Um único Marcos Bagno já é um alivio, um cutucão, uma oportunidade de luz sob o cenário escuro do ensino de letras no Brasil que é tão cheio de ignorância, de preconceitos e de dimensões sócio-políticas não bem entendidas mesmo por muitos profissionais da área.
Mas para que esse tímido foco se converta em imensas fogueiras de inteligência, necessitamos não apenas um, mas dois, três, milhares de Marcos Bagno. Textos como esse pequeno artigo abaixo, publicado na Caros Amigos, explicam o porquê.
Também ocorre hipercorreção com os chamados “verbos abundantes”, que têm mais de um particípio. Muita gente acha que só existem as formas “ganho”, “entregue”, “pago” etc. e que é errado dizer ou escrever “eu tinha ganhado”, “tinha entregado”, “tinha pagado” etc. Por analogia e hipercorreção, surgiram novos particípios irregulares que, só porque são novos, sofrem o combate sistemático dos patrulheiros gramaticais de plantão. Estou falando dos particípios “trago” (“Ele tinha trago os livros”) e “chego” (“Ela tinha chego atrasada”) que, a julgar pelo combate violento que sofrem, já devem estar muito bem instalados na gramática intuitiva da maioria dos brasileiros. Sobre “trago”, por exemplo, encontrei essa belezura na internet: “Isso é uma asneira que é ouvida por aí entre alguns beócios”. Que meigo, não? Agora pergunto ao caro leitor: você acha certo ou errado dizer “o corrupto foi pego em flagrante”? Acha certo? Pois veja o que dizia o conhecido dicionário Caldas Aulete (na 5a ed., 1964) no verbete pego: “Só os incultos empregam este termo”.
E agora veja o que diz o dicionário Houaiss (1999): “pegar apresenta duplo particípio: pegado, pego (ê ou é)”. Como as coisas mudaram em 35 anos, não? De uma análise preconceituosa para uma apresentação neutra, sem nenhum juízo de valor. Por isso, em vez de sair por aí esbravejando contra o que é novo na língua, melhor procurar entender serenamente os processos de mudança linguística. Assim, daqui a 50 anos, ninguém vai rir da sua cara ao ver que você condenava um uso que se tornou absolutamente normal, corriqueiro e bem aceito por todos os falantes, inclusive os que se acham muito cultos e letrados!"
No comments:
Post a Comment