu. As lágrimas e os berros não constituem prova cabal de sua existência. A única prova aceitável é uma certidão afirmando que ela existe. Da mesma forma que, sem papel, exilados não existem, só fugitivos.
Enquanto o general, dedão em riste, nos chamava de fujões, eu ouvia a voz bêbada da cantora Vanusa entoando: “verás que um filho teu não foge à lu-uta!”. Acontece – e aqui vem a segunda questão – que quem foge, foge de alguém ou de alguma coisa. Nós, exilados, fugimos de quê?
Da repressão e da tortura? Ora, o Diário Oficial não publicou portaria nomeando torturadores, portanto eles não existiram. Houve apenas ‘pequenos excessos’, como justifica o general Leônidas:
- “Guerra é guerra. Guerra não tem nada de bonito – só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. As torturas lamentavelmente aconteceram, mas para ser uma mancha ela foi aumentada. Hoje todo mundo diz que foi torturado pra receber a bolsa-ditadura”.
O general Leônidas, fanfarrão que não sabe nem ganhar porque tripudia sobre os vencidos, coloca em dúvida até o assassinato na prisão do jornalista Wladimir Herzog:
- “Eu não tenho convicção que Herzog tenha sido morto. Porque sei o que é uma pessoa assustada e não preparada (...). Nitidamente, Herzog não era preparado para isso. Às vezes, estive pensando, um homem não preparado e assustado faz qualquer coisa, até se mata. Até se mata”.
Deixando de lado esse insulto à memória – um escárnio - cabe perguntar: quem matou dona Lyda Monteiro, secretária da OAB, vítima dos atentados à bomba contra alvos civis que aterrorizaram o Rio de Janeiro em 1980-1981? Na época, o governo militar culpou os radicais de esquerda, negando aquilo que logo ficou provado e hoje o general Newton Cruz confessa: militares radicais da ativa promoveram atentados para impedir o processo de abertura política em andamento.
O ataque frustrado ao Riocentro – Deus castiga! - matou um dos terroristas, quando uma das bombas explodiu no colo do sargento Guilherme, dentro do carro do capitão Wilson Machado. Com os olhos esbugalhados durante toda a entrevista, Newton Cruz confessou que tinha prévio conhecimento de que alguns militares preparavam o atentado e – esse é um dado novo – que ele próprio transmitiu ao seu superior general Octávio Medeiros. O entrevistado contou ainda que ele, por conta própria, impediu novo atentado que havia sido preparado por militares do Doi-Codi do Rio.
Tortura e anistia
Um terceiro militar, não entrevistado, mostrou o lado íntegro das Forças Armadas. Trata-se do major brigadeiro Rui Moreira Lima, 91 anos, piloto de combate da esquadrilha verde da Força Aérea Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, quando executou 94 missões. Ele é um dos três heróis brasileiros da guerra que combateu o nazi-fascismo. Nesta segunda-feira (12/04), o nonagenário general protocolou no STF um pedido para que a lei de Anistia não beneficie os crimes de tortura.
Na petição assinada, o brigadeiro Lima, que também preside a Associação Democrática e Nacionalista de Militares (ADNAM), diz com extrema lucidez: “a anistia não pode significar que atos de terror cometidos pelo Estado através de seus agentes e que ensejaram verdadeiros crimes contra a humanidade não possam ser revistos”.
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